Paddy Cosgrave ficou impressionado com a mancha humana que cobria a Altice Arena na abertura da cimeira. António Costa deixou um convite aos milhares de participantes presentes na inauguração da Web Summit.
A “capital do diálogo e da tolerância” voltou a abrir as portas aos descobridores da tecnologia. Foi numa Altice Arena repleta (tão repleta que dezenas de lugares só foram destapados à última hora), que arrancou a terceira edição da Web Summit em Lisboa. Coube ao criador, Paddy Cosgrave, fazer as honras da casa. “Holy cow” foram as primeiras palavras que lhe vieram à cabeça, perante uma multidão que aplaudia de pé.
Depois de ouvir (mais uma) decaração de amor de Paddy a Lisboa e a Portugal, António Costa lançou-se às feras do empreendedorismo. Começou em inglês, dando as boas vindas primeiro aos estrangeiros. Afinal, são cerca de 70 mil os que visitam o país esta semana, vindos de 170 países.
“Portugal gosta de ser um país aberto. O nosso ADN é aproximar as pessoas de todo mundo, algo que começámos a fazer há 600 anos”. Não haveria de ser a última referência da noite aos feitos dos navegadores portugueses. “Fomos o país da primeira globalização, que aproximou culturas, pessoas e bens numa nova era. A liberdade permite a criatividade e dá azo a uma curiosidade infinita. Foi isso que a história nos ensinou”.
Embalado pela conquista recente da Web Summit por mais dez anos, Costa deixou um convite aos milhares que aterraram em Lisboa esta semana, e aos milhões que estavam a assistir à abertura da conferência através da internet.
“Aprendemos a amar a liberdade, aprendemos a respeitar o modo de vida, género e sexualidade de todas as pessoas. Portugal está muito satisfeito por vos receber, não só na Web Summit, mas também para se juntarem a nós para viver e investir”.
Mas os empreendedores nacionais, presente em massa na arena, como tinha sido audível minutos antes quando Paddy perguntou se havia “portugueses na sala”, não foram esquecidos por António Costa. O primeiro-ministro dirigiu-se a eles na língua materna.
“Às empresas portuguesas quero desejar que encontrem aqui parceiros, capital, e financiamento. Vocês são os nossos embaixadores na Web Summit”.
O orador mudou segundos depois, mas a mensagem manteve-se. Fernando Medina subiu ao palco principal da conferência com a mesma vontade de mostrar aos forasteiros que nos próximos quatro dias vão estar “na capital da tolerância”.
“Para os que estão aqui pela primeira vez, vão conhecer uma das cidades mais antigas da Europa e do mundo. Uma cidade onde as pessoas têm esperança e tentam construir o futuro. Vão encontrar também a parte moderna da Europa. Temos muito orgulho dos nossos valores”, declarou o presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
“Queremos ser a capital da tecnologia, mas também a capital da tolerância, da abertura e do diálogo, que não discrimina ninguém”, proclamou. Foi também em “nome da cidade” que Medina ofereceu a Paddy Cosgrave um símbolo do país e dos descobrimentos: um retrato de Fernão de Magalhães. “O mundo que ele ajudou a descobrir é o mundo que a vossa geração está a redescobrir. Estão a dar novos mundos ao mundo. 500 anos depois, Lisboa torna-se novamente na capital do mundo por vossa causa”.
Já antes, a arena tinha estado ao rubro com as palavras de outro português que atravessou o oceano. António Guterres entrou no palco iluminado por milhares de lanternas, cortesia dos smartphones da plateia da Web Summit. O secretário-geral da ONU falou de tecnologia, e daqueles que considera os grandes desafios das descobertas do mundo moderno. “O primeiro é o impacto social da revolução tecnológica, no que diz respeito aos empregos. Muitos serão criados, outros destruídos. Resta saber que número será maior”, frisou Guterres, lembrando que tudo acontecerá muito rápido, talvez até rápido demais para a sociedade se conseguir adaptar. O segundo desafio é a internet em si.
“Dá voz a muita gente, mas isso tem sido usado para violar a privacidade das pessoas, há empresas e governos que usam a internet para controlar e censurar os cidadãos.” O secretário-geral da ONU lembrou ainda os recentes fenómenos de populismo, destacando, contudo, que não foram criados pela internet, apesar de ter sido a web a amplificá-los.
O terceiro desafio que o secretário-geral da ONU tem na mira é a tecnologia na guerra e o avanço da inteligência artificial neste campo. Guterres não tem dúvidas: “Máquinas com poder para tirar vidas são politica e moralmente inaceitáveis e deviam ser banidas por lei”. O público aplaudiu e Guterres despediu-se apelando aos governos, academias, empresas e sociedade em geral para se unirem a trabalhar estes desafios e a “garantir que a inteligência artificial é essencialmente uma força do bem”.
Recados, ambiente e internet
A cimeira decorre em Lisboa mas indirectamente foram enviados alguns recados para o outro lado do Atlântico. Lisa Jackson, vice-presidente da Apple para a Iniciativa Ambiental, não se coibiu de dizer, durante a sua intervenção, que a empresa mais valiosa do mundo “continua a apoiar o acordo do clima de Paris”. Acordo esse que os Estados Unidos, liderados por Donald Trump, optaram por abandonar no ano passado. O contributo da tecnológica liderada por Tim Cook com o ambiente pretende ir ainda mais longe. Este ano, empresa da maçã lançou um fundo de investimento, com uma dotação de 300 milhões de dólares, que visa apostar em soluções que aliem fornecedores e fontes de energia renovável na China, um dos países com emissões de gases com efeito de estufa mais elevadas do mundo.
Darren Aronofski, realizador de cinema conhecido por filmes como Cisne Negro, abordou várias temáticas durante a sua intervenção, passando inclusivamente pelo ambiente. Esta terça-feira, nos Estados Unidos, é dia de eleições intercalares e para o realizador as duas coisas acabam por estar ligadas. Por isso, fez um apelo: “A proteção do ambiente é a questão mais importante do nosso tempo. Sou optimista mas acho que estamos nas mãos dos governantes. Espero que amanhã [hoje] as pessoas votem em quem acredita na ciência”, e não no Twitter, acrescentou, numa referência a Donald Trump.
Notou também, ao abordar a questão da tecnologia enquanto meio para contar histórias, que há uma “mistura” cada vez maior entre o cinema e a realidade virtual, embora não se trate de todo da mesma coisa. “Quando vemos um filme não somos um espetador passivo. Temos a experiência da personagem, que nos leva numa viagem. Na realidade virtual somos mais nós próprios do que a experiência da personagem”.
Quase 30 anos depois da criação da World Wide Web (WWW), o seu criador, Tim Berners-Lee, apelou a que as pessoas adiram a um contrato com nove pontos para melhorar a internet e proteger os seus utilizadores. “Peço a vossa ajuda para serem parte disso. Podem juntar-se e a ideia é resolvermos este problema que temos, das pessoas que estão online e das que não estão online. Podemos fazê-lo, juntos”, disse Tim Berners-Lee.
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