Diretor do Institute for New Economic Thinking, Hugo Zsolt de Sousa defende que o brexit é “um erro histórico” mas pode ser revertido. Lamenta o afastamento entre cidadãos e Bruxelas e elogia o trabalho de Soros no INET.
O Institute for New Economic Thinking (INET), em Nova Iorque é um instituto muito pouco conhecido em Portugal. Qual é o seu papel depois da última crise económica e financeira?
O instituto foi fundado em 2008 no seguimento da crise, com a base de que a teoria económica que prevalecia falhou. Ou seja, quando faz uma avaliação em termos de análise de rendimentos pós 2008, verifica que as desigualdades estão a aumentar muito. A expectativa neste momento é de que quando chegarmos a 2030 o 1% da população mais rica tenha cerca de dois terços da riqueza mundial. Isto coloca grandes desafios do ponto de vista social, económico, de redistribuição e de escolha de políticas públicas. A premissa que levou à criação do instituto é que de facto a teoria de que a globalização simplesmente trará benefícios para todos, a teoria de que os mercados livres sem qualquer tipo de regulação terá benefícios para todos e que os mercados se vão autorregular não funcionou — os dados mostram isso. O instituto apoia jovens investigadores em várias universidades, tem parcerias com algumas universidades europeias.
São da área da economia?
Essencialmente. A ideia é revolucionar a teoria e o pensamento económico, portanto acaba por ser essa a base com a qual trabalhamos. Fomenta muito o debate, portanto o INET não é um organismo em que todos dizem o mesmo. Se for ao nosso site vê isso. É o que tentamos potenciar.
Tem associados? Como é que funciona a estrutura do instituto?
Em termos de financiamento é através do George Soros, depois tem outros doadores que podem ser fundações…
Quase todos americanos?
Praticamente. Mas temos no management board pessoas brasileiras, por exemplo. Acabamos por tentar refletir no tipo de debates e iniciativas que lançamos…
Qual é o debate mais caloroso que decorre neste momento?
Temos duas grandes iniciativas e eu estou envolvido nas duas. Uma é coordenada por mim, que é a Comissão para a Transformação Económica Global, foi lançada há cerca de um ano, é presidida pelo Joe Stiglitz e pelo Mike Spence, ambos vencedores do Nobel da Economia. O Mike Spence, que é a pessoa com quem trabalho mais diretamente, tem base em Milão, apesar de ser professor na Stern Business School, em Nova Iorque, e de facto a área dele é um dos pilares do que será o relatório final da comissão, que é a área da tecnologia.
E quando haverá relatório?
Provavelmente será publicado em paralelo com a presidência portuguesa, o que para nós é muito interessante, na medida em que vamos tender a cooperar e a falar com muitos governos desde o início. Será importante criar sinergias com o governo português, fundações…
Qual é a data da presidência portuguesa?
- É possível que seja antecipada para o final de 2020. A comissão está organizada em quatro temas: tecnologia disruptiva — acabámos de fazer uma reunião muito interessante em Silicon Valley –; macroeconomia e sistemas financeiros; alterações climáticas; e governança, no sentido dos novos equilíbrios geoestratégicos mundiais, questões como a influência da China na África.
Há alguma preocupação especial com a área da banca?
Há. Não digo que é um dos grandes males… falhanço também não será a palavra adequada, mas uma área a melhorar é a da regulação. Quando se analisa a regulação ao longo dos anos ela centrou-se em evitar efeitos nefastos da banca, ou seja, impedir que uma crise como a de 2008 se repita, mas fez menos do que devia num dos seus pilares fundamentais, que é o financiamento da economia real. Tudo isto está relacionado. Estas questões cruzam-se todas mas há uma área que é gritante quando se avalia a UE, e é-o desde o lançamento do euro, que é o que tem sido a política económica. Ou seja, a primazia que se dá, e bem — hoje talvez estejamos preparados para olhar para isto de maneira diferente –, a contas públicas equilibradas, ao cuidado com o défice e a dívida pública… mas a política orçamental ainda tem um papel redutor. Ou seja, a economia continua manca de uma perna e a achar que a política orçamental apenas serve como elemento de estabilização. Na Europa até temos bastantes constrangimentos nessa área. Talvez isso tenha sido um dos pontos positivos da crise de 2008, é que hoje em dia os indicadores e aquilo que em certas universidades se está a fazer a nível da robustez dos indicadores já nos permite uma análise em tempo real muito melhor. Que a política orçamental possa ser olhada de uma outra maneira e que permita à Europa ter uma causa que mobilize as pessoas. Ir para além do controlo do défice. Estimular o lado da procura é importante mas há que tentar balizar essa procura, nomeadamente em áreas produtivas e sociais. Se olhar hoje para a Europa, não só Portugal, tem de haver uma ação coordenada. O Financial Times noticiava há dias que a OCDE já reconheceu haver amplo espaço para uma política orçamental mais ativa em vários estados europeus. E há que aproveitar. Isso não foi feito quando o euro foi lançado.
Foi um grande falhanço o lançamento do euro?
Não acho que tenha sido um grande falhanço e pobres de nós se não tivéssemos o euro. Mas faltaram políticas. Esquecemos o lado económico e centrámo-nos apenas no lado monetário. Isso foram condicionalismos que havia na política. O pai fundador do euro, com quem tive o privilégio de trabalhar em Paris, sempre foi um grande defensor da coordenação das políticas económicas e da necessidade de um programa de investimentos públicos coordenados na zona euro.
Mas parece que se perdeu essa missão…
Perdeu-se. Tive oportunidade, no âmbito do PS europeu, de coordenar durante quatro anos os ministros socialistas e sociais-democratas, nomeadamente nas áreas da política social e de emprego e não era um diálogo fácil. Houve uma grande mudança ideológica pós Jacques Delors na CE e mesmo o diálogo com comissários europeus socialistas… Lembro-me bem de dialogar com o Pedro Solbes e não era fácil de convencer — ainda hoje não é — sobre a necessidade de coordenação das políticas económicas e sobre termos uma política que também tenha em conta o investimento público.
Isso é só uma questão ideológica ou descrença no modelo europeu como o conhecemos hoje?
É possível. É isso que urge alterar. Se olharmos para trás, o lançamento do euro foi provavelmente a última grande causa mobilizadora do projeto europeu e mobilizou pessoas apaixonadamente pela positiva e outras contras. Mas mobilizou. Há dois tipos de liderança: uma que tende a navegar para levar a nau a bom porto; outra que simplesmente que tem como base quem decide, divide, e ambas são necessárias.
E em que fase é que estamos?
Na primeira e temos de passar rapidamente para a segunda. Quando se vê os desafios em África, as tendências demográficas em África, o extremismo numa zona vizinha a Portugal, o Sahel, que se está a desenvolver e que vai aumentar e falta de capacidade para a Europa conseguir mobilizar-se e criar condições para que isto não se desenvolva de maneira tão acentuada no futuro é, para mim, gritante. Quando vejo alguém que foi eurodeputado durante dois mandatos dizer publicamente que precisamos de pessoas mas não de quaisquer pessoas, fico preocupado. Primeiro porque não sei o que é que isto quer dizer…
“Fechar fronteiras não funciona. UE precisa de uma política agressiva”
Quem é que disse isto?
Nuno Melo. O debate tem de evoluir um bocadinho porque os dados existem, se olhar para o Sahel, tem 78 milhões de pessoas hoje, em 2050 vai ter mais 2000. Nessa altura, os meus filhos terão 30 anos, ou seja, qualquer pessoa hoje em dia que se preocupe com os seus filhos e com o futuro tem de levar isto em linha de conta. E quem achar que estas dinâmicas vão ser travadas com o encerramento de fronteiras, está enganado. Isso não funciona e não vai funcionar. É preciso uma política agressiva por parte da UE para criar as condições necessárias para África se desenvolver e isto pode passar por criar um plano Marshall para África, pode criar-se um compacto para o desenvolvimento dos países do G5 para a zona do Sahel, em que o princípio de accountability impere mas que crie condições para que as pessoas do ponto de vista da educação, da segurança alimentar, agrícola e de alterações climáticas possam permanecer no continente africano. Não porque não queiramos ou porque vamos necessitar de bastante mão-de-obra mas porque o continente africano precisa de manter o seu melhor recurso, que são as pessoas, para que se desenvolva.
Não fazendo esse programa a Europa vai continuar a ter esta invasão de refugiados que destabiliza a Europa…
Já está a ter.
Há quem considere que essa pode ser a gota de água para a desintegração da UE. Acha que esse risco existe mesmo?
Espero que não exista mas para tal é preciso criar causas mobilizadoras. Acho que termos um plano de desenvolvimento de serviços públicos, de apoio ao investimento, que também criará oportunidades imensas a empresas portuguesas e europeias no continente africano, ajudará África e a Europa e dará uma voz à Europa em África, que se tem vindo a perder. Reparei que Portugal pensa fazer de África a próxima prioridade da sua presidência. Estou de acordo mas acho que temos de dar passos muito concretos nessa cimeira UE-África, para mostrar a África que a UE está presente, não pode ser mais do mesmo. E isso tem de passar por três pontos.
Primeiro, é uma nova parceria que mude um pouco a base do que é política de desenvolvimento. Tive oportunidade de trabalhar na Tunísia, na Mauritânia e em Moçambique e nos três países tive sempre a mesma perceção: a política de desenvolvimento é definida em Estocolmo, em Paris, em Madrid, etc. e leva em linha de conta as prioridades que estes países acham que África devia ter. Mas leva pouco em conta as prioridades que os líderes democraticamente eleitos de países africanos acham que África deve ter. É uma imposição, e este paradigma tem de ser alterado. Não podemos continuar a ter a política de desenvolvimento desenhada nos países desenvolvidos sem levar em linha de conta as prioridades de países que têm governos democraticamente eleitos. Muitas vezes sem sequer ir ao terreno.
O segundo seria um plano ambicioso, a que pode chamar um plano Marshall para África, com grande contributo da UE. Esse plano pode ser única e exclusivamente feito pela UE ou a UE pode liderá-lo mas atrair, por exemplo, EUA ou os países do Golfo. Tentar criar sinergias entre todos para que se possa potenciar o desenvolvimento em África. Isso interessa a todos.
O terceiro e talvez o mais difícil — mencionei há pouco o G5… Portugal não tem nenhuma embaixada em qualquer país do G5. Os nossos assuntos são acompanhados pela embaixada de Portugal em Dakar. Estive na Mauritânia dois anos e não me lembro de ter sido contactado por entidades portuguesas. Ou seja, é normal que Portugal não tenha a capacidade de estar fisicamente presente mas o acompanhamento tem de ser feito e quando se olha para a dinâmica na zona do Sahel, que sempre foi uma área coberta pela diplomacia francesa, mas quando se analisa o que está a acontecer nas tendências demográficas no extremismo, tem já unificação das quatro vertentes da Al-Qaeda… isto é com o único objetivo de levar a cabo ações do ponto de vista do conflito e de extremismo que se vão intensificar.
Acha que é falta de visão do governo, do MNE, não haver essa presença?
Se há palavras que acho importantes hoje são: mudança e algoritmo. E temos de acompanhar a mudança. As dinâmicas que estamos a ver no Sahel ocorreram muito rapidamente e as instituições, por melhores que sejam, têm dificuldade em acompanhar essas mudanças. O mundo está a desenvolver-se muito rapidamente, não só na vertente tecnológica mas também demográfica e ideológica. O horizonte é largo mas compete aos líderes governar em função de horizontes temporais largos. Em 2100, a população jovem africana será o equivalente a duas vezes a população europeia. No Níger a taxa é de sete crianças por mulher, não estamos a falar em números abstratos. Não levar isto em linha de conta na nossa política externa da UE é um erro e penso que hoje talvez um dos efeitos — e é perverso que o diga — positivos da crise dos refugiados é que alertou certos países que outrora não olhavam para África como um eixo fundamental da política externa europeia e agora olham. Falo do Norte da Europa e da Escandinávia, que sempre privilegiaram a questão da proximidade.
Sabendo que as instituições se movem muito devagar, se nada disto acontecer e a política externa da UE continuar de olhos fechados, que consequências antevê para a economia europeia?
Vai ter fluxos migratórios da mesma maneira, porque é impossível que não os tenha; vai ter dificuldade em ter uma política migratória que de facto leve em atenção as necessidades do mercado de trabalho de cada país; vai criar problemas sociais porque vai criar intolerância e conflito social; se não investir em serviços público não vai ter capacidade de resposta em termos internos de absorção. Tudo isto é um cocktail que não antevê nada de bom. Temos uma escolha: entre a UE ganhar uma voz no continente africano, que perdeu para a China, mas não só… como dizia o Presidente da República há dias, daqui a alguns anos não haverá países europeus na cimeira do G7. É verdade. Há temas mais urgentes no que toca à Europa e este é um deles.
A falta de acordo em termos de política externa por parte da UE relativamente a África, a falta de ambição e de mobilização para se conseguir ter uma agenda que beneficie a Europa beneficiando o continente africano, é gritante. Hoje em dia, nos EUA ninguém fala da Europa quando fala de tecnologia. A Europa está completamente fora do mapa e isso é muito preocupante. Falou-se bastante da posição de Portugal e outros países relativamente à estratégia chinesa de one belt one road, se devíamos ou não apoiar, quando eu acho que é um debate completamente errado. O debate devia ser: porque é que a Europa não pode ter o seu one belt one road? Isto é um exemplo do que foi a alteração geoestratégica nos últimos anos. Temos a Europa a discutir se participa ou não nisto, ao invés de discutir o seu próprio one belt one road no continente africano.
É falta de ambição, temor perante o poder chinês?…
Não, acho que é falta de capacidade interna da UE e dos vários países que a integram de reconhecerem que a política económica pode ter outro papel, e que o papel do investimento existe, e pode ser benéfico em casos destes. Temos de olhar para as tendências demográficas e para o extremismo como algo em que de facto a Europa tem de agir. A única opção é criar as condições em África para que as pessoas consigam encontrar oportunidades de desenvolvimento para si e para os seus filhos.
Na comissão para a transformação da economia global, a tecnologia é o primeiro tema. Falava da tecnologia da Europa, que não está no mapa. Como economista está preocupado com a robotização, o impacto no emprego, a forma como a Europa vai lidar com isso? Que consequências antevê tendo em conta que estamos fora do mapa, como disse?
Não estou preocupado com os robôs, estou preocupado com o ser humano.
No sentido do desemprego, da falta de adaptação e conversão?
No sentido da automação e programação. Quando trabalhava no instituto democrático, não havia mês em que os servidores não fossem atacados por hackers chineses — isto de facto existe. Era parte do nosso quotidiano. Quando faz a relação entre tecnologia, a política de defesa caminha numa direção em que terá armamento que simplesmente poderá, através da programação para a qual for sujeito, decidir ou não se dá um tiro… é nesse caminho que vamos. Acho que o aspeto fundamental e no qual a Europa se está a deixar ultrapassar é o impacto que isso tem no sistema educativo. Ou seja, robôs não podem ser apenas programados por engenheiros e isto vai levar a uma mudança de paradigma nos sistemas de educação porque o engenheiro terá de ter uma componente maior de arte, cultura, música e quem estuda artes terá de ter uma componente mais matemática. A segmentação a que estamos sujeitos hoje em dia não pode continuar porque se caminhamos para a automação as decisões a serem tomadas por robôs terão de se assemelhar às que são tomadas por seres humanos. Isto tem um impacto em termos de mudança, de políticas públicas e de como a educação é abordada.
Se caminhamos para a automação as decisões dos robôs terão de se assemelhar às dos humanos
Ou seja, os programadores serem de várias áreas…
Há um livro sobre isso feito por um dos fundadores da Microsoft e é isso que ele explora. Não me parece que a escolha seja entre se os robôs vêm ou não vêm. Vêm e ponto final. O que temos é de encontrar meios para que a convivência seja saudável. Falando no outro com o Mike Spence ele dizia que há dez anos se falasse com qualquer economista sobre tecnologia dir-lhe-iam que é um fator da economia como qualquer outro, hoje em dia é o fator fundamental. Esta mudança que está a acontecer comparo-a à mudança de há 30 ou 40 anos, quando se fizeram as primeiras máquinas de computadores pesados. Olhando para os computadores dos anos 70 e para o que temos aqui à mesa passaram 30 anos. Estamos a assistir a uma nova vaga que ainda não se sabe bem o que será nem que nome terá mas será mais rápida. Temos, enquanto decisores, de pensar na escolha de políticas públicas para isso mesmo.
Estarão os decisores preparados para isso?
Estamos a caminhar para isso mas temos de ser mais rápidos.
Será importante haver uma renovação das gerações políticas para que haja mais esse mindset ou não é uma questão geracional?
Acho que a geração tem de ser de ideias. Não partilho a opinião de que precisamos apenas de políticos com 30 ou 40 anos para que as coisas funcionem. O Mike Spence tem 70 e tal, o Macron é muito jovem… não chega.
Vou dar um exemplo. Quando trabalhava com o Pascal Lamy, ele sempre foi uma pessoa muito ativa, não perdia tempo a almoçar, trazia de casa uma fatia de pão e uma maçã e só almoçava em trabalho. Ele tentava passar pelo menos uma semana por ano a falar com economistas, sociólogos, pensadores, académicos e deslocava-se para esse tipo de contactos. Não cingia os contactos a reuniões formais e muitas vezes sem substância. O que distingue um bom de um mau líder é o conhecimento, como em qualquer tipo de profissão. Este é um ângulo que acho importante e em Portugal pecamos nesse aspeto.
As pessoas não saem do gabinete…
E quando saem chegam a posições extremamente relevantes, veja António Guterres e António Vitorino. Há um lugar para a diplomacia formal e um lugar para a participação em fóruns informais e esses fóruns dão uma rede não só de contactos mas de conhecimentos que é francamente superior ao conceito tradicional de diplomacia formal.
“Brexit é um erro para todas as partes”
Falemos de brexit, como é que tem analisado o processo que tem estado a decorrer? Onde é que isto nos poderá levar?
Primeiro acho que é um erro histórico e para alguém que acredita no projeto europeu, e eu acredito piamente, é um erro para todas as partes. Em segundo lugar é minha convicção que a solução brexit possa vir a ser alterada num segundo referendo. Há forças que trabalham nesse sentido, forças que apoio a título pessoal porque acho que o brexit é um desastre. É fundamental que haja um segundo referendo, dado o estado a que chegámos, tendo as pessoas mais informação do que tinham, que não confirme a saída. Começo a achar que não há outra solução. A May não vai conseguir aprovar o acordo. Claro que há aqui várias dinâmicas que jogam com isto. O facto de o próprio Partido Trabalhista ter uma posição de “nim” não ajuda. É compreensível porque em várias zonas onde os trabalhistas tinham a sua implantação o voto foi pelo brexit, portanto o partido tem de recuperar esse eleitorado. Acho que a UE tem feito o seu processo de negociação bem, e é importante passar a mensagem de que talvez o melhor seja outros países não se aventurarem pelo mesmo caminho. E pessoalmente fiquei muito contente quando o negociador chefe foi nomeado porque acho que é uma pessoa muito capaz e provavelmente dos poucos líderes europeus que pensam a Europa como tal.
Perdeu-se muito tempo e muito dinheiro.
E vai perder-se mais. Isto não é benéfico para ninguém. Fragiliza a UE tanto politicamente como no domínio externo. Agora o Reino Unido tem de se decidir. Tinha o melhor dos acordos possíveis. Não estava presente em grande parte das coisas que entendia não estar e estava presente naquelas em que entendia estar. E mais, conseguia influenciar bastante os domínios mesmo onde não estava presente. O que determinará a capacidade da UE enquanto entidade é precisamente a questão da cooperação reforçada. É utópico e mesmo indesejável pensar que 28 países têm de estar de acordo em todos os temas. Mas a cooperação reforçada permite que países que queiram avançar numa área possam fazê-lo e os que não querem não o façam, mas não podem impedir os outros de o fazer. Isso parece-me fundamental.
Nova geringonça? “Não me surpreende nada”
Pegando na sua experiência de economista, como comenta o que tem sido o trajeto da economia nacional e como avalia este Executivo que irá a eleições? O caminho que tem sido seguido é o que precisamos de fazer, é o caminho possível?
Acho que foi o caminho possível nestes últimos quatro anos. No início não pensei que o governo durasse quatro anos. O primeiro grande mérito deste governo foi ter trazido para o arco de governação partidos que sempre estiveram fora dele. António Costa, olhando para trás, é um bom exemplo de alguém que pôs o futuro do país à frente do futuro do partido. A capacidade do PS mobilizar o voto útil é reduzida.
Não o surpreenderia que houvesse uma segunda edição da geringonça?
A mim não me surpreende nada. Esse tipo de raciocínio faz todo o sentido quando se conhecer o resultado das eleições. Do ponto de vista dos dados económicos é uma vitória para todos, à esquerda e à direita, que Portugal chegue ao fim deste governo com um défice de 0,5%, desemprego que voltou a níveis historicamente baixos. Isto é um sucesso. Cada vez que estou nos EUA e digo que foi um governo socialista apoiado por comunistas e trotskistas que conseguiu o défice mais baixo da História é um sucesso. É uma boa base para uma segunda legislatura em que me parece, não só em termos nacionais mas europeus, que a aposta tem de ser na melhoria das infraestruturas e serviços públicos.
Ficou surpreendido por não estar entre as prioridades do primeiro-ministro baixar os impostos?
Trabalhei com um primeiro-ministro dinamarquês e falávamos muito nisso. A primeira medida que ele tomou na altura fez com que comprar carros ficasse caríssimo e isto fez com que uma vez ele me tivesse ido buscar num carro com 15 anos, que era o que ele conduzia. Penso que as pessoas não se importam de pagar impostos quando veem retorno dos impostos. Quando não veem é complicado e explosivo, como acontece em França. A mim não me choca que estimulando a atividade económica a carga fiscal aumente. É óbvio. Espero que continue a aumentar se isso significar que o crescimento económico continua a aumentar e se tivermos melhores serviços públicos. Mas se essa relação não for feita fica mais complicado.
“Não me choca que estimulando a atividade económica a carga fiscal aumente”
Trabalha com George Soros: qual foi a principal aprendizagem que retira dessa experiência?
Não o vejo diariamente. Trabalho no instituto que ele fundou mas há uma linha de pensamento. Acho fantástico que alguém que fez fortuna invista como ele investe na transformação, na promoção dos ideais liberais, sociais e acho que isso é de uma grande beleza. Mário Centeno foi eleito ministro das finanças do ano e Soros foi a personagem do ano pelo mesmo jornal. Parafraseando o autor do artigo: quem está contra Viktor Órban está do lado certo da barricada.
Não é estranho para si, que trabalhou com Vieira da Silva, estar a trabalhar com um capitalista liberal?
O capitalista liberal que fala investe muito na melhoria da sociedade e na promoção de ideias para que a sociedade seja aberta e inclusiva, que é o que falta. Faziam-me essa pergunta ao contrário quando estava em África. Na Tunísia trabalhava essencialmente com partidos políticos, na Mauritânia trabalhava com associações de mulheres e de jovens, num país que é politicamente muito complicado e em Moçambique trabalhei diretamente com a presidência. Perguntavam-me constantemente, sobretudo quando falavam de corrupção, era como me sentia a trabalhar com governos ou partidos. A minha resposta foi sempre a mesma: enquanto eu achar que a pessoa que foi eleita está a promover a mudança e a fazer bem eu não tenho qualquer tipo de problema. É isso que acho que o presidente de Moçambique faz, que Soros faz e Vieira da Silva também.
Soros é também visto como um especulador no mercado…
Foi… ele dá uma resposta muito engraçada: a minha única memória é o futuro. Acho que é aí que temos de olhar.
“Delors todos os dias ia a cada um dos gabinetes perguntar como é que estávamos”
Se tivesse de escolher um ensinamento da sua experiência, entre Delors e Pascal Lamy, qual seria?
O Delors era uma pessoa muito humana. Há muito a moda de os líderes, para se afirmarem como líderes, terem de ser arrogantes, às vezes mesmo insolentes, e eu nunca percebi isso. Delors todos os dias em que vinha ao escritório fazia questão de ir individualmente a cada um dos gabinetes perguntar como é que estávamos e como é que estava a família. Para além de ser um visionário tinha um lado humano muito forte. Fui contratado para trabalhar com ele no seguimento da minha experiência em Portugal, depois de o governo cair, depois das eleições. Fui chamado ao IEFP, com o qual tinha um contrato a termo certo… de cada vez que lá ia o meu salário era cortado. Colocaram-me num gabinete em que nem sequer tinha acesso à internet e apresentei a minha carta de demissão para ir trabalhar como conselheiro económico de Delors porque tive sorte, ele sempre foi uma pessoa muito criteriosa em termos geográficos e queria um economista do sul da Europa. Eu tinha feito o Colégio da Europa e consegui dar esse pulo. Lamy é uma máquina. Convidei-o para uma reunião que tivemos em Nova Iorque, no âmbito da nossa comissão, e a resposta dele foi: conheço bem a iniciativa mas a minha agenda está cheia para os próximos oito meses.
A imagem que nos chega de Bruxelas é toda uma enorme burocracia, partidocracia, trabalharem todos nas suas quintinhas, é mesmo assim?
Não, não tenho essa experiência. Trabalhei três vezes em Bruxelas em três momentos diferentes.
Porque é que Bruxelas não está mais próxima dos cidadãos?
Critica-se muito Bruxelas quando não se deveria. Olhe o que está a ser a nossa campanha eleitoral para as europeias. Qual é a proximidade entre quem vai votar e Bruxelas? Ninguém fala da Europa, ninguém fala de temas europeus, falamos de tios e primas. Isto não faz absolutamente nada pelo conhecimento que as pessoas têm do que se passa em Bruxelas. O grande problema das instituições europeias é que cada vez que vão a Bruxelas numa reunião e não conseguem o acordo vêm dizer “aqueles malandros em Bruxelas não permitiram que se fizesse”. Mas quando conseguem o acordo vão para as suas capitais dizer que conseguiram uma vitória muito importante.
Perante a experiência na Tunísia, como é que analisa aquela região sempre tão especial e sensível?
Já não vou lá desde as últimas presidenciais. Nessa altura verifiquei o descontentamento de alguma parte da população. Criou-se grandes expectativas. Antes de lá trabalhar fui lá participar num seminário sobre mulheres e de facto foi muito pouco depois da revolução e à boa maneira norte-americana as coisas têm de ter métodos. Cada pessoa fala um X período de tempo. E uma pessoa cometeu o erro de tentar fazer alguma moderação muito básica do debate. Não faz ideia do raspanete que levou da pessoa que estava a fazer a sua intervenção, uma mulher que representava um partido, e que disse: calaram-nos durante décadas e décadas, não se atreva a cortar-me a palavra. Houve uma grande expectativa de que muito rapidamente tudo aquilo que não aconteceu iria acontecer. Não funciona assim. As sociedades demoram tempo a evoluir e as transições democráticas não são fáceis. Ainda estão em processo de transição. O que me preocupa é a posição da UE em relação a isto. Quando se olha para o papel geográfico da Tunísia, se for dialogar com alguém da delegação da UE sobre governança o único diálogo possível será a nível de proteção de fronteiras. Todo o orçamento que existe para essa área é proteção de fronteiras. Isso é apenas parte da solução, não é “a” solução.
Para esta região há algum programa de acompanhamento?
Não. Parte das minhas funções é alargar a presença em África. Sempre foi um continente um pouco arredado da discussão de fundo, sempre se trabalhou com universidades e muito menos com a política. Quando se olha para o panorama africano tem poucas universidades de topo com investigadores de topo. Há muita gente que sai e fica fora. Temos duas grandes iniciativas: a de que falei da Comissão e a segunda, com a qual colaboro, que é a Young’s Scholars Initiative e trabalha em termos de estudantes. O INET apoia imensos estudantes na promoção de novas ideias de pensamento económico através de bolsas, seminários… No ano passado fizemos uma grande iniciativa no Zimbabué em que trouxemos jovens de vários países africanos e se falou do desenvolvimento das economias africanas. Tentamos criar e fomentar o debate através daqueles que serão os futuros líderes de amanhã.
É o único português?
Sou.
Como é que Portugal é ouvido?
Tentámos criar sinergias na última assembleia geral das Nações Unidas, fizemos um pedido de reunião para o Presidente da República e o MNE, nem um nem outro tiveram agenda. Reunimos, sim, com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e com o comissário europeu Carlos Moedas sobre as questões de tecnologia, que também foi muito profícuo. Estamos disponíveis para quem connosco queira dialogar. Esta fase para nós é sobretudo de diálogo. A ideia é fomentar o diálogo com África para que os seus líderes e a sociedade civil se sintam envolvidos com as conclusões do relatório.
Quantas pessoas trabalham na estrutura?
Em termos de staff poucas, deve ter 20 e poucas pessoas. Mas temos uma rede enorme de pessoas que apoiam na elaboração de working papers, na organização de seminários e conferências, temos um instituto na universidade de Cambridge…
Como é que se relacionam com Donald Trump?
Não me parece que haja diálogo.
Há oposição em relação a Trump.
O INET é um instituto apartidário. Aliás, o próprio Rob Johnson no seu início estava próximo do Partido Republicano. Quando trabalhava na área dos mercados financeiros, antes de Obama, reuníamos imenso com pessoas do Partido Republicano. As lideranças evoluem… Já tivemos momentos piores.
Sente que a América profunda continuaria a votar em Trump?
Acho que sim. Primeiro, os dados económicos não são forçosamente maus. Segundo, algumas das questões que Trump levanta na sua maneira lunática não são erradas. Ou seja, o problema do défice comercial vai persistir. Do que eu tenho medo, e sobre isso não falámos e tenho pena porque é um dos grandes desafios para o século XXI: a robustez das instituições criadas no pós-Guerra Mundial está em perigo e Trump dá um contributo para isso. A Organização Mundial do Comércio está num estado calamitoso. A saída dos EUA do acordo de Paris e os efeitos que isso teve na suspensão do apoio ao green climate fund na Coreia são um exemplo clássico de como as coisas vão mal. Temos de nos focar em estabelecer pontes, desde já, com as lideranças de amanhã, com as quais se pode estabelecer um diálogo.
“A questão das alterações climáticas é muito importante do pontos de vista económico”
Tem uma expectativa positiva em relação à negociação China-EUA?
Só posso ter. Apesar de eu não ser um crente no free trade e nos benefícios para toda a gente — está provado que não funcionou. Houve crescimento e houve muita gente que beneficiou e muita gente que foi penalizada. O aumento da desigualdade é um dos desafios do século XXI mas tenho de ter esperança de que os parceiros se consigam entender.
Também não seria normal que a China continuasse a mandar tudo para cá sem qualquer regra. Acabou-se o estado de graça da China?
Isso não sei. A China tem uma estratégia definida de maneira centralizada, que é o made in China 2025, o one belt one road nada mais é do que um mecanismo financeiro para a China exportar o seu modelo de natureza do trabalho e de automação. Estes equilíbrios mundiais passam inevitavelmente por revistar as instituições que temos atualmente, que não estão a acompanhar a tal mudança. Basta olhar para a Segurança Social e felizmente que a esperança de vida está a aumentar mas quando se analisa os dados verifica-se que o fosso entre a esperança de vida dos mais ricos e a esperança de vida de quem vive em zonas mais desfavorecidas está a aumentar drasticamente. Foram publicados na Grã-Bretanha dados que mostram que mulheres que vivem em zonas mais ricas têm esperança de vida de cerca de 83 anos e as que vivem em zonas mais desfavorecidas têm a esperança de vida nos 74. Sistemas que antigamente pensávamos que eram progressivos e que tinham este efeito de serem corretos, têm um efeito regressivo. Então, urge pensar os modelos e instituições que temos hoje porque da maneira como estão não são os mais adequados para o equilíbrio mundial.
O que é que o INET está a fazer na área da mobilidade?
Estamos numa fase de diálogo, tentamos falar, ouvir e aprender. A questão das alterações climáticas é muito importante do pontos de vista económico, macroeconómico, efeitos que tem nas migrações e também em termos de política agrícola. As alterações muito concretas das alterações climáticas nas regiões mais pobres africanas, falta de água, pôr em risco a segurança alimentar, tudo isto leva a que as pessoas sejam facilmente manipuladas para e por grupos extremistas.
O que é que seria, para si e para a sua missão, uma vitória quando fosse apresentado o relatório?
Não meço as vitórias pelas apresentações. Se há algo que temos muito são relatórios. A implementação é que vale e por isso é que tenho como missão e vamos fazê-lo cada vez mais. Nesta fase de diálogo, que se possa incluir de maneira aberta governos e sociedade civil. Não se consegue fazer mudança sem essa inclusão. O sucesso será na capacidade de fazer com que essas recomendações passem à prática nas políticas públicas.
BI
Que idade tem?
42, quase 43.
Mãe húngara e pai português?
Sim, mãe húngara — a avó teve um percurso bastante semelhante ao Soros porque saiu já pós-comunismo. O destino era a Argentina mas acabou no Brasil e por isso tenho tripla nacionalidade: português, húngaro e brasileiro.
Os seus pais conheceram-se lá?
Conheceram-se em Londres. A minha mãe trabalhava lá no Lloyds Bank e o meu pai estudava lá. Vieram para Lisboa e o casamento falhou. Tentei, quando morava em Paris, aprender húngaro mas é uma língua complicada. Mas das primeiras coisas que fiz foi tratar da nacionalidade dos meus dois filhos que estão no processo de serem húngaros, e já são brasileiros.
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