Partilhareste artigo
O imbróglio em que se tornou todo o processo de implementação da quinta geração da rede móvel (5G), em Portugal, está longe de ter um fim, sobretudo pelo impasse que o leilão de frequências atravessa, quase onze meses depois do arranque. Contudo, a segunda alteração às regras da fase principal de licitação levou os aumentos diários das ofertas das telecom a passar de centenas de milhares para mais de quatro milhões de euros. Ainda assim, qualquer previsão do fim deste leilão é um cálculo que os especialistas consultados pelo Dinheiro Vivo recusam fazer.
Onde para o 5G português?
Para responder à questão é preciso rebobinar o dossiê em causa. O leilão das frequências arrancou em dezembro, com a primeira fase (para operadores que queiram entrar em Portugal). A segunda e principal fase do leilão começou em janeiro, prevendo-se que a corrida terminasse logo em janeiro e as licenças fossem atribuídas aos operadores até ao final de março. Isso não aconteceu e, em abril, a Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) decidiu mudar as regras da fase de licitação principal, determinando, primeiro, a possibilidade de se realizarem 12 rondas de licitação diárias, ao invés de sete. Depois impediu o uso de incrementos ´1% e 3% nas licitações, obrigando cada operador a apresentar, pelo menos, uma oferta 5% acima da licitação anterior. Apesar da contestação dos operadores históricos (Altice, NOS e Vodafone) – a Dense Air apoiou -, as mudanças avançaram. A segunda alteração entrou em vigor na última segunda-feira, 27 de setembro, e a aceleração é notória. Nesta última semana, as propostas totais diárias dos operadores passaram de entre 300 a 400 mil euros, para mais de quatro milhões. Mas ainda é cedo para balanços quanto à aceleração do leilão.
Contactado, Steffen Hoernig, professor da Nova SBE e especialista em economia das telecomunicações, defendeu a necessidade de mudar as regras, ainda que a meio do jogo, “porque os valores oferecidos mesmo com a duplicação do número de rondas por dia continuaram a aumentar pouco”.
“No leilão 5G da Alemanha, em 2019, verificou-se o mesmo fenómeno, que só foi resolvido com um aumento do incremento mínimo para 10% do valor oferecido nesta altura”, explicou, apesar de tal não ter sido “do conhecimento da imprensa internacional, nem estar referido no site do regulador alemão”. “Mas aconteceu mesmo”, assegurou.
Subscrever newsletter
Qual o motivo do atraso?
Ninguém sabe o que está atrasar a conclusão do leilão. O regulador acusa os operadores de terem recorrido excessivamente aos incrementos de 1% e 3% nas ofertas diárias, prolongando a corrida. Já os operadores acusam o regulador de ter desenhado mal o regulamento do leilão. Ainda o leilão não tinha arrancado e já a Altice, a NOS e a Vodafone contestavam as decisões regulatórias no âmbito do 5G. Daí os sucessivos processos judiciais (note-se o caso Dense Air, operador sem ofertas comerciais, mas que já detém faixas essenciais ao 5G), as providências cautelares (contra o regulamento do leilão e, mais recentemente, contra a alteração do mesmo regulamento) e as queixas em Bruxelas, por considerarem que a Anacom está a discriminar os operadores históricos e a defender regras “ilegais”. Desde o início que o regulador não esconde que promoveu o leilão de frequências com o objetivo de captar mais telecom para o mercado nacional.
O que diz o Governo?
O Governo começou por ter uma posição neutral, reconhecendo a autonomia da Anacom na matéria, apesar da saída, para o Banco de Fomento, de Alberto Souto de Miranda, secretário de Estado das Comunicações, que chegou a criticar publicamente a Anacom. O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, chegou a afirmar, em março, que o leilão do 5G não era motivo de preocupação, vendo com bons olhos as verbas encaixadas. No entanto, em julho, o ministro da tutela recuava e, no parlamento, criticava: “o leilão está a decorrer há demasiado tempo”.
Só a fase principal de licitação decorre há 184 dias. A primeira fase conclui-se em oito dias. Ambas somadas já garantem ao Estado um encaixe de 477,3 milhões.
Porque queremos 5G?
A rede 5G é uma evolução das anteriores redes móveis, com um grau de disrupção inédito face às anteriores redes, pois permite a criação de novos serviços e novas aplicações de produtos, em diferentes indústrias. A nova rede proporciona menor tempo de resposta entre os aparelhos 5G (menor latência), compreende maior velocidade na transmissão de dados – estimando-se um volume de dados transmitidos até mil vezes superior, por km2, face às anteriores redes móveis – e permite um maior número de dispositivos ligados simultaneamente (até um milhão por km2). Este potencial levou a União Europeia (UE) a determinar que todos os Estados-membros tivessem 5G já em 2020, em pelo menos uma cidade. A pandemia veio determinar atrasos, embora na UE apenas Portugal e Lituânia ainda não tenham rede 5G disponível.
Ao Dinheiro Vivo, Luís Correia, investigador do INESC e professor na área das telecomunicações no Instituto Superior Técnico, explicou que a questão do 5G tem sido, sobretudo, debatida por uma questão concorrencial, evidenciando que esquecer a vertente tecnológica pode comprometer a questão concorrencial. Em leilão, essenciais ao 5G, estão apenas as faixas dos 700 MHz (megahertz) e dos 3,6 GHz (gigahertz) – uma garante cobertura e outra largura de banda. Ora, segundo Correia, o espetro total em leilão é insuficiente. “Para se ter o 5G, na globalidade, a funcionar um operador precisa de ter 100 MHZ [na faixa dos 3,6 GHz], mas não é isso que está a acontecer porque as fatias são mais pequenas”, disse. “Nos 700 MHz é suposto que cada operador tenha 10 MHz para conseguir fornecer o serviço, mas só há 60 MHz disponíveis. Ou seja, isto dá espaço para três operadores, o que significa que se houver mais do que três operadores na banda dos 700 MHz vai haver operadores que, embora tenham cobertura nacional [700 MHZ], a largura de banda que estão a disponibilizar não é, efetivamente, a largura de banda do 5G”.
Tendo em conta que estão na corrida seis operadores, Corre-se o risco de Portugal ter um mau 5G? “Vai depender muito dos resultados do leilão, porque há questões que só podem ser esclarecidas depois de sabermos quantos operadores existem, quais são as larguras de banda para fornecer o serviço.
Quem perde se houver um mau serviço? Sobretudo as empresas, num primeiro momento, segundo Luís Correia. “O 5G está muito mais vocacionado para as empresas do que para as pessoas, para as empresas conseguirem aumentar a eficiência de produção e implementar novos serviços e produtos. O atraso na oferta comercial do 5G faz com que as empresas se atrasem no desenvolvimento dos seus serviços e produtos. Aí é que está a grande questão e o grande impacto desse atraso”, concluiu.
Deixe um comentário