//“A indústria têxtil é das mais bem posicionadas para o Green Deal”

“A indústria têxtil é das mais bem posicionadas para o Green Deal”

O têxtil quer ser “o primeiro setor transformador” a usar apenas energia de fontes renováveis. O projeto é da ATP e está em marcha. E há uma nova etiqueta para valorizar o ‘From Portugal’ com o El Corte Inglès

O novo presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Mário Jorge Machado, elegeu a sustentabilidade como a grande bandeira do seu mandato. O objetivo é tornas as empresas portugueses nas mais sustentáveis do mundo.

O fórum da indústria têxtil procurou prospetivar o que será o setor em 2025. E como vai ser?
Estamos sempre a falar de cenários. Tentamos comprar bolas de cristal, mas não encontramos nenhuma a funcionar, estavam todas fundidas [risos]. O cenário que nos parece o mais provável, em função da história do setor, dos investimentos que têm sido feitos, da conjuntura europeia e internacional e das próprias questões da demografia, é que a indústria têxtil e de vestuário portuguesa vai continuar a crescer, a exportar mais, vai continuar a acrescentar mais valor e mais tecnicidade aos produtos.

Mas…
Conhecendo nós a idade das pessoas que trabalham neste setor e a formação e escolaridade que têm, [sabemos que] vamos ter um desafio nos próximos anos com essa condicionante. Não vai haver tanta mão-de-obra disponível. No futuro, atrair jovens qualificados será um dos grandes desafios das empresas.

Vão perder 40 mil pessoas para a reforma. Como será o futuro?
Nós sabemos que dois terços da população que trabalha no setor têxtil e do vestuário são pessoas que estão entre os 45 e os 65 anos. E que todos os anos se reformam quatro a cinco mil pessoas. Neste momento temos estado a conseguir que entrem os mesmos quatro ou cinco mil, mas sabemos que no futuro não o conseguiremos. Mas admitimos que, provavelmente, por via dos ganhos de produtividade, não precisaremos de acrescentar tantos. Tudo depende do que vier a acontecer e nós ouvimos agora falar do Green Deal para a Europa, vão surgir aí ameaças mas também oportunidades.

O que está a prejudicar o setor?
Devíamos falar do que está a prejudicar a economia portuguesa. Porque é que, crescendo acima da média europeia, estamos a ser ultrapassados por uma série de países do Leste.

Estamos a ser pouco ambiciosos nas metas?
Não, diria de uma forma diferente. Porque é que em Portugal a taxa de mortalidade das empresas que nascem é tão elevada? Porque é que o rácio das grandes e médias empresas sobre as pequenas é tão distorcido? No setor têxtil só 0,4% das empresas é que têm mais de 250 trabalhadores. Porque é que este país é tão agreste, tão pouco amigo de produzir crescimento empresarial?

Porquê?
Basta olhar para os relatórios da OCDE. Aquilo que a todos nós nos devia preocupar é porque é que o nosso país não está no top 10 do ranking da competitividade. Enquanto não formos um país amigo das empresas e não criarmos um ambiente mais propício ao investimento…. esse devia ser o grande desígnio nacional, porque permitiria criar emprego, pagar melhores salários, e termos melhores reformas e melhores hospitais. De qualquer forma, as explicações estão nos relatórios. Somos, por exemplo, pouco competitivos a nível da nossa legislação laboral. É das mais rígidas do mundo e altamente perniciosa. É sempre vendida como uma legislação que protege as pessoas quando é exatamente o oposto.

Flexibilidade costuma ser sinónimo de precariedade…
Essa é uma das falácias que é utilizada com alguma frequência sobre a indústria que mostra um desconhecimento total daquilo que é a realidade das empresas. Não há ninguém que invista numa pessoa, lhe dê formação, para depois a despedir. Isso é uma idiotice completa. E depois há a questão fiscal, somos pouco atrativos nessa matéria. Tudo isso está escrito nos relatórios da OCDE. As grandes empresas pagam salários melhores, têm mais produtividade, dão melhores condições de trabalho. Porque há tão poucas?

É por isso que 70% dos trabalhadores do têxtil vão, em 2020, ganhar o salário mínimo nacional? Pela desfragmentação do tecido empresarial?
Não sei se são 70%. Sei que a subida de salários, descontextualizada de ganhos de produtividade e de crescimento, pode fazer com que as empresas se vejam impedidas de pagar melhores salários para além daquilo a que vão ser obrigadas por lei. E pode vir a provocar forte stress no seu equilíbrio. Todos vamos trabalhar para que isso não venha a acontecer, mas se a conjuntura internacional não se tornar propícia ao crescimento económico…

As empresas querem concorrer com preço ou com produto? Vamos ser a China da Europa?
Não somos a China da Europa. Todo o nosso modelo e tudo o que temos vindo a fazer nos últimos anos [prova-o], o valor acrescentado dos produtos que fazemos tem vindo a crescer. Esse é um trajeto, mas que leva tempo. Agora, todos nós temos que ter consciência que o preço é uma variável importante. Não estamos a querer ser baratos, podemos é tornar-nos caros para o segmento de mercado em que operamos.

As falências voltaram a crescer. É um efeito da perda de competitividade junto de clientes como a Inditex?
Se há uma diminuição da procura vai haver empresas que não têm mercado e que vão desaparecer. É uma situação normal e cíclica. Sou dos que defendo que é muito importante haver uma regeneração do tecido empresarial e que não deveríamos dar a carga negativa que damos ao encerramento das empresas. Mas, aqui, mais uma vez, temos a questão da legislação, que é pouca amiga de quem quer fechar uma empresa. Os custos de contexto para fechar uma empresa são tão elevados que muitas vezes conduzem-nos ao arrastamento das situações.

Mas a perda da Inditex está a ser um problema ou não?
Não podemos querer culpar a Inditex por procurar encontrar oportunidades que lhe satisfazem o seu modelo de negócio noutras zonas geográficas. Nós é que temos de fazer o nosso trabalho de casa para inovarmos e criarmos outras soluções para não estarmos só dependentes da Inditex. O volume de negócios com Espanha tem vindo a cair e isso indicia-nos que a Inditex pode ser um dos que contribuem para tal, mas não temos estatística para o garantir.

A servitização é uma das grandes apostas de futuro da ITV. Faz sentido que se procure ajudar o cliente a colocar as encomendas noutros países quando não somos competitivos? Isso pode criar riqueza, mas não cria emprego.
Esse tipo de discurso está completamente ultrapassado. Nós temos que procurar modelos de negócio que permitam encontrar soluções para os clientes de modo a sermos competitivos. E é o que está a acontecer, damos o produto que o cliente procura, com o preço e com o serviço que ele procura, e procuramos ser inovativos na forma como o estamos a fazer, incorporando o design que o mercado procura. Agora, se o fazemos de enxada ou de trator… Seria uma estupidez se o continuássemos a fazer de enxada porque o recurso a tratores traz menos emprego. Temos sempre que procurar a solução que nos permita sermos competitivos.

A indústria está a investir muito na automatização e na digitalização?
A ITV tem investido vários milhares de milhões de euros, nos últimos anos, na aquisição de equipamentos, na formação de designers e de técnicos, na investigação de novos produtos. Não tenhamos dúvidas, com os nossos custos de contexto a crescer, é na inovação, na criatividade e na sustentabilidade que estão as grandes oportunidades.

A moda é um dos setores mais poluentes. O que estamos a fazer para minimizar a nossa pegada?
Temos excelentes exemplos de empresas portuguesas que trabalham já de acordo com os princípios da sustentabilidade. E, por isso, somos, na Europa, das indústrias que estão mais bem posicionadas para aproveitar o Green Deal. Uma das propostas que temos para o próximo ano na ATP é conseguir que o setor consuma só eletricidade proveniente de fontes renováveis. Já há empresas que o fazem, mas queremos alargar essa boa prática e estamos em contacto com os fornecedores de energia. Queremos ser o primeiro setor transformador em que todas as empresas usam energia renovável.

Como é que vai funcionar? Vão ter condições vantajosas para oferecer?
Nós estamos a tentar obter condições que sejam vantajosas para quem aderir, mas como estamos em negociação não lhe posso avançar mais. Mas aqui a grande vantagem que nós procuramos nem é económica, é a da sustentabilidade. Cada empresa continuará a comprar per si aos fornecedores que aderirem ao Green Deal têxtil em termos da produção elétrica. Outro dos projetos em que estamos a trabalhar é na diferenciação e na valorização dos artigos produzidos em Portugal.

Como?
Cada peça terá pendurada uma etiqueta indicando que é From Portugal, algo que o consumidor identifica como uma mais-valia e que está disposto a pagar mais por isso. Já temos acordo com o El Corte Inglès, para todas as lojas da cadeia, e a ideia é alargar a iniciativa outras marcas que compram em Portugal.

E a nível da Euratex, qual é a sua prioridade?
A Europa é o segundo maior exportador a nível mundial de têxtil, depois da China. Sem dúvida que a oportunidade da aposta no Green Deal – nós setor têxtil europeu vamos bem posicionados para continuarmos a dar o bom exemplo para o resto das empresas a nível global – é fundamental, mas não devemos querer só que a têxtil europeia tenha boas práticas, devemos exigir a quem produz fora mas quer vender na Europa que cumpra os mesmos requisitos.

E isso passa na OMC?
É um desafio pelo qual a Euratex se vai bater. Claro que teremos que comunicar essas regras com alguma antecedência, para dizermos quais serão as exigências que vamos implementar aos produtos que vão ser vendidos na Europa. Aliás, alguns destes requisitos são muito importantes do ponto de vista da saúde e os produtos têxteis que chegam à Europa devem ser objeto de um cuidado grande em termos de avaliação da sua toxicidade, primeiro porque podem ser prejudiciais, ar a nossa saúde, e depois porque, começando nós a ter uma economia circular, se deixarmos importar produtos que contenham elementos nocivos, vamos estar a contaminar a economia circular. Se somos exigentes com quem produz aqui, e bem, depois não nos podemos deixar contaminar por aquilo que vem de fora.

PERFIL

O engenheiro que quer o têxtil mais sustentável
Mário Jorge Machado é, desde agosto, o novo líder da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) e tem uma ambição: conseguir que a indústria portuguesa seja “a mais sustentável” a nível mundial. É o representante português na confederação europeia, a Euratex, onde se bate pelo cumprimento das boas práticas ambientais por todos os que quiserem pôr os seus produtos à venda no espaço europeu e não apenas por quem cá produz. Engenheiro de polímeros pela Universidade do Minho, tem 57 anos e é administrador da Estamparia Adalberto, que transformou numa das “empresas mais modernas e inovadoras”. Casado, com três filhos, tem na leitura e nas tedtalks, mas, também, no ténis, no jogging e no Pilates os seus principais hobbies.

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