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Na primeira vez que veio a Lisboa, a cidade encantou-a de tal forma que pensou que era aqui que gostaria de viver. Duas décadas, uma notável carreira internacional e um marido que se reformou para a acompanhar e lhe permitir a ela apostar no percurso profissional depois, Brigitte cumpriu o sonho. E tem quase a certeza de que é aqui que passará a segunda metade da sua vida. “Estou cá desde julho do ano passado e infelizmente ainda não consegui estar com a equipa toda”, diz-me em português, enquanto pede desculpa pela falta de alguma palavra ou mau uso de uma expressão ocasional, com o sotaque de quem nasceu e cresceu na Suíça germânica e aprendeu a nossa língua online, o possível em tempos de covid para quem faz questão de fazer-se entender no idioma daqueles com quem convive, seja inglês, italiano, coreano ou português.
Andou 14 anos pela Ásia, depois de se estrear na sede da Nespresso, na Suíça, tendo vivido em Taiwan e Singapura, onde conheceu o marido a fazer windsurf. Da Coreia do Sul, um país “muito organizado e estruturado, mas demasiado formal e frio”, mudou-se para um país onde pudesse viver mais “em comunidade, em que as pessoas fossem mais quentes, como Portugal”, conta-me com um sorriso franco e aberto e os olhos a brilhar de uma simpatia muito mais característica do sul da Europa.
Acabámos de nos ver pela primeira vez à mesa do brunch do Erva, no Hotel Corínthia Lisboa – de que acabaremos por conseguir experimentar só metade, tal a quantidade de petiscos deliciosos que nos apresentam -, mas a sua paixão, alegria e empatia são tais que nem 5 minutos passam até que estejamos a conversar como velhas amigas que se põem a par das últimas aventuras. E se Brigitte as teve, desde que deixou a quinta onde cresceu com cinco irmãos e os pais, agricultores católicos e de uma família muito tradicional, que viviam das colheitas de cereais e da produção de carne, leite e afins numa casa de montanha isolada. Mas que facilmente se foram abrindo ao mundo que lhes foi chegando a casa pela mão dos filhos, cada vez que apresentavam um namorado italiano, um marido coreano, uma mulher marroquina… São hoje cidadãos do mundo, naquela pacata vila suíça de onde raros habitantes conhecem mais do que os Alpes, ao contrário dos pais de Brigitte, que já conheceram mundos nas visitas à bem-sucedida prole.
Mas adianto-me. À mesa do Erva, a business executive officer da Nespresso Portugal vai-me levando de visita ao seu percurso com a leveza de alguém que é genuinamente feliz e realizada. Abrimos caminho entre tostas com abacate, presunto e ovo, pãezinhos quentes, sanduíches de salmão com ovo escalfado, iogurte com frutos vermelhos e demais petiscos acompanhados a sumo de laranja, café e chá verde. E Brigitte vai contando como ali chegou, desde essa primeira visita a Lisboa a serviço da Nespresso, então contratada para instalar o sistema IT em vários pontos da rede mundial da marca. E mesmo antes disso.
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O sonho de viver em Portugal
Quando chegou a Singapura, aos 35 anos, sozinha e sem conhecer absolutamente ninguém, sem nunca ter ido à Ásia, olhou para “aquela selva de casas” e pensou: “Que raio estou a fazer, como é que vou viver aqui cinco anos?” Foi um breve momento de fraqueza em alguém com uma força avassaladora, uma alegria de viver contagiante e uma curiosidade que a levou aos quatro cantos do mundo e a abraçar cada desafio com o entusiasmo do primeiro.
De todos os sítios por onde passou guarda memórias e por todos mantém o interesse – “começo todos os dias a ver as notícias da Suíça, de Taiwan, da Coreia do Sul, de Singapura e de Portugal”. Diz-me que foi em Seul que sentiu mais dificuldades de adaptação, porque uma cultura marcadamente individualista e totalmente focada no sucesso não entende a simpatia como algo natural e apreende qualquer tentativa de estabelecer relações pessoais como algo forçado e incompreensível. Foram precisamente os valores comuns que aqui nos enraízam que fizeram crescer em Brigitte a vontade de voltar à Europa, mas não sem ter vivido momentos entusiasmantes.
“Eu raramente tenho sonhos, mas fiquei mesmo com Lisboa marcada como um sítio em que adoraria viver. Nunca esperava estar aqui hoje, a minha carreira foi acontecendo”, conta com a descontração de quem vive bem com o que o destino lhe põe nas mãos para burilar e a vontade que aplica a tudo quanto faz. O desejo de conhecer outras culturas levou-a pelo mundo nos cinco anos que passou a instalar sistemas para a marca de café, ainda sediada na Suíça, e soube agarrar a oportunidade que surgiu quando a Nespresso tomou a decisão de abrir novos mercados.
Havia como destinos a América do Sul, a Europa de Leste e a Ásia e foi por aí que escolheu começar. “Abrimos escritórios na China, em Hong Kong, em Singapura e na Coreia do Sul e quando decidiram estrear-se em Taiwan convidaram-se para liderar esse mercado. Foi uma excitação, porque era um pouco como gerir uma startup, eu tinha de fazer tudo, desde encontrar pessoas para todas as funções a montar a operação logística, criar uma equipa…”
O êxito com que cumpriu a missão conduziu-a depois à Coreia do Sul, um dos maiores mercados da marca e com um potencial gigante de consumidores. “A chave para entrar bem no negócio, enquanto BEO, é contratar as pessoas certas para os lugares certos”, diz. “Não posso ser eu a fazer tudo, preciso de uma equipa forte, de garantir que trabalham bem juntos, que temos confiança uns nos outros e que me procuram quando algo corre mal. Porque todos cometemos erros. As pessoas têm de estar confortáveis, felizes no trabalho e não viver no medo de errar”, acredita. “O meu trabalho, como BEO, é construir um ambiente para as pessoas trabalharem no seu melhor potencial, criar as condições para se valorizarem e excederem; é um pouco assessorar as equipas e dar-lhes espaço para crescer. A minha maneira não é necessariamente a melhor, apenas é diferente e se eu der ferramentas às pessoas elas vão surpreender-me pela positiva”, partilha, conforme vamos avançando na refeição e na conversa.
O início da aventura
Brigitte descreve-se como “muito curiosa, irrequieta e ávida de conhecer coisas e pessoas diferentes” e garante ser por isso que escolheu sair da quinta dos pais – onde apenas um dos irmãos ficou e se dedica a produzir gelados artesanais com o leite das vacas que cria e as bagas que ali planta – e dar início a todas estas aventuras.
O marido é de Singapura, mais velho, já tinha 55 anos e largou a carreira para a seguir para Taiwan – e agora Lisboa. Ela diz que essa é a parte que a deixa sem chão, saber que ele se move por ela. “Era importante por isso para mim escolher um país de que ele fosse gostar e Portugal era o ideal para experimentar a Europa. Ele é um homem do mar, na Suíça são mais montanhas… e Singapura é uma cidade enorme, por isso era bom ter esta parte de vida ao ar livre.” Ainda fazem windsurf por cá, sempre que podem: no Guincho, na Costa de Caparica, no Alentejo e em Viana do Castelo. E esse é um dos muitos atrativos que os movem a desejar ficar.
Brigitte nunca se licenciou e acredita que a sua vida não seria melhor se tivesse cumprido essa etapa. Conta que, segunda filha de pais agricultores e modestos, começou a trabalhar com 15 anos e foi assim que foi aprendendo e crescendo. “Fazia trabalho administrativo e de contabilidade numa pequena empresa da aldeia e trabalhos na quinta. Aos 17 anos, a empresa decidiu informatizar-se e o chefe, que já tinha alguma idade, pediu-me que fosse aprender e instalasse o sistema e o ensinasse.”
Três anos depois, a empresa de computadores contratava-a para ajudar a implementar a informatização nas pequenas empresas da região. Oito anos, mudava-se para San Jose, California, para aprender inglês e negócios internacionais, porque sentiu falta desse conhecimento. E dois anos depois estava de volta à sua Suíça e a entrar para a Nespresso. “Nunca pensei estar aqui hoje. Fui andando, fui fazendo, fui aprendendo… fazia café para o chefe, arquivava ficheiros, o que fosse. Mas gostei de tudo isto porque fui aprendendo no caminho e sempre comparando-me e tendo a noção do que sabia e não fazer. Quando se vem de baixo aprende-se no terreno, com curiosidade e vontade. E sem medo de falhar.”
Diz-me – mas não precisava – que é uma pessoa muito positiva. “Gosto de passar essa energia às pessoas das minhas equipas, e tenho sofrido um bocado por não poder fazê-lo nestes tempos de covid; e faz falta porque se perde esse espírito de equipa, de entreajuda, de motivação e criatividade.”
De trato fácil e familiar, Brigitte garante que não gosta de hierarquias, de pessoas distantes e superiores. “Eu tenho irmãos empreendedores, empresários, agricultores, camionistas… e é isso que adoro, essa diversidade de relações, ninguém falar de cima.” Talvez por isso veja com curiosidade e vontade de experimentar cada processo com que se cruza. Como quando visitou as plantações da Nespresso na Costa Rica ou os sistemas de reciclagem e ficou a imaginar-se produtora de café e promotora de processos de sustentabilidade.
Não sabe como vai ser a sua vida, ou onde a vai levar, quando acabarem os quatro ou cinco anos previstos para a sua deslocação atual, mas se dependesse de si, era aqui que ficava. “Não tenho vontade de voltar para a Ásia, mas talvez aceite um lugar noutro país europeu, até na Suíça…” Mas voltará a Portugal com o marido, ex-publicitário, quando se reformar? “Provavelmente, sim. E se calhar a trabalhar com o Banco Alimentar. Gostava de trabalhar a ajudar os outros, estar ocupada, em equipa e a fazer a diferença.”
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