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Se antes a hipótese de venda era reiteradamente negada e os rumores justificados com periódicas avaliações de ativos, agora a Altice está mesmo disposta a abrir mão do negócio em Portugal para salvar o grupo que Patrick Drahi criou há 30 anos. Nos últimos dez dias americanos e sauditas posicionaram-se para avançar com propostas sobre ativos, inlcuindo a Altice Portugal, com a telecom a remeter-se ao silêncio.
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A dívida global do grupo ronda os 60 mil milhões de dólares (aproximadamente 55 mil milhões de euros) – cada vez mais difícil de gerir com a subida dos juros – e a operação judicial com origem em Portugal, que implicou gestores de topo da Altice nos diferentes países em que opera, colocou em causa o modelo de negócio. E Drahi passou a vendedor. “Tudo está em aberto… É apenas uma questão de oferta e procura”, afirmou o fundador e principal acionista do grupo numa reunião com cerca de 200 investidores em dívida no início de setembro. Inicialmente, o objetivo passava por vender ativos não-estratégicos da Altice France e da Altice International (integra Portugal, Israel e República Dominicana), mas o magnata franco-marroquino (também com nacionalidade israelita e portuguesa) admite também a entrada no grupo de parceiros em capital ou dívida.
Os bancos de investimento Lazard, BNP Paribas, Morgan Stanley e Goldman Sachs foram contratados para avaliar ativos e apurar o apetite do mercado. As primeiras propostas, tal como previsto, estão a chegar em dezembro, com a telecom disponível para ouvir interessados até ao início de janeiro.
O interesse da private equity de origem norte-americana Warburg Pincus foi o último a ser noticiado. na quarta-feira, o Financial Times escreveu que o Warburg Pincus associou-se a António Horta Osório, antigo banqueiro do Credit Suisse e do Lloyd Bank que se fez “cavaleiro” no Reino Unido, para oferecer mais de 6 mil milhões de euros pelos ativos da dona da Meo. Horta Osório
Contactada pelo Dinheiro Vivo, fonte oficial do Warburg Pincus recusou comentar “especulações”. Também Horta Osório e fonte oficial da Altice não quiseram fazer comentários.
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O Warburg Pincus apresenta-se como uma empresa gestora de capital fundada em 1966. Ao fim de 57 anos de atividade, a carterira de investimentos passa por 40 países, nos quais já foram aplicados mais de 113 mil milhões de dólares em mais de mil empresas. Atualmente, tem mais de 84 mil milhões de dólares sob gestão através de 23 fundos de investimento. O portefólio desta gestora de fundos visa os setores energético, financeiro, imobiliário, tecnológico, indústria e saúde.
Com sede em Nova Iorque, EUA, Chip Kaye é o presidente executivo do Warburg Pincus, que tem como chairman Timothy Geithner, antigo secretário do Tesouro dos EUA na administração Obama. Na Europa, esta private equity é liderada por Andrew Sibbald e René Obermann. Este último foi presidente executivo da Deutsche Telekom entre 2006 e 2013. O interesse do Warburg Pincus na dona da Meo surge dois meses depois de ter angariado mais de 17 mil milhões de dólares para a criação de um novo fundo.
Na área das telecomunicações, o Warburg Pincus já investiu na holandesa Ziggo e na indiana Bharti Telecom. Segundo o Financial Times, nos últimos anos, adquiriu a operação da T-Mobile nos Países Baixos e comprou a empresa de satélites Inmarsat num negócio de 6 mil milhões de dólares, em 2019.
Antes da parceria entre o Warburg Pincus e Horta Osório ser conhecida, também a Saudi Telecom, uma empresa de comunicações eletrónicas com sede em Riade, Arábia Saudita, foi apontada como interessada na aquisição da Altice Portugal. Segundo a Bloomberg, este operador iria apresentar uma oferta até ao Natal.
Este operador é detido em mais de 60% por um fundo soberano da Arábia Saudita controlado por Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro e primeiro-ministro do país. A empresa tem uma capitlização bolsista perto dos 48 mil milhões de euros e é, atualmente, o maior acionista privado da espanhola Telefónica com uma participação a rondar 10% do capital. Aliás, o peso da Saudi Telecom na estrutura acionista do histórico operador espanhol levou o governo de Pedro Sánchez, através da Sociedade Estatal de Participações Industriais, a adquirir 10%.
Também em Portugal, segundo noticiou o Jornal de Negócios, o Governo em gestão de António Costa está atento ao interesse saudita na antiga PT. O interesse dos sauditas na Altice Portugal justifica-se, segundo a Bloomberg, com a estratégia de expansão para a Europa. Também têm investimentos feitos na Bulgária, Croácia e Eslovénia.
Os fundos Apax Partners (Reino Unido), a Apollo Global Management Inc (EUA)., a CVC Capital Partners (Luxemburgo) também têm sido apontados como interessados no negócio da Altice em Portugal.
Sindicatos e comissão de trabalhadores exigem explicações
A última vez que a administração da Altice Portugal esclareceu a situação da empresa junto dos sindicatos foi a meio de outubro, numa reunião que serviu para abrir a revisão do contrato coletivo de trabalho (ACT) da Altice Portugal. Na ocasião, segundo o relato de diferentes fontes sindicais ao DV, a presidente executivo, Ana FIgueiredo, terá afirmado que não havia planos de vendas que envolvesse a dona da Meo.
No entanto, as últimas notícias levou parte da estrutura representativa dos trabalhadores na Altice Portugal a exigir esclarecimentos.
“Quando uma empresa é vendida, é comum os trabalhadores experimentarem incertezas sobre o futuro do seu emprego e posto de trabalho. É pois fundamental que os responsáveis pela gestão da COMEX [comissão executiva] comuniquem de maneira clara e transparente com os trabalhadores, dando a conhecer quais os planos para o futuro da Altice Portugal”, lia-se num comunicado do dia 18 deste mês do o Sindicato dos Trabalhadores do Grupo Altice em Portugal (STPT).
“A possível venda a um fundo de Investimento cria o risco imediato de reestruturações e de demissões de trabalhadores”, salientou o STPT, que exige a participação de Ana Figueiredo na reunião de revisão do ACT no dia 5 de janeiro.
Esta quinta-feira, foi a vez da comissão de trabalhadores da Meo manifestar receios. “É com desagrado que constatamos a falta de informações adicionais fornecidas à comissão de trabalhadores da Meo. Até ao momento, a empresa comunicou apenas a existência de um processo de avaliação periódica do valor das empresas no mercado, descrito como normal. Manifestamos a nossa expectativa por esclarecimentos mais abrangentes, a fim de compreendermos integralmente este processo e suas implicações para os trabalhadores da Meo em particular e dos trabalhadores da Altice Portugal em geral”, lê-se no comunicado enviado à redação.
No mesmo comunicado, esta comissão anuncia a intenção de se constituir como assistente no processo relativo à chamada Operação Picoas.
“Perante as recentes notícias que apontam para a real possibilidade da venda total ou parcial da Altice Portugal, com diversos interessados, desde fundos associados a figuras de destaque nacional a empresas de telecomunicações internacionais, a comissão de trabalhadores considera imperativo esclarecer a fundo as práticas fraudulentas associadas à Operação Picoas. Estas podem ter sido um fator determinante na decisão de alienar este ativo valioso para o país, tomada por Patrick Drahi”, lê-se.
O patrão da Altice está aberto a alienar partes do grupo de telecomunicações. No último mês, concordou em vender 70% do negócio de data centers ao Morgan Stanley, em França. O centro de dados que o grupo tem em Portugal, na Covilhã, também estará à venda.
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