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Foram cinco anos de um negócio atribulado que agora chega ao fim. A L3Harris Airline Academy em Ponte de Sor, antiga Aerocondor, no distrito de Portalegre, vai fechar portas já no final do mês de setembro. A academia de formação de pilotos estava, desde 2017, nas mãos da empresa norte-americana L3 Technologies, que vai retirar-se do negócio em Portugal, deixando sem emprego 90 trabalhadores. A multinacional, que detém centros de formação no Reino Unido e nos Estados Unidos, esclarece ao Dinheiro Vivo que a decisão surge depois “de uma análise ao portefólio global do grupo”, realizada com o intuito de garantir “que a presença internacional das academias de formação está em linha com a procura”. “De forma a assegurar o melhor resultado possível para a operação das nossas escolas estamos, lamentavelmente, a cessar a nossa atividade em Portugal”, confirma fonte da L3Harris.
A notícia foi recebida com surpresa pela autarquia, que vê esta saída do município como “abrupta e inesperada”. “Lamentavelmente a Câmara Municipal de Ponte de Sor não foi atempadamente consultada sobre esta decisão unilateral da empresa. Cerca de nove dezenas de trabalhadores ficarão momentaneamente em situação de desemprego e verão os seus direitos devidamente salvaguardados”, assegura a câmara em resposta ao Dinheiro Vivo. “Sendo a dimensão do nosso cluster aeronáutico considerável e reconhecida, julgamos que todos terão oportunidades junto das restantes empresas já instaladas no Aeródromo, das que estão em instalação neste momento, e das que brevemente farão também parte deste ecossistema”, acrescenta a autarquia.
O campus da L3Harris Airline Academy, com mais de 24 mil metros quadrados, localizado no Aeródromo Municipal de Ponte de Sor, não ficará muito tempo vazio. A garantia é dada pela autarquia liderada por Hugo Pereira Hilário, que adianta já ter em mãos o projeto da nova empresa que ali irá operar. “As instalações, que são propriedade do município, serão prontamente ocupadas por uma outra operadora da mesma área de negócio, que adquiriu os ativos da empresa L3Harris. A empresa que chegou a acordo com a L3, cujo plano de negócios já é do conhecimento da autarquia, propõe-se a criar condições para ter ainda mais estudantes num curto prazo, fazendo assim um aproveitamento pleno das infraestruturas de excelência de que irá dispor”, informa a Câmara, sem deslindar, no entanto, o nome da nova empresa que irá ali instalar-se.
Um negócio falhado
A multinacional de tecnologia especialista em defesa aeroespacial, com sede na Florida, nos Estados Unidos, chegou a Ponte de Sor em 2017 com o objetivo de expandir o segmento de negócio de formação na Europa. A norte-americana comprou a operação da GAir, a escola de pilotos então liderada pelo empresário Carlos Saraiva, e assumiu o negócio com ambiciosos planos de expansão. As perspetivas eram otimistas com todas as peças do puzzle alinhadas. A academia de Ponte de Sor estava já nas bocas do mundo, atraindo anualmente cerca de 150 alunos de dezenas de nacionalidades. Nesta escola localizada no Alto Alentejo foram formados centenas de pilotos de companhias como a TAP, Air France, British Airways, Air Arabia, easyJet ou Ryanair. A qualidade das infraestruturas, que foram já alvo de um investimento total de 40 milhões de euros pela câmara municipal com o apoio de fundos comunitários, as condições climatéricas favoráveis aos voos e a pista de 1800 metros são alguns dos fatores que têm feito ecoar o nome do município fora de portas.
Poucos meses depois de a L3 ter agarrado no negócio, o diretor da Airline Academy na Europa, Mário Spínola, revelou, em entrevista à Lusa, em 2018, que a empresa queria investir mais oito milhões de euros nas infraestruturas e esperava receber 500 alunos num prazo de dois anos. Mas os problemas começaram pouco depois. Em 2020 a L3 rescindiu o contrato de forma repentina com 120 alunos, que já tinham pago a formação de 80 mil euros e que se viram impedidos de concluir o curso. A polémica deu pano para mangas, envolveu tribunais e indemnizações. A L3Harris alegou dificuldades por causa da pandemia, mas a verdade é que os constrangimentos começaram antes. Em 2018 e 2019 as companhias aéreas enfrentaram sérias dificuldades em recrutar pilotos e a falta de mão-de-obra originou uma caça feroz a estes profissionais. Desta forma, os pilotos que eram formadores da academia em Ponte de Sor acabaram por abandonar o ensino, para ingressar nas várias transportadoras aéreas deixando a escola despida de profissionais aptos para ministrar as aulas práticas às centenas de alunos.
Depois dos últimos dois anos de pandemia, durante os quais a escola recorreu a ajudas estatais como o lay-off, o início de 2022 não trouxe melhores ventos. Em março os trabalhadores da empresa foram convocados para uma reunião com a administração que colocou em cima da mesa a possibilidade de vender ou encerrar a escola. No passado mês de agosto chegou a confirmação, através da carta de despedimento. “Uma das razões apontadas para esta decisão, de acordo com o vice-presidente da L3 Harris, David Coward, é a fraca procura na formação de pilotos e o facto de não existirem perspetivas otimistas num futuro próximo”, refere uma fonte próxima do processo, que questiona a veracidade dos argumentos: “As escolas de Cascais e do Porto estão cheias”, lamenta, assegurando que a academia de Ponte de Sor recebeu várias propostas de investidores interessados em comprar o negócio.
Cluster aeronáutico em Ponte de Sor
Depois da chegada da GAir em 2013 a Ponte de Sor, o município não voltou a ser o mesmo. A primeira escola de aviação portuguesa mudou-se para o Aeródromo Municipal de Ponte de Sor há nove anos. A chegada de centenas de alunos estrangeiros representou um marco decisivo para o desenvolvimento económico do concelho. Do imobiliário à restauração, vários foram os negócios impactados. O interesse de outros investidores internacionais do setor da aviação, aeronáutico e aeroespacial tem sido crescente e, atualmente, residem já 14 empresas naquele que é denominado como o Cluster Aeronáutico de Ponte de Sor, responsável por 300 postos de trabalho. Em breve, serão criados mais 800 empregos.
Recentemente foram aprovadas três agendas mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência, que representam um investimento de 200 milhões de euros. “Estes projetos vão desde a construção do primeiro avião português, à monitorização de lixo espacial, até à produção de satélites. Significarão um novo marco no desenvolvimento de toda a região. Estima-se a criação de mais de 600 postos de trabalho diretos. O futuro do cluster aeronáutico de Ponte de Sor, a curto e médio prazos, será com certeza ainda mais positivo”, revela a autarquia. Há ainda mais quatro empresas que irão integrar este cluster nos próximos dois anos, criando mais 200 postos de trabalho.
Nova escola
Depois do grupo L3Harris, aquela que foi a primeira escola de aviação portuguesa vai voltar a mudar de mãos. Fundada pelo coronel Victor Brito em 1980, primeiro com a denominação de a Escola de Aviação Aeroavia (EAA) e, posteriormente de Escola de Aviação Aerocondor (EAA), a academia de formação já passou por vários donos. Em 2001 foi vendida ao grupo espanhol Gestair, assumindo o nome Gestair Flying Academy. Em 2013 é vendida ao empresário Carlos Saraiva, que leva o negócio para Ponte de Sor e inaugura o GAir Training Centre. A venda à L3Harris é concretizada em 2017 e, cinco anos depois, encerra. Uma nova escola para formação de cadetes tomará o seu lugar em Ponte de Sor.
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