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Em julho de 2023, quando o sul da Europa sofreu uma onda de calor sem precedentes, com temperaturas a rondar os 45 °C, um determinado local em Espanha ficou muito mais quente sem se tornar notícia de primeira página.
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Trata-se de um local de ensaio na província de Almería onde as temperaturas atingiram 1400 °C.
Grandes esperanças
Os níveis de calor de arregalar os olhos foram criados na Plataforma Solar de Almería, onde espelhos direcionam a abundante luz solar da região para um ponto minúsculo de uma torre de 43 metros. A estrutura utiliza a energia solar para gerar estas temperaturas extremamente elevadas.
Os investigadores da UE pensam que a plataforma, o maior centro de testes da Europa para tecnologias solares concentradas, pode também ser fundamental para a produção de hidrogénio renovável. Esta forma de energia, tal como os painéis solares e as turbinas eólicas, poderia ajudar a Europa e outras partes do mundo a abandonar os combustíveis fósseis, que emitem gases com efeito de estufa, incluindo o CO2, que estão a acelerar o aquecimento global.
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“Precisamos de energia verdadeiramente limpa, que beneficie toda a gente”, afirmou Souzana Lorentzou, engenheira química do Centro de Investigação e Tecnologia Hellas, em Salónica, na Grécia.
O hidrogénio pode ajudar as economias verdes em todo o mundo, uma vez que quase não gera gases com efeito de estufa quando queimado e pode alimentar indústrias difíceis de descarbonizar, desde o aço à aviação.
As energias renováveis, incluindo o hidrogénio limpo, são um pilar da estratégia REPowerEU para abandonar os combustíveis fósseis russos nesta década e do “Pacto Ecológico” para tornar a UE neutra em termos climáticos até 2050.
O problema é que o próprio processo de produção de hidrogénio envolve frequentemente fontes de energia como o gás natural e o carvão, que emitem CO2. Na Europa, em 2022, 96% de toda a produção de hidrogénio provinha do gás natural.
De facto, já existe uma forma relativamente fácil de criar hidrogénio limpo.
Trata-se de um método que utiliza uma corrente elétrica proveniente de uma fonte de energia renovável para separar a água em hidrogénio e oxigénio. O processo, chamado eletrólise, pode até ser realizado em experiências científicas do ensino secundário.
No entanto, ainda não se tornou muito popular devido a barreiras de custos.
De acordo com a Agência Internacional de Energias Renováveis, apenas 4% da produção mundial de hidrogénio no final de 2021 provinha da eletrólise. E apenas 1% foi produzido através de eletrólise alimentada por energias renováveis.
Aí vem o sol
Os investigadores europeus afirmam que faz sentido olhar para o sol para encontrar mais formas de criar hidrogénio renovável.
Os raios solares e o calor que criam podem vir a ser a forma ideal de produzir hidrogénio limpo. Não seria necessária eletricidade, apenas a luz do sol.
“A nossa tecnologia é construída sobre um sistema existente: a concentração de energia solar”, disse Lorentzou. “E se, para além de eletricidade, estas centrais pudessem também produzir hidrogénio verde, quase como um bónus?”
A produção de hidrogénio está atualmente na origem de mais de 800 000 milhões de toneladas de emissões de CO2, ou seja, cerca de 2% do total global dessas descargas, segundo Marcel Boerrigter, investigador principal do Centro Tecnológico Leitat, em Barcelona, Espanha.
“Se conseguirmos tornar isso mais ecológico, podemos evitar uma enorme quantidade de emissões”, afirmou Boerrigter.
Aliados na investigação
Ele e Lorentzou, em Salónica, partilham o objetivo de encontrar formas de gerar hidrogénio com emissões zero e cada um deles lidera um projeto de investigação que recebeu financiamento da UE para aproximar esse objetivo.
É aqui que entra a torre solar em Almeria – uma zona que alberga o único deserto interior da Europa, o Tabernas, com mais de 3 000 horas de sol por ano.
O projeto de Lorentzou usa o calor extremo da torre para iniciar processos químicos num reator que transforma a água em hidrogénio limpo, sem utilizar eletricidade. Denominada HYDROSOL-beyond, a iniciativa é a última de uma série de projetos sobre a produção de hidrogénio solar a partir da separação da água. Teve início em janeiro de 2019 e está prevista a sua conclusão no final de 2023.
O projeto de Boerrigter utiliza a luz do sol, para além do seu calor, para pôr em marcha um processo de criação de hidrogénio limpo. A iniciativa, designada GH2, tem uma duração de três anos, até ao final de setembro de 2025.
Redução dos riscos
“A eletricidade é, atualmente, um fator de custo importante na produção de hidrogénio verde”, afirmou Boerrigter. “O nosso método elimina essa necessidade.”
Embora promissora, a ideia de criar hidrogénio apenas a partir do calor ou dos raios solares levará mais tempo a concretizar, devido aos desafios tecnológicos que ainda subsistem.
Estes obstáculos põem em evidência o papel da investigação, incluindo os projetos financiados por fundos públicos que assumem riscos frequentemente evitados pelas empresas com fins comerciais.
A tecnologia HYDROSOL-beyond está a ser desenvolvida há cerca de 20 anos. Embora tenham sido feitos muitos avanços durante esse período, Lorentzou não tem a certeza de quando se iniciará a implantação em grande escala.
“Este é o quinto projeto da série”, afirmou. “Vi a tecnologia evoluir de algo que construiríamos num laboratório, para instalações de pequena escala, até ao atual sistema de grande escala que temos agora”.
Trabalhos em curso
Lorentzou afirmou que poderão ser necessários mais cinco anos de aperfeiçoamento tecnológico, incluindo o reator de Almeria.
«Identificámos vários desafios ao construir uma instalação a uma escala tão grande», afirmou. «Precisamos, por exemplo, de alterar a conceção do reator para o tornar mais durável. É essa a nossa prioridade neste momento».
Por seu lado, a tecnologia subjacente à GH2 está ainda em laboratório e relativamente longe de qualquer aplicação comercial.
Neste caso, os investigadores precisam de otimizar os processos químicos antes de poderem ser ampliados e utilizados no mundo real.
“Serão provavelmente necessários cerca de 10 a 20 anos para que esta tecnologia atinja uma fase comercial”, afirmou Boerrigter. “Parece lento, mas estamos a avançar muito rapidamente, tendo em conta a fase inicial em que nos encontramos.”
Boerrigter, Lorentzou e outros investigadores afirmam que o objetivo de produzir hidrogénio limpo utilizando o sol pode ajudar a evitar alterações climáticas catastróficas nas próximas décadas.
“Com esta tecnologia, estamos a reduzir as emissões de CO2, a criar hidrogénio verde e a não consumir mais eletricidade”, afirmou Boerrigter. “Estamos a mover várias pedras ao mesmo tempo.”
A investigação deste artigo foi financiada pela UE através da Empresa Comum Hidrogénio Limpo e do Conselho Europeu de Inovação (CEI).
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