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Na Valadares há duas vidas. A anterior à falência do grupo, que aconteceu em 2012, e a pós-falência, com a compra e relançamento da marca, dois anos depois. Uma nova vida potenciada por ex-quadros da empresa, liderados por Henrique Barros e com o apoio de um grupo de acionistas, que permitiu o nascimento da ARCH – Advanced Research Ceramic Heritage. Chegou a ter dois mil trabalhadores, renasceu com 20, hoje já são 150. E festejou o centenário em plena pandemia, embora a crise energética decorrente da guerra tenha sido um desafio “ainda mais difícil” do que a covid. A inovação tem sido o seu maior trunfo, ou não fosse esta a primeira fábrica em Portugal a fazer louça sanitária, em 1921. Nos anos 90 lançou as primeiras sanitas ecológicas, com descargas de seis em vez de nove litros, hoje tem, em parceria com os espanhóis da Permapreta, as sanitas ecológicas, que não gastam água. Este ano espera faturar 10 milhões e, em 2025, chegar aos 14 milhões de euros.
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Produtora de tudo o que são as peças da cerâmica sanitária, do lavatório à sanita, passando pelos bidés, urinóis ou bases de chuveiro, a Valadares comercializa também torneiras e mecanismos de autoclismo, em parceria com fabricantes dos mesmos. Mais do que crescer em quantidade, a estratégia da Arch Valadares está assente na criação de valor, aumentando progressivamente o preço médio dos seus produtos. O valor médio do que produz está hoje 120% acima do que era em 2014, quando arrancou, não por aumento do preço dos produtos, mas pela mudança no mix dos mesmos e a aposta em artigos de maior valor acrescentado. Uma estratégia dificultada, em 2022, com o disparar dos custos energéticos e, em especial, do gás, que tem um “impacto dramático” no setor cerâmico, em que os fornos têm de estar em laboração contínua.
Com a fatura energética a crescer cinco vezes e até oito vezes mais, em alguns meses, face a 2021, a empresa acelerou investimentos nesta área, designadamente com a instalação de uma central fotovoltaica que permitiu substituir em 10 a 15% o gás em utilizações em que o aquecimento pode ser elétrico. Mas não chegou, nem de longe, nem de perto. “Foi um desafio muito difícil”, reconhece Henrique Barros, CEO da empresa, que estima os aumentos de custos fabris em 2022 na ordem dos 50 a 60% e que colocaram “uma grande pressão” sobre a Valadares. Definido, diz, foi que a estratégia de reação “não poderia passar nunca” pela paragem da empresa ou pelo recurso a processos de lay-off.
“Foi um plano algo arriscado, do ponto de vista técnico, porque obrigou a parar fornos contínuos, que em geral trabalham o ano inteiro, e a fazer uma adaptação significativa do processo industrial a um ciclo intermitente”, explica este responsável, reconhecendo que, a guerra, pelo seu efeito em termos energéticos, teve um “impacto pior” na Valadares do que propriamente a pandemia. É verdade que a covid “travou os planos de crescimento, obrigando a regredir um bocadinho”, mas, “com muita imaginação e muita capacidade de sacrifício de toda a equipa”, a situação foi ultrapassada. Com a crise energética, o desafio era dar resposta a um mercado que não parou, “e que se manteve mesmo muito ativo, designadamente em Portugal”, quando a produção era mais complicada.
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A aposta em produtos de maior valor acrescentado ajudou. “Têm uma margem maior, suportaram melhor os impactos dos custos”, diz. Mesmo assim, reconhece, a empresa só terá conseguido transpor para o mercado cerca de 20% do aumento de custos. Uma aposta consciente. “Tentamos mitigar o processo, conscientes de que haverá mercado para servir depois disto”, refere Henrique Barros. A empresa está a cumprir um plano de investimentos de 3,2 milhões de euros, que arrancou no segundo semestre de 2021 e deverá terminar no próximo ano, muito centrado nas questões energéticas, na instalação de linhas robotizadas, na reformulação de processos e na redefinição do layout industrial, já que a Arch Valadares só ocupa cerca de metade dos 65 mil metros quadrados de área total que as suas instalações têm (e que comprou à massa falida da Cerâmica Valadares, no âmbito da insolvência).
O objetivo, no imediato, é “compactar” a unidade fabril para que, mais tarde, no próximo ciclo de investimentos, que arrancará em 2024, seja recuperado todo o espaço do parque industrial para o “valorizar e rentabilizar”, alugando-o a pequenas e médias empresas que ali se queiram instalar.
A economia circular é outra das grandes apostas e com investimentos que estão já a arrancar, designadamente com a instalação de uma ETAR compacta que permitirá recuperar integralmente as lamas e resíduos cerâmicos que a empresa gera e reintegrá-los no processo produtivo, dando origem a uma nova gama de produtos fora da cerâmica sanitária. “Felizmente, temos uma capacidade de inovação muito grande dentro de casa, e vai haver algumas surpresas, talvez ainda no final deste ano, mas garantidamente em 2024, com a produção de artigos refratários, que têm propriedades de resistência à temperatura mais elevadas e que podem ser usados em tijolos cerâmicos para fornos e lareiras, por exemplo”, explica.
Dos oito milhões que faturou em 2022, cerca de 40% foram obtidos na exportação. Diversificar produtos e mercados é a grande aposta para 2023, admite o diretor de Exportação da empresa. O objetivo é que os mercados internacionais possam este ano assegurar já metade do volume de negócios; a prazo, a meta é que Portugal venha a pesar, apenas, 30%, não por desinvestimento no mercado nacional, mas por reforço da vertente internacional. Os países asiáticos, designadamente na Coreia do Sul, China, Vietname, Camboja e Japão, são a grande aposta.
“O know-how e a capacidade de inovação são a grande mais-valia da Arch Valadares, que consegue desenvolver produtos quase chave na mão, personalizados, e é nisso que queremos continuar a trabalhar, lançando modelos que possam distinguir-se no aspeto artístico. Um lavatório não tem que ser só para lavar as mãos, pode ser uma peça decorativa”, explica David Iguaz. Este responsável esteve recentemente no Japão onde se reuniu com fabricantes locais. “O objetivo é desenvolver produtos já com uma componente eletrónica aos quais não estamos habituados em Portugal, entrando em parceria ou eventuais joint ventures”, refere, sublinhando que as negociações estão, ainda, numa fase “muito embrionária”.
Este responsável explica ainda que, como controla toda a cadeia de valor, desde o processo da matéria-prima até ao produto acabado, passando pela criação dos moldes para cada peça, a Arch Valadares tem uma “grande flexibilidade e capacidade de adaptação” que é uma trunfo extra nos mercados asiáticos. “Há matérias-primas e acabamentos que só nós temos e fazemos, o que nos permite, com grande facilidade, adaptarmo-nos ao gosto e às especificações dos mercados locais”, especifica. A confiança na qualidade do que produz leva a empresa a dar 20 anos de garantia a todos os seus produtos.
Projetos não faltam, falta sim mão-de-obra para suportar esse crescimento, de forma transversal a todas as áreas da empresa. Henrique Barros admite que, se as houvesse, contratava, no imediato, 30 a 40 pessoas, sendo certo que a grande dificuldade não é apenas na contratação, é também na sua retenção.
“Não há uma escola de cerâmica em Portugal e muito menos de sanitários. Formar um operador especialista no nosso setor é um investimento de seis a 18 meses, dependendo da exigência da função, pelo que perdê-los é sempre muito difícil de aceitar face ao desafio que temos pela frente”, reconhece o gestor, sublinhando que a Arch Valadares oferece “não um emprego, mas oportunidades e desafios”. E especifica: “As empresas têm que se reinventar na forma de atrair as pessoas, não é só pela componente salarial em muitos casos passa muito mais pelo projeto que lhes entregam em mãos”.
Uma coisa é certa, a Valadares nunca voltará a ter a dimensão que tinha na sua vida anterior. “No penúltimo ano de atividade, e com cerca de 600 pessoas, a Cerâmica Valadares tinha um volume de negócios na ordem dos 14 a 15 milhões de euros. Nós gostaríamos de atingir esse valor, com um quadro de pessoal mais reduzido e, sobretudo, fazendo menos peças. Temos que ter a humildade de perceber que a Valadares foi uma grande empresa, que deixou uma ótima imagem de Portugal em muitos lados, e é isso que queremos manter e fazer crescer. Não pela quantidade, mas pela qualidade, pelo serviço e pela capacidade de inovação”, diz o CEO, que assegura que uma das orientações iniciais no rearranque da empresa foi que “será sempre o mercado a puxar pela Valadares e a fazê-la crescer”. Garantido é que “podemos ser grandes sem sermos fisicamente grandes”.
O que é uma sanita ecológica?
O projeto da sanita ecológica, que não necessita de água para funcionar, foi formalmente apresentado, em março, na ISH, a maior feira do mundo do setor sanitário, em Frankfurt, e foi um “enorme sucesso”. “A bioconstrução é um novo ramo da arquitetura em grande crescimento, porque as pessoas estão cada vez mais cientes dos efeitos que o nosso desenvolvimento tem no ambiente”, defende este responsável.
Com um custo total na ordem dos 1900 euros, o sistema Permapreta permite poupar 16 mil litros de água ao ano, considerando os gastos normais de um agregado familiar de três pessoas. “A sanita é composta por dois circuitos independentes, um para resíduos sólidos e outro para urina, e são canalizados desde o início para compartimentos separados. A reação bioquímica transformará os resíduos sólidos num fertilizante que não precisa de ser removido por nenhum processo específico de drenagem. O produto residual é inodoro e pode ser recuperado com um aspirador normal ou uma broca que pode ser prontamente fornecida. O tempo para cada extração é estimado em 2 a 3 anos para uma família média de 3 a 4 pessoas”, explica uma brochura da empresa.
Disponível, para já, apenas para vivendas unifamiliares, o objetivo é desenvolver o sistema para aplicação em prédios e outros edifícios. O projeto tem vindo a ser desenvolvido pela Permapreta – que combina os princípios da permacultura com o modo de vida das culturas ameríndias que ainda hoje reciclam os seus resíduos (terra preta), transformando-os em adubo natural -, em resultado de investigação, que se associou à Arch Valadares para a criação da sanita cerâmica. O produto já está à venda em Espanha e na Argentina, mas gerou “grande interesse” por parte dos países do norte da Europa, designadamente dos escandinavos.
Além da aplicação doméstica, a Permapreta pode ser usada em fábricas, escolas ou hospitais, sendo “a solução ideal para locais remotos, designadamente os campos de refugiados, onde há milhares de pessoas e a questão sanitária é um grande desafio”.
“Todos sabemos que a água é um bem cada vez mais escasso, não podemos continuar a gastar rios de água para despejar sanitas e depois termos uma ETAR e toda essa componente dispendiosa a jusante. Não faz sentido”, sublinha David Iguaz, que acredita que a mudança de mentalidade é inevitável.
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