Privatização da EDP e da REN, fim das goldenshares do Estado nessas empresas, fim das tarifas reguladas, redução dos preços energéticos para empresas e famílias, eliminar dívida tarifária até 2020. Estas foram as principais exigências da troika no memorando de entendimento com que Artur Trindade se confrontou quando chegou à secretaria de Estado da Energia, depois da demissão do antecessor Henrique Gomes, que saiu em rutura com o então ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira.
Na comissão parlamentar de inquérito sobre rendas excessivas ao setor da energia, o ex-governante, cuja pasta depois transitou para o Ministério do Ambiente, sublinhou que estas eram medidas benchmark que o governo português não podia falhar, sob pena de o país não receber as tranches de ajuda financeira essenciais para sair da crise.
“Quando entrei para o governo disseram-me que o memorando de entendimento era uma prioridade política. O incumprimento das medidas levava a que país não recebesse dinheiro, daí a importância de tentar cumprir dentro do prazo as principais medidas”, explicou o agora presidente do Operador do Mercado Ibérico de Energia. “Tínhamos de assinar as portarias, senão falhávamos os benchmarks“.
Tendo subido ao governo depois da saída de um secretário de Estado que insistia em falar de rendas excessivas e foi alegadamente silenciado pelo primeiro ministros Passos Coelho e o ministro Álvaro Santos Pereira, Artur Trindade garante: “Não gosto de falar de rendas excessivas, mas sim de excesso de custos. Estes podem causar dívida tarifária sem serem rendas excessivas. Nunca falei em rendas excessivas, que significam um pagamento acima do correto. Olhando para a remuneração dos CAE, entre 10 e 13%, estaria correta aos dias de hoje? Não. Mas nos anos 90, quando foram criados, sim, estava correta”. O ex-secretário de Estado confessou ter sido chamado a uma reunião com o próprio Passos Coelho, na qual foi instruído a cumprir o enquadramento internacional do memorando.
“Queria focar-me mais no excesso de custos e não nas rendas excessivas. Mas não tentei fazer os cortes todos que eram exigidos de uma só vez, porque quanto mais estivéssemos perto do quadro da privatização, mais difícil seria chegar à mesma que era exigida pela troika“. E lembrou que herdou “o mesmo ministro”, que é quem define a política energética.
Na altura, reconhece, havia um “excesso de custos e uma insustentabilidade do sistema, que podia ter entrado em default“. O ex-secretário de Estado da Energia, fala em cortes potenciais de 3,4 mil milhões de euros que conseguiu quando estava no governo, em várias vertentes, como a garantia de potência, entre outros. Só no que diz respeito aos CMEC, a poupança prevista com a negociação de uma taxa de remuneração mais baixa era de 14 milhões de euros por ano entre 2012 – 2027: 205 milhões de euros.
No entanto, um documento da ERSE datado de maio de 2016, sobre a Evolução dos Custos do Setor Elétrico, assinado por Vítor Santos, a que o Dinheiro Vivo teve acesso, dá conta de medidas para a redução dos custos e contribuições para o sistema tarifário no valor de apenas 1,2 mil milhões de euros entre 2013 e 2016, abaixo das estimativas de Artur Trindade.
Sobre o acordo dito “secreto” entre o governo e a EDP para reduzir as taxas de remuneração dos CMEC das centrais da empresa, o ex-secretário de Estado diz tratar-se de um “acordo real, com cartas formais e advogados contratados para negociação”, que acabou por nunca ser revelado (apesar disso ser exigido) nem enviado para a ERSE, sublinhou o deputado do Bloco de Esquerda, Jorge Costa. Em resposta, Artur Trindade, reagiu dizendo que o regulador não teve acesso ao acordo “porque não o pediu”. “O acordo não foi divulgado ao regulador, por isso não podia emitir parecer. Era indesejável enviar isso para regulador. Não conheceu, não teve acesso e não tinha nada de ter”, rematou, criticando ainda o parecer da ERSE sobre o decreto-lei da passagem de CAE a CMEC, em 2004. “Está errado”, categoriza.
“O governo é o governo, o regulador é o regulador. O poder do regulador não é o parecer. Os pareceres não vinculativos, valem o que valem. O governo governa, e o regulador regula”, disse Artur Trindade, que chegou a ser presidente da ERSE.
Ainda em relação às exigências da troika, Artur Trindade, identificou vários objetivos conflituantes, como reduzir a dívida tarifária e ao mesmo tempo reduzir preços ao consumidor. “Era difícil aplicar os dois ao mesmo tempo”. Na sua opinião, o fim das tarifas reguladas também foi uma “medida que dificultou a redução da dívida tarifária”. “A liberalização e o fim das tarifas reguladas induziram os consumidores a irem para mercado regulado, o que entrou em conflito com a contenção de preços e tarifas. Estas medidas deveriam ter sido calendarizadas para outra altura que não aquela”, disse o ex-governante. “O governo queria anunciar uma redução de preços e de tarifas, mas a troika não deixou, Se a troika achava que existiam rendas excessivas, então não tinha avançado para a privatização e acabava primeiro com as rendas”.
Nessa altura, relata, o sistema elétrico nacional apresentava uma tendência de crescimento de custos, que iria atingir um a pico de sete mil milhões e que chegaria a 2020 com uma dívida de seis mil milhões. “Para eliminar a dívida era então preciso aumentar os preços 1,5%, mais inflação”, medida que chegou a ser aprovada na concertação social como objetivo a cumprir. A ideia era chegar a 2020 com uma dívida tarifária na ordem dos mil milhões de euros”, conta.
Sobre a privatização das empresas – EDP e REN – a troika era credora, queria privatizar e nunca aceitaram minorar os objetivos da privatização, referiu ainda na comissão de inquérito. A negociação com a EDP tinha pessoas da equipa de Artur Trindade, da equipa do ministro da Economia, de pessoas da EDP, e de ajudas externas, nomeadamente da PLMJ, na figura de Nuno Morais Sarmento e ainda um professor especialista em negociação.
“Chegou a uma altura em que tive autorização para fechar o acordo com a EDP e fechei, com autorização superior. Foi assim que se chegou ao tal acordo. A EDP estava de um lado da mesa e o governo do outro. Endesa e Iberdrola também foram convocadas, bem como a Tejo Energia e Turbogás”, conta Artur Trindade, cujo mandato ficou marcado também pela criação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor da Energia (CESE).
Questionado sobre os deputados sobre as “enormes concessões ” feitas à EDP no dito acordo, Nuno Trindade insurgiu-se: “Não houve cedências para ninguém em lado nenhum. O acordo tinha quatro pontos em que podíamos ter avançado mais ou menos. Os quatro são ganhos e não concessões à EDP. Todos eles têm avanços na melhoria do sistema: melhores condições nos juros, cortes nos CMEC. Foram pontos de equilíbrio numa negociação. Chegou-se a este acordo com o aval da troika e dos produtores”.
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