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Mais pacientes com cancro do fígado estão a sobreviver por força de um teste hospitalar que está a ser efetuado, em fase de arranque, por uma empresa médica portuguesa. O teste identifica pacientes para transplante que de outra forma seriam considerados não elegíveis.
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O cancro do fígado é mortal e frequentemente não é detetado até estar num estado avançado, porque o diagnóstico requer equipamento de imagiologia hospitalar. Se a doença tiver progredido, muitas vezes a única cura é um transplante de fígado.
Surtos de casos
“Deve-se tirar o fígado que tem a doença e colocar um novo fígado”, explica José Pereira Leal, diretor executivo da Ophiomics Precision Medicine de Lisboa, com sede em Portugal, que desenvolveu o novo exame com a ajuda de financiamento da UE.
Os casos de cancro do fígado na Europa triplicaram desde 1980, de acordo com a Ophiomics. Em 2020, 87 mil europeus foram diagnosticados com esta doença e 78 mil morreram em consequência da mesma, segundo a Health Policy Watch.
Além disso, há uma escassez de órgãos doados e os pacientes em listas de espera para transplante estão a morrer. Porque é frequentemente diagnosticada demasiado tarde para ser tratada, a doença tem sido chamada de “assassina silenciosa”.
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Os médicos enfrentam decisões difíceis sobre os recetores de fígado, classificando o cancro de um paciente de acordo com uma avaliação que assenta principalmente no tamanho e número de tumores.
Mas esta abordagem é imperfeita. Até 30% dos pacientes que recebem um transplante não ficam curados. Entretanto, alguns pacientes considerados não elegíveis para um transplante de fígado são melhores candidatos do que parece.
“Os critérios falham frequentemente”, disse Pereira Leal. “Pode ser negado às pessoas um tratamento que as poderia curar.”
Aparências enganosas
Determinar a elegibilidade para o tratamento avaliando a aparência exterior dos tumores, e especialmente o seu tamanho e número, pode ser enganador.
“Uma pessoa pode ter um tumor grande, mas que é indolente, e não faz ali nada”, disse Pereira Leal. Segundo os critérios atuais, o tamanho do tumor pode excluir um transplante que poderia de facto curar o paciente.
Três quartos dos casos de cancro de fígado na Europa são de um tipo chamado carcinoma hepatocelular. Quando diagnosticado tardiamente, apenas um em cada 10 pacientes sobrevive cinco ou mais anos após o diagnóstico. Pereira Leal e os seus colegas desenvolveram uma nova forma de prever se um paciente seria propenso ao ressurgimento de cancro do fígado após um transplante.
O seu teste recolhe num pequeno pedaço do fígado de um paciente com uma agulha fina e observa quatro genes-chave nessas células. Um algoritmo baseado nestes marcadores, juntamente com medidas clínicas, foi melhor a prever quais os pacientes que mais beneficiariam de um transplante.
Os investigadores transformaram com sucesso esta descoberta científica numa ferramenta de previsão comercial, disponível para os hospitais como um produto chamado HepatoPredict.
A taxa de precisão das suas previsões é de 94% em comparação com os 67% a 80% de outros sistemas, de acordo com Pereira Leal.
“Não só isso, como aumentamos em 30% o número de pacientes que podem ser elegíveis para transplante”, afirmou. “Dois ou três pacientes já receberam um fígado graças ao teste.”
Fígados cultivados em laboratório
Uma alternativa ao transplante de órgãos doados para salvar a vida aos pacientes com cancro do fígado é recolher algumas das suas células saudáveis e cultivá-las num novo órgão em laboratório. Os investigadores do projeto chamado ORGANTRANS, financiado pela UE, cultivam células hepáticas a partir de células estaminais de pacientes, que são impressas como tecido hepático.
Dirigida a doentes com doença hepática crónica ou em fase terminal, esta abordagem não é tarefa fácil. Implica o cultivo de organóides que têm de ser mantidos vivos em laboratório.
“Os organóides são uma espécie de mini-órgão criado em laboratório a partir de células dos pacientes, compostos inicialmente por células estaminais”, explica Gilles Weder, coordenador do projeto ORGANTRANS na CSEM, organização de investigação tecnológica sediada na Suíça. “Têm a mesma composição genética que o doente.”
Consequentemente, é menos provável que os organóides sejam atacados pelo sistema imunitário de um paciente, reação que pode levar à rejeição do órgão.
O desafio do tecido
O grande desafio é construir este pedaço de tecido hepático numa estrutura mais complexa que contenha uma rede de vasos sanguíneos capaz de fornecer nutrientes e oxigénio às células.
A chave para criar este tecido hepático, segundo o Weder, é uma bioimpressora contendo cartuchos com organóides e soluções com hidrogel.
“À medida que é impressa, a estrutura gelifica para evitar o colapso do tecido e manter uma forma realmente tridimensional”, explicou.
Uma agulha impressora coloca os diferentes componentes numa superfície estéril para fabricar o tecido hepático. Tudo deve ser mantido limpo e protegido para impedir a contaminação da amostra, nomeadamente por bactérias.
A investigação visa, em última análise, cultivar tecido vivo em laboratório para ser colocado nos pacientes, quer para suplementar um fígado afetado, quer para o substituir totalmente.
Por enquanto, os cientistas do projeto imprimiram pequenas amostras de tecido e mantiveram-nas vivas durante várias semanas. O objetivo é produzir mini-fígados que possam ser implantados em ratos.
“Temos um plano claro para começar a testar esta técnica de janeiro a junho”, disse Weder.
Horizonte de 10 anos
Embora a tecnologia esteja possivelmente a 10 anos de ser utilizada em hospitais, os cientistas estão a aproximá-la da realidade.
“Ter tecido funcional num animal durante várias semanas ou meses abrirá realmente o caminho para o próximo passo: testes clínicos em humanos”, disse Weder.
Em Lisboa, o Pereira Leal elogia o financiamento que o HepatoPredict recebeu do Conselho Europeu de Inovação, um programa emblemático da UE em matéria de inovação.
“O produto não teria existido sem este apoio, que nos permitiu chegar ao mercado”, disse. “Os investidores privados disseram que o que tínhamos era excitante, mas era apenas uma descoberta científica e o risco era demasiado elevado para investirem enquanto negócio”. A investigação neste artigo foi financiada pela UE. Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.
A investigação neste artigo foi financiada pela UE. Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.
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