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O grande desafio da transição energética é preservar o ambiente e minimizar as alterações climáticas ao mesmo tempo que o bem-estar energético dos países é assegurado. E ali na margem sul do Tejo, nos limites do Monte da Caparica, Almada, mesmo junto ao rio, esse repto não é esquecido pelos responsáveis do centenário Terminal de Líquidos de Banática (TLB). Ainda para mais quando as energéticas procuram soluções que não coloquem em causa negócios e a segurança energética dos Estados. É o caso da Repsol, que no TLB acaba de dar mais um passo rumo à neutralidade carbónica da operação global em Portugal. O Dinheiro Vivo quis perceber esse passo.
E que passo foi? A Repsol portuguesa instalou uma unidade de produção de energia elétrica para autoconsumo do TLB. Foram construídos dois parques solares, com 408 painéis fotovoltaicos, capazes de produzir 300 megawatts/ano. Ora, 70% da energia gerada será para autoconsumo da unidade logística e os restantes 30% serão, assim que possível, introduzidos na rede de distribuição. Os painéis têm capacidade para reduzir a pegada de carbono do terminal em mais de 50 toneladas de dióxido de carbono/ano.
O passo é simples de descrever, mas o alcance do mesmo carece de mais explicações. Fomos até à Banática, ao encontro de António Albuquerque, responsável da unidade de abastecimento, operação e logística da Repsol.
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À chegada, com uma vista clara e solarenga sobre Belém e um pacífico Tejo adornado pela Ponte 25 de Abril como pano de fundo, o constante entra e sai dos camiões fazia adivinhar a importância daquelas instalações. “O terminal é bastante relevante não só para a Repsol, mas também para o sistema logístico [do mercado energético] em Portugal”, sublinha António Albuquerque, que nos recebe acompanhado por António Martins Victor, diretor das comunicações externas da Repsol no país há 17 anos, e por Pedro Romeira, responsável das instalações da Banática.
O Terminal de Líquidos de Banática foi um pedido da The Lisbon Coal and Oil Fuel Co. Ltd (empresa da Shell) ao Estado português, na segunda década do século XX. Construído entre 1913 e 1916, foi pensado para o armazenamento, envasilhamento e fornecimento de petróleo e derivados, incluindo óleo para combustível e gasolina.
O Terminal
As instalações de Banática são parte importante não só de toda a operação de armazenagem e expedição de produtos da Repsol portuguesa, mas também da resiliência do sistema logístico energético de Portugal. Afinal, naquele local movimentam-se 400 mil toneladas de produtos químicos, combustíveis líquidos, betumes (asfalto), lubrificantes e gases de petróleo liquefeitos por ano (mais, só nos anos 90, quando se movimentaram 750 mil toneladas). As matérias-primas chegam por navio – atracam na Banática entre 30 a 40 embarcações por ano -, passam pela fiscalização aduaneira (o terminal tem um posto da GNR por ser uma porta de entrada de produtos de outros países) e saem em camiões (não é comum expedir produtos ali por navio) para todos os pontos do país.
“Estas instalações podem valer um quarto daquilo que é a nossa distribuição a nível nacional”, assegura António Albuquerque, embora não existam dados sobre o volume de negócios ali gerado, porque aquela é apenas uma área logística de suporte aos negócios.
E a pandemia não abalou esse valor? “2020 não é o nosso ano de referência”, responde o gestor. Há um ano, o TLB não parou mas a atividade foi condicionada. Houve diferenças significativas no volume de distribuição de um ano normal, de acordo com o gestor. Mas este ano, o TLB já está a recuperar do contexto pandémico.
“Já estamos acima de 2019, porque passamos a receber biocombustíveis em quantidades significativamente superiores face ao ano antes da pandemia. Em 2020, a movimentação de produtos, principalmente de gasóleo, saiu afetada. Outro aspeto relevante, e que não é despiciendo nestas coisas, é que em ano de [eleições] autárquicas a movimentação de asfalto é significativamente maior que nos outros anos”, acrescenta.
A principal atividade do terminal foi a receção e armazenamento de carvão, até à urgência da transição energética. As instalações de Banática iniciaram atividade em novembro de 1916, impactando no desenvolvimento de toda a região de Almada. Afinal, foi a primeira instalação petrolífera de Portugal – o primeiro parque de armazenagem daquela unidade ainda resiste e está ativo.
Os Painéis
Mas o mote da visita e da conversa é a nova unidade de produção de energia para autoconsumo do TLB. O responsável aponta-nos, então, onde estão os painéis. Encontram-se divididos entre as duas encostas que ladeiam as instalações. São terrenos escarpados e de acesso limitado. Vamos para o parque poente.
António Albuquerque explica que aqueles parques estão “ajustados” às necessidades atuais do terminal, tratando-se de um investimento necessário com “rentabilidade a médio prazo”, numa altura em que “os custos energéticos têm um impacto relativamente significativo”. O retorno do investimento, que, revelou o gestor, está inserido num plano de um milhão de euros em medidas mais sustentáveis nos últimos “três, quatro anos”, que produzirá “um retorno ao fim de quatro ou cinco anos, dependendo dos custos da eletricidade”.
No fundo, o autoconsumo de energia permitirá à Repsol poupar entre “30 a 40 mil euros por ano” na fatura da energia, no TLB. O gestor realça que os custos de um terminal como o de Banática são bastante elevados. E essa é uma das premissas do investimento feito. Há outra? “Temos um compromisso também com a transição energética e foi basicamente essa a razão que nos levou a criar estes dois parques fotovoltaicos”, responde, evidenciando que também pela Banática passa a descarbonização da operação nacional da Repsol.
A função dos parques fotovoltaicos está limitada às necessidades energéticas do TLB. Não existe uma perspetiva comercial. Por isso, a dimensão atual é a ideal para a função, estando fora de questão planos de ampliação. “O crescimento do parque fotovoltaico só faria sentido numa perspetiva comercial e isso dificilmente acontecerá. Estar a produzir fora do que são as nossas necessidades ou é esbanjar ou é estar a pôr na rede”, argumenta.
O foco é mesmo o autoconsumo, mas o TLB só necessita de 70% da energia gerada. Por isso, o que sobrar a Repsol quer introduzir na rede elétrica, a partir das instalações da Banática, para não haver desperdício de energia. Mas isso ainda não acontece, para já.
“Ainda estamos em fase licenciamento para esse efeito, são processos muito demorados, o que é uma pena. O que o parque faz, neste momento, é produzir até ao limite das nossas necessidades. A partir daí, os painéis vão desligando, é uma pena. Mas, o futuro é esse. A partir do momento em que esteja disponível a possibilidade de induzirmos estes 30% na rede, fora da nossa necessidade, podemos fazê-lo”, conta.
A Transição na Banática
Ora, assumido o compromisso com a descarbonização, que desafio a transição energética cria num terminal como o TLB? O gestor explica que se exige uma adaptação da operação à realidade. O carvão é passado e o caminho é “adaptar tudo” o que pode ser “melhorado”, sobretudo no tratamento dos produtos armazenados. “O aquecimento de alguns produtos nas caldeiras deixou de ser feito com fuelóleo – notoriamente mais poluidor. Começamos a queimar gasóleo e já estamos numa transição para o gás. Em termos de eficiência, tudo o que eram processos manuais já são feitos a partir de sistemas digitais automáticos [transição digital aliada à energética]”, salienta.
Após quase 90 anos nas mãos da Shell, o terminal passou para as mãos da Repsol quando esta comprou o negócio luso do gás da Shell, em 2004.
Por falar também na transição digital, o responsável da unidade de abastecimento, operação e logística da Repsol conta que “todos os sistemas estão automatizados” no TLB – ou “semi-automatizado, porque há sempre alguém a acompanhar”.
“Em Sines o seguimento da operação já pode ser feita remotamente – até pode ser através de um telemóvel. Aqui na Banática é algo que ainda estamos a trabalhar para o fazer nos próximos anos”, revela António Albuquerque.
Hoje, o terminal é especializado na receção, expedição e armazenagem de produtos químicos, combustíveis líquidos, betumes asfálticos, lubrificantes e gases de petróleo liquefeitos. Gasóleo e fuelóleo são os mais movimentados e o principal mercado de origem das matérias-primas é Espanha.
“A equação para produzir energia tem sempre uma quota-parte de poluição”, lamenta. O objetivo deve, por isso, ser reduzir ao mínimo indispensável a “componente fóssil”. É nessa lógica que a Repsol aposta nos biocombustíveis – não é a única solução, mas é importante, segundo o gestor que defende a diversificação de fontes energéticas.
O Laboratório
Todavia, não basta querer diversificar nas fontes, há que validá-las. E esse trabalho é feito no laboratório de controlo de qualidade da Repsol, alojado no TLB. António Albuquerque apresenta-nos a Rosa Veiga, responsável pelo laboratório e por uma equipa de três pessoas que todos os dias asseguram a qualidade dos produtos da petrolífera – não só os armazenados na Banática mas também os que chegam a Sines, sobretudo no que respeita aos biocombustíveis.
Rosa Veiga mostra-nos o laboratório. Está bem apetrechado de equipamentos, estando bem visíveis dezenas de garrafas e outros frascos de vidro com amostras de combustíveis e outros líquidos, desde o diesel, as gasolinas 95 e 98 ou agrodiesel produzidos pela Repsol até aos resultados de experiências com FAME (biodisel) e com biocumbustível HBO (“um produto sintético, que não cumpre a especificação do gasóleo, mas que é feito e produzido de maneira a que quando misturado com gasóleo fica indelével, incapaz de se distinguir as moléculas de um e do outro”, segundo a especialista).
“O que nós fazemos é maximizar os produtos até que se mantenham as características técnicas na incorporação de biocombustíveis”, afirma Rosa Veiga.
António Albuquerque explica-nos que a equação energética do país é o que se tem de ter em mente quando o tema é a transição energética. Seja o TLB ou outra operação, o gestor explica que a descarbonização a 100% não ocorrerá. O que é possível é “compensar” a produção e o consumo energético, para mitigar a poluição. “Seja combustível ou eletricidade”, o gestor crê que se devem evitar paradoxos energéticos (poluir na distribuição o mesmo que se poupa na produção, ou vice-versa). No caso do TLB, o gestor atira: “Podemos fazer uma distribuição a partir da Banática que pode ser uma substituição à distribuição da CLC [Companhia Logística de Combustíveis]”.
“A história deste terminal é o exemplo da evolução e adaptação às novas realidades energéticas”, diz.
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