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Portugal é o país europeu com menos mulheres na administração de bancos, de acordo com uma análise da DBRS Morningstar. A banca nacional tem apenas 23% dos assentos dos boards ocupados por gestoras, um valor abaixo da média europeia de 37%. Uma situação que tem vindo a melhorar, mas ainda há muito caminho por fazer, como explicaram ao Dinheiro Vivo especialistas em corporate governance.
A baixa taxa de paridade de género nos cargos de topo do setor financeiro é um problema transversal a vários países europeus. Como explicou Maria João Guedes, “a banca é um setor que está sujeito a inúmeras regras e regulamentações. Uma das que destaco é a avaliação de adequação (fit and proper) que valoriza a experiência prévia para desempenhar o cargo. Ora, no passado as mulheres assumiram menos cargos de topo na banca e por isso têm menos experiência em tal matéria”, apontou a professora do ISEG. Porém, a docente de cadeiras de Corporate Governance e Finanças Empresariais salientou que “existem muitas mulheres competentes, é apenas uma questão de fazer uma seleção mais alargada e procurar a pessoa certa para a nomeação”.
Olhando para os números concretos de Portugal, relativos a 2021, Charlotte Cervin destaca que nos últimos anos “os bancos portugueses melhoraram a representação de género, uma vez que em 2014 as mulheres somavam menos de 10% dos membros do conselho de administração”, disse ao Dinheiro Vivo a analista sénior de Instituições Financeiras Europeias da DBRS Morningstar. Uma tendência que tem vindo a ser registada no Velho Continente, em grande parte devido às leis de quotas que muitos países têm adotado.
Atualmente, a média europeia de gestoras nos conselhos de administração é de 37%, uma melhoria face aos 35% alcançados em 2020 e aos 32% em 2019, e um salto significativo comparando com os 22% em 2014. Os países nórdicos estão no topo do ranking, nomeadamente os bancos dinamarqueses que têm 55% de mulheres nos conselhos de administração e os noruegueses 50%. A cauda da lista, além de Portugal, é ocupada pela Alemanha, com 29%.
Passos tímidos
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A baixa taxa de diversidade de género é maior ainda quando se trata de cargos executivos. Um número agravado tendo em conta os lugares de CEO. Dos 43 bancos analisados pela DBRS, apenas cinco dos cargos de presidência executiva são do sexo feminino. Os lugares em causa são do norueguês DNB, do sueco Handelsbanken, dos britânicos NatWest e Nationwide e do Bank of Ireland.
Mas neste campo, e apesar de não ter nenhuma mulher no cargo de CEO de um banco, Portugal não está nos últimos lugares. “Os cargos de liderança executiva em Portugal aproximam-se da média europeia em 2021 com 23% dos cargos de liderança executiva ocupados por mulheres, ligeiramente abaixo da média de 26%”, detalhou Charlotte Cervin.
Segundo a analista sénior da DBRS, o aumento da representação feminina em todos os níveis de gestão é o resultado das políticas que os bancos portugueses têm assumido, seguindo o ponto 5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU que visa melhorar a igualdade de género. “Isto levou instituições financeiras como o Banco Montepio a aumentar a representação no Conselho de cerca de 15% no ano fiscal de 2020 para 58% após a nomeação do novo Conselho de Administração em julho de 2022, e paridade ao nível da equipa executiva”, apontou a responsável da DBRS que para a análise em questão teve em conta os dados do BCP, CGD e Novo Banco.
De forma geral, avaliando o universo da banca portuguesa como um todo, Charlotte Cervin aponta que as melhorias observadas na diversidade “não foram apenas ao nível do género, com os bancos portugueses também a apostarem no aumento da diversidade em termos de experiência profissional, internacional, idade e competências”.
Por usa vez, Nuno Farinha acrescenta que a evolução que tem sido verificada, “com progressos mais lentos em Portugal”, foi impulsionada pela implementação em 2017 da lei que impõe quotas de género. Como explicou o professor da Universidade do Porto, a legislação nacional obriga as empresas cotadas e do setor empresarial do Estado, sob pena de aplicação de multas, a manterem um rácio mínimo (33,3%) de participação do género feminino nos boards. O problema? “O escasso e tendencialmente decrescente número de empresas cotadas em Portugal não permite um alcance muito abrangente dessa medida, havendo só atualmente um banco cotado na bolsa portuguesa”, acrescentou, referindo-se ao BCP. No caso do Estado português, o especialista em corporate governance refere que “o escasso número de instituições financeiras por si controladas também acaba por não influenciar de forma muito decisiva o comportamento da generalidade do setor financeiro nacional”. No entanto, aponta que “a CGD é, dentro dos principais bancos a operar em Portugal, aquele que reivindica a maior percentagem de mulheres (superior a 60%) em relação aos colaboradores totais”. Mas, mesmo assim, “apresenta atualmente um rácio ainda relativamente reduzido de mulheres no Conselho de Administração (6 em 17, ou seja, 35%, muito abaixo dos 60% atrás indicados) e nunca teve um CEO do género feminino”, recordou. Só este ano, através da nomeação de Maria João Carioca, é que o banco público passa a ter pela primeira vez uma administradora financeira.
Aliás, como recordaram alguns dos especialistas, para exemplificar que a evolução da banca nacional nesta temática é recente, só em 2012 o BCP, banco que nasceu envolto na polémica de não contratar mulheres, teve a primeira administradora executiva na sua história. Ou seja, o caminho tem sido feito nos últimos anos, mas é preciso fazer muito mais, alertou Duarte Pitta Ferraz. De forma a mudar a atual situação, o professor de Governance e Banca na Nova SBE sugere que a atual lei nacional seja mais abrangente, como é na Europa. “O passo da criação desta legislação foi bom, mas é tempo de rever a lei”, defende.
Uma linha de pensamento seguida também por Nuno Farinha que aproveita para sublinhar que o Parlamento Europeu aprovou em novembro último a adoção de regras na União Europeia para que a percentagem mínima de mulheres nos boards passe para 40% nas empresas cotadas a partir de 2026. “Mas apenas com um desenvolvimento mais significativo e rápido do mercado de capitais português (atualmente bastante improvável) poderia haver um impacto direto da legislação existente”, lamenta.
Todos os especialistas destacaram as vantagens que a diversidade, não só de género, mas de idades, formação de base e nacionalidades, pode trazer para as empresas. E uma das conclusões da análise da DBRS prende-se precisamente com o facto de a diversidade de género ser maior em bancos com classificações de rating mais altas. “Certos estudos apontam para uma percentagem mínima de 30% de género feminino que permitiria um impacto positivo no desempenho das empresas”, revelou Nuno Farinha. Mas avisa que “esse incremento não poderá ocorrer em prejuízo de uma lógica de mérito cuja presença será essencial para assegurar um bom desempenho empresarial e mesmo para a reputação e acolhimento de planos e medidas de igualdade de género”, acrescentou, sublinhando ainda que a reduzida participação do género feminino nos boards nacionais “não é algo exclusivo, nem especialmente mais notório, na banca”. Segundo um estudo anterior à entrada em vigor da lei das quotas, a percentagem de mulheres nos conselhos de administração de cotadas em Portugal era de cerca de 11%, sendo a maioria dos setores em questão não financeiros.
Voltando ao caso concreto da banca, Maria João Guedes explica que as instituições financeiras “que têm mais mulheres nos seus boards beneficiam de uma maior diversidade de ideias, talentos, backgrounds, entre outros, e isto é valorizado pelos investidores”. Nesse sentido, a docente do ISEG aponta que “uma boa prática de gestão é nomear as mulheres certas para os cargos e não o fazer apenas por razões simbólicas”, isto porque “ainda se nota que as mulheres são sobretudo nomeadas para cargos não executivos e continuam mais distanciadas do poder efetivo”. Ou seja, “os bancos não se podem dar ao luxo de não nomear mulheres, sob pena de destruir valor a prejudicar os acionistas”, avisou. E relembrou a famosa frase de Christine Lagarde, em 2018 quando era diretora-geral do FMI, sobre a predominância masculina no mundo da banca e o colapso do Lehmon Brothers: “Se fosse Lehman Sisters, o mundo seria muito diferente hoje”.
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