O bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires, explica porque defende a criação de um Fundo Sísmico. E até acha o valor proposto pela Associação Portuguesa de Seguradores ao governo curto, em caso de catástrofe.
Qual a posição dos engenheiros sobre este projeto, que a Associação Portuguesa de Seguradores já levou ao governo, mas parece estar difícil de arrancar?
A constituição do Fundo Sísmico que as empresas Seguradoras propõem ao governo é uma medida que obviamente tem lógica e enquadramento, sobretudo se tivermos em conta o diagnóstico apresentado (em cerca de 6 milhões de habitações, apenas 3,2 milhões estão cobertas por seguros de incêndio ou multirriscos, das quais apenas 16% têm cobertura para risco sísmico), o que é altamente preocupante, pois aqueles que se sentem seguros e têm apólices para o efeito, podem ser afetados por situações confinantes que não têm qualquer cobertura.
Sucede que, mesmo nos casos em que existem apólices individuais ou coletivas (caso dos condomínios em que é obrigatória), os valores seguros encontram-se, na maior parte dos casos, desatualizados ou caducados por falta de pagamento de prémios, e não asseguram a cobertura dos danos totais ou parciais do ativo.
Assim, para além da necessidade de reforço da legislação existente visando a obrigatoriedade sempre que existam situações confinantes e sancionando os prevaricadores, permito-me questionar o valor adiantado para este fundo que, segundo os media, será de 8 mil milhões de euros, porquanto desconheço quais os critérios para a fixação deste valor, sendo que me parece insuficiente no caso de um evento de grande dimensão e elevado grau de destruição.
Num exercício muito simplista, tal valor corresponde a pouco menos de 9 mil euros/fogo dos cerca de 900 mil que atualmente têm cobertura, o que para pouco ou nada servirá.
Tecnicamente, qual é o risco real do país, nomeadamente de Lisboa – onde se conhece haver maior probabilidade de um grande sismo?
Portugal, na maior parte do seu território continental e insular (sobretudo da Região dos Açores), está altamente exposto a eventos sísmicos que ocorrem e são sentidos com frequência, sendo que, pela conjugação de diversas circunstâncias, o mais destruidor foi o de 1755. Lisboa e o vale aluvionar do Tejo, bem como o Algarve, são localizações mais expostas, o que não quer dizer que outras também não tenham perigosidade.
Esta é uma realidade incontornável, pelo que a probabilidade de ocorrência de um ou mais eventos sísmicos causadores de grande destruição, acompanhados ou não por tsunamis, é muito elevada. Os portugueses, como a maior parte de povos que vivem em zonas de risco, são tentados a pensar que estes eventos só acontecem nos outros países, pelo que importa desenvolver campanhas de informação e sensibilização para essa fatalidade.
Recentemente, o que constitui um bom exemplo, em Cascais foi instalada uma sirene para aviso de tsunamis, o que hoje, graças às tecnologias, é possível prever com alguma antecipação, o que já não sucede com a sua causa, que são os sismos.
A reabilitação que tem sido feita de cidades como Lisboa ou Porto tem tido o cuidado de reforçar as estruturas na vertente antissísmica?
Há de tudo um pouco. Os investidores que procuram a qualidade e a perenidade dos investimentos, sobretudo porque também têm maior dimensão, acautelam estes aspetos e rodeiam-se de engenheiros que não os descuram, ou seja, a reabilitação incorpora a avaliação do risco e soluções estruturais que garantam resistência aos sismos. Existem outros que procuram o lucro rápido e fácil e apenas procedem a operações de cosmética que criam valor acrescentado unicamente por razões estéticas.
A não existência de uma “ficha técnica” do ativo, onde esteja espelhada a intervenção estrutural e a garantia de segurança, permite que, em caso de avaliação, no limite, todos estejam equiparados, pelo que o consumidor poderá estar a ser induzido em erro quanto à perenidade e valor do bem que vai ou que já adquiriu.
Aliás, para uma avaliação séria, esta informação deve ser fundamental, porque não percebo como se consegue avaliar o que não se conhece em profundidade, num quadro em que operam cerca de 7.000 transacionadores imobiliários legalmente reconhecidos.
Recentemente foi revogado o Decreto-Lei n.º 53/2014, de 8 de abril, que aprovou um regime excecional e temporário para a reabilitação de edifícios e que os dispensou da aplicação de uma série de normas técnicas da construção, nomeadamente no que respeita ao reforço sísmico, o que pode ser uma boa medida. Desconhecemos, contudo, qual o conteúdo e exigências do novo diploma que estabelece o regime aplicável à reabilitação de edifícios ou frações autónomas, criando condições para que a reabilitação do edificado passe de exceção a regra e se torne na forma de intervenção predominante.
Que medidas deveriam, em sua opinião, ser tomadas para evitar uma catástrofe de piores consequências?
O Estado tem a obrigação de incorporar nas suas prioridades e a todos os níveis a possibilidade da ocorrência de um sismo com elevado grau de destruição, de forma que os cidadãos e demais atores interiorizem essa inevitabilidade. A educação e a informação permanente deverá ser um desígnio.
Depois, dado o envelhecimento do parque habitacional, em que uma grande parte do edificado é anterior à obrigação de cálculo de estruturas antissísmicas, todas as obras de reabilitação e todo o edificado novo terá de ter em conta essas exigências.
Para esse efeito, conforme temos defendido, qualquer obra de reabilitação urbana, que não seja de mera conservação, deverá obrigatoriamente ter como responsável um engenheiro civil que detenha conhecimentos adequados, porquanto nenhum outro profissional tem condições efetivas e legais para o poder fazer.
A já referida “ficha técnica da estrutura do edifício”, onde fique perfeitamente explícita a sua capacidade resistente aos sismos e as solicitações e demais condicionantes que foram consideradas nos cálculos e a sua conformação com a legislação, permitirá certificar a sua qualidade, garantir a confiança da Sociedade e acautelar os interesses dos consumidores.
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