//Calçado procura ‘abrigar-se’ da tempestade que se avizinha

Calçado procura ‘abrigar-se’ da tempestade que se avizinha

Ministro do Planeamento visitou empresas na feira de calçado em Milão e ouviu mensagens de preocupação. Ao pedido de contenção no salário mínimo avançado por um empresário, Nelson de Souza respondeu que este é um caminho que é para seguir em frente.

Os primeiros sinais de alerta surgiram em 2018, quando, após uma década a bater recordes sucessivos, as exportações recuaram 3%, e reforçaram-se com o arranque de 2019 sempre em terreno negativo. Com sete meses já apurados, a indústria de calçado cai 7,9% e perde 94 milhões face a igual período do ano passado, fruto, sobretudo, das quebras em mercados determinantes como França e Alemanha. Luís Onofre, presidente da APICCAPS – Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos, fala numa “tempestade de acontecimentos negativos” e alerta para os “tempos difíceis” que aí vêm.

“O mundo mudou muito. Estamos perante uma tempestade de acontecimentos negativos, o Brexit, a economia europeia a decair, tudo nos afeta. Isso assusta-nos, mas já passamos por tempos piores, temos que ter força para a enfrentar”, sublinha. A solução é investir, apostando em novas tecnologias, na formação, na captação de jovens para a indústria. E, claro, há que ter “muita resiliência e força” para enfrentar “os tempos difíceis que aí vêm”.

Luís Onofre falava aos jornalistas à margem da visita do ministro do Planeamento às 81 empresas portuguesas presentes na Micam, a maior feira de calçado do mundo, que este domingo arrancou em Milão e se prolonga até quarta-feira. E não se esqueceu de pedir ao Governo que inclua nos seus planos de futuro apoios para o sector. “Vamos ter que gastar muito dinheiro no marketing, acima de tudo a promover o nosso calçado”, defende.

Dos empresários que visitou, Nelson de Souza ouviu mensagens de preocupação, designadamente com as alterações de mercado introduzidas pelo e-commerce, mas, também, pela pressão imobiliária nos centros urbanos europeus, que estão a levar ao desaparecimento de centenas de pequenas sapatarias. E há ainda quem alerte para a contenção salarial em nome da competitividade internacional.

Rui Oliveira, da Mata, empresa de Ovar, apelou ao Governo para que “tenha em atenção a pressão que tem sido exercida” com o aumento do salário mínimo nacional. “Somos uma indústria de mão-de-obra intensiva e esta questão preocupa-nos muito. Estamos no limite da nossa competitividade”, disse, sublinhando que, no seu caso pessoal, até “acrescenta muito valor” ao calçado que produz, para um cliente de gama alta, e que já mecanizou praticamente todas as operações possíveis no processo produtivo.

Nelson de Souza não foi sensível ao tema, sugerindo, apenas, que é preciso procurar soluções “pragmáticas”, porque, este é um caminho “que é para seguir”, diz. “A nossa ambição é termos um Portugal mais qualificado, que acrescente mais valor à sua produção, é uma dinâmica onde criando-se valor se consigam pagar melhores salários. Eu julgo que isso tem sido conseguido porque crescimento do salário mínimo não tem sido conseguido à custa da redução do emprego, mas, antes pelo contrário, tem sido acompanhado por uma dinâmica de forte criação de emprego. De emprego mais estável, menos precário”, frisou.

Luís Onofre alerta o perigo de se perderem clientes. “Estamos plenamente de acordo que os salários aumentem desde que haja um compromisso também de competitividade. Inevitavelmente teremos que aumentar o preço dos nossos produtos e os clientes não estão a aceitar isso”, afiança. O presidente da APICCAPS e líder da Confederação Europeia do Calçado levanta ainda a preocupação com a desigualdade no acesso aos mercados. “Se eu quiser mandar sapatos para o Brasil ou para a China são taxados a 50 e 60% ou mais. Enquanto que o calçado proveniente desses países chega à Europa quase a custo zero. Há aqui uma desigualdade muito grande”, lamenta, prometendo abordar o tema na próxima reunião da Confederação Europeia.

Nelson de Souza assume que a tarefa é “difícil”, mas que o Governo vem acompanhando de forma atenta, quer através do Ministério da Economia quer dos Negócios Estrangeiros. “Portugal deve reclamar e tem-no feito em sedes apropriadas um comércio mais leal, mais justo e mais equitativo. A Europa tem uma política de portas abertas e como tal tem condições de exigir, e deve-o fazer de forma sistemática e vigorosa, que tenha o mesmo tratamento nos vários mercados, seja na América do Norte e do Sul ou na Ásia”, afirma.

*A jornalista viajou a convite da APICCAPS

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