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Quando assumiu o cargo de presidente do Conselho de Administração da TAP, em junho de 2021, ignorou as vozes que o alertavam para os riscos de aquela ser uma “empresa pública, politizada e mediática”. Mas, após um telefonema do ministro das Infraestruturas, João Galamba, no passado dia 6 de março, por volta das 10h, a informar sobre a sua destituição, Manuel Beja não tardou em sentir na pele o efeito da “conveniência político-partidária”, admitiu o chairman da companhia aérea, esta terça-feira presente no Parlamento para prestar esclarecimentos no âmbito da comissão de inquérito à TAP.
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Em resposta à deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, o ainda administrador da transportadora confessou não ter sido consultado sobre a sua exoneração – ao contrário do sucedido com a presidente executiva, Christine Ourmières-Widener -, tendo recebido a notícia através de um telefonema por parte daquele ministro, “sem qualquer referência” ao tema da justa causa, no mesmo dia da conferência de imprensa em que Fernando Medina anunciou ao país a sua demissão. Manuel Beja considerou a decisão do executivo “injustificada”, podendo apenas ter sido motivada pela “conveniência político-partidária”.
De recordar que o chairman e a CEO da companhia assinaram o acordo de saída da ex-administradora Alexandra Reis, que implicou o pagamento de uma indemnização de meio milhão de euros, o qual a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) considerou ilegal. Após ser conhecido o relatório, o governo optou por exonerar os dois responsáveis, no dia 6 de março, alegando justa causa. Em sentido oposto à gestora francesa, o responsável indicou que não vai contestar a decisão.
“Saída de Alexandra Reis poderia e deveria ter sido evitada”
Os problemas que “afetam o bom funcionamento da TAP” já existiam – a saída da antiga administradora, Alexandra Reis, apenas “contribuiu para os evidenciar e agravar”, apontou o presidente do Conselho de Administração da companhia aérea portuguesa, durante a sua intervenção inicial, garantindo que tal resolução “poderia e deveria ter sido evitada”.
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“Foi uma decisão com a qual discordei e tentei evitar, mas não cumprir a decisão do acionista poderia ser considerado uma quebra de lealdade da minha parte, além de que a minha recusa não impediria a saída de Alexandra Reis, porque a assinatura de quaisquer dois administradores seria suficiente”, explicou Manuel Beja.
O chairman, que até ao dia de hoje se manteve em silêncio, assegurou que a saída de Alexandra Reis resultou da vontade de Christine Ourmières-Widener, a quem coube a escolha da sociedade de advogados e a articulação com o governo: “A administradora saiu da empresa por decisão do acionista, depois de uma iniciativa tomada pela presidente da Comissão Executiva.”
O responsável deu conta de que, por trás desta decisão, esteve uma “tensão crescente e divergências”, que estão, inclusive, documentadas. No entanto, considerou que tais tópicos não colocavam em causa a “execução do plano de reestruturação” levado a cabo pela transportadora, e que as razões invocadas não eram justificativas.
Beja afirmou ter procurado “ativamente estabelecer pontes de entendimento” entre as duas responsáveis, assim como “chegar à fala” com Pedro Nuno Santos, o à altura ministro das Infraestruturas, a propósito da almejada distribuição de pelouros do Comissão Executiva – com vista “ao esvaziamento das funções de Alexandra Reis” – porém, sem sucesso.
O presidente da TAP disse ainda não ter tido conhecimento dos e-mails trocados entre a gestora francesa e o acionista, sabendo apenas da evolução das negociações a 25 de janeiro. “Tentei falar quatro vezes com Pedro Nuno Santos, manifestei o meu desagrado ao secretário de Estado Hugo Mendes. Mas para mim era completamente claro que eu não era o decisor”.
“Princípio da não interferência foi substituído pelo controlo”
A estadia na cadeira do presidente foi curta, mas o tempo foi suficiente para Manuel Beja criar uma opinião acerca das dinâmicas da empresa: “O exercício da tutela política começou muito bem, mas perdeu o norte ao longo do caminho. O tempo foi diluindo as boas intenções e o princípio da não interferência foi sendo substituído pelo controlo”, afirmou o responsável.
Durante a sua intervenção inicial, o chairman explicou que os “administradores foram escolhidos com base em fatores de competência e independência”, por uma empresa especializada em recrutamento, tendo elogiado as decisões do executivo, bem como a sua atuação em tempos de pandemia.
Contudo, mais tarde, o mesmo responsável admitiu falhas. “Qualquer tema que pudesse ter repercussão mediática tinha de passar pelo crivo do ministério” – das Infraestruturas ou Finanças -, dando como exemplo a relação entre a tutela e os sindicatos e os comunicados de imprensa, que ultrapassavam as competências da Comissão Executiva e do Conselho de Administração da companhia aérea.
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