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Uma possível reencarnação do Lehman Brothers está a causar receios de uma crise financeira global semelhante à de 2008, desde que as autoridades norte-americanas decretaram o encerramento do 16.º maior banco dos Estados Unidos e principal credor de startups tecnológicas. O Silicon Valley Bank (SVB) colapsou na passada sexta-feira e, consigo, levou atrás o nova-iorquino Signature Bank, que fechou ontem portas – ainda que temporariamente -, depois de os reguladores alertarem que a estabilidade do sistema financeiro poderia estar em causa se a instituição permanecesse aberta. O efeito dominó poderá não ficar por aqui, já que o risco de contágio a nível mundial “é imenso”, alega Vítor Madeira, analista da XTB, em entrevista ao Dinheiro Vivo.
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Estando, aos dias de hoje, todas as instituições bancárias interligadas, torna-se evidente que “a falência de um banco mexa com o capital de outros”, justifica o especialista. Soma-se ainda a repercussão destes acontecimentos no psicológico das famílias e empresários, que, movidos pelo medo, facilmente poderão iniciar uma corrida pelos seus depósitos e investimentos, causando “ainda mais pressão sobre o setor”.
Segundo Vítor Madeira, não faltam razões para ter receios: “Temos de ter noção que em, contexto de inflação alta, subida agressiva das taxas de juro e abrandamento económico, estas são claramente situações que criam instabilidade e receio em relação ao futuro económico. Se a isto adicionarmos os problemas por parte do sistema bancário, os riscos de algo muito mau acontecer aumentam.” Para Portugal, concretamente, o sucedido serve de inequívoca mensagem para recordar que se os bancos a operar no país “não estiverem capitalizados o suficiente” e as taxas diretoras do Banco Central Europeu (BCE) continuarem a subir, estes ficarão cada vez mais “expostos a situações de risco”.
“Os americanos podem confiar na solidez do sistema bancário, os vossos depósitos estarão disponíveis quando necessitarem deles.” – Joe Biden, presidente dos EUA
Assim, e com a falência do SVB a fazer soar sirenes em quase todo o mundo, um travão na subida das taxas de juro por parte dos bancos centrais deixa de ser uma miragem para passar a ser uma “forte possibilidade”, garante o mesmo responsável, recordando que a inversão da política monetária foi precisamente um dos fatores que levou a que as empresas financiadas pelo Silicon Valley Bank recorressem a mais crédito para fazer face aos problemas de liquidez de curto-prazo e, consequentemente, o que fez com que a própria instituição necessitasse de mais fundos para poder emprestar. Nesse sentido, o banco desfez-se de 21 mil milhões de dólares que tinha aplicado em Obrigações do Tesouro (OT), de modo a colocar liquidez à disposição das companhias. A decisão provocou reações por parte de outras entidades e investidores, fazendo com que o pânico se instalasse e os depositantes fossem, em catadupa, resgatar os seus depósitos.
Zona euro protegida?
Apesar de encarar como “naturais” os receios desencadeados pela falência do Silicon Valley Bank, especialmente por parte dos que estão mais expostos ao setor bancário, Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, diz não antever repercussões preocupantes na zona euro, nem muito menos em Portugal, uma vez que o mercado monetário não corrobora a apreensão dos investidores, mesmo que, eventualmente, “existam mais instituições financeiras de pequena dimensão e com a mesma especificidade em dificuldades”. O especialista chama a atenção para o facto de o Silicon Valley Bank ter investido parte dos depósitos dos clientes em OT e, em 2022, “a enérgica política monetária restritiva encetada pelos bancos centrais ter penalizado significativamente” este produto, tendo tido as Obrigações do Tesouro “um dos piores desempenhos dos últimos 80 anos”.
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A “serenidade nas perspetivas para as próximas semanas” é ainda alimentada pela expectável desaceleração do ritmo de aumento das taxas de juro, nomeadamente por parte da Reserva Federal dos Estados Unidos (FED). “Este abrandamento poderá mitigar as atuais dificuldades nos pequenos bancos, em grande parte impulsionadas pela subida dos juros para travar a inflação mais elevada das últimas décadas”, acrescenta Paulo Rosa.
Ainda no domingo, o Goldman Sachs publicou uma nota na qual também referia que a FED já não deverá subir taxas de juro na semana que vem por causa desta nova crise. Quer primeiro esperar para ver o tamanho dos danos.
Ato contínuo, também já há analistas a dizer que o BCE pode ter de refletir melhor e entrar num novo debate sobre se é razoável continuar, pelo menos nos próximos tempos, com subidas de taxas de juro de grande magnitude, como o aumento de 0,5 pontos percentuais previsto e confirmado para a próxima quinta-feira.
“O sistema europeu está muito mais robusto, desde a crise financeira (2008) e, por isso, as duas realidades não são comparáveis, é preciso lembrar os passos muito importantes que foram dados a nível europeu.” – Fernando Medina, ministro das Finanças
Quem também afasta um cenário de contágio deste fenómeno é Fernando Medina. O ministro das Finanças português garantiu ontem, à entrada da reunião do Eurogrupo, que o sistema europeu “está muito mais robusto desde a crise financeira” de 2008 e que, por esse motivo, “as duas realidades não são comparáveis”. O governante defendeu que “a supervisão financeira da moeda única tem regras mais apertadas e maiores exigências de capital” desde aquela altura, recordando ainda que a zona euro procedeu a uma “separação da atividade bancária de outro tipo de atividades que introduziam maior risco na atividade bancária, o que dá uma garantia muito grande relativamente à robustez dos nossos sistemas financeiros”.
Questionado sobre o impacto concreto que o colapso do SVB poderá vir a ter no espaço europeu, Fernando Medina desvalorizou, referindo que em causa está “um caso de um banco regional, muito especializado” – e com o qual as próprias “autoridades norte-americanas lidaram rapidamente e em força”.
Paolo Gentiloni, comissário europeu para a Economia, apontou mesmo não existir “qualquer contágio direto” para o sistema bancário do continente e que um impacto indireto é uma hipótese a ser vigiada – “mas, até agora, não há qualquer risco significativo”, rematou.
De recordar que, desde aquela que ficou conhecida como a “crise dos subprimes“, tanto em Portugal, como na Europa, os bancos são obrigados a ter depositado no BCE cerca de 10% do valor total dos depósitos dos aforradores, para terem almofadas de liquidez de elevada qualidade. As regras mudaram também no que ao risco de perda de fundos depositados diz respeito: em caso de insolvência de uma instituição de crédito, os montantes aplicados em depósitos estão protegidos até ao montante máximo de 100 mil euros, por instituição de crédito e por depositante.
Biden garante segurança
Após ter sido declarada a falência do Silicon Valley Bank e o encerramento do Signature Bank, o presidente dos Estados Unidos assegurou que “o sistema bancário está seguro”. Durante uma conferência de imprensa na Casa Branca, Joe Biden reiterou que os “americanos podem confiar na solidez do sistema financeiro” e que os seus depósitos “estarão disponíveis quando precisarem deles”.
O democrata disse ainda que os contribuintes não serão responsáveis pelas perdas de uma falência bancária, apelando ao Congresso para “reforçar” a regulação do setor – isto porque “na antiga administração, de Donald Trump, foram eliminadas regras do sistema”, explicou Biden, apontando que essas alterações terão levado ao colapso do SVB e ao encerramento temporário do Signature Bank.
Relativamente ao futuro das administrações dos dois bancos, o presidente norte-americano anunciou que serão demitidas e que não terão direito a indemnização alguma.
Nos EUA, já faliram três instituições financeiras (SVB e duas casas de investimento ligadas ao negócio de criptomoedas, FTX Crypto e Silvergate) foi encerrado o Signature Bank, na sequência do colapos do SVB.
Perdas nas bolsas de toda a Europa
As quedas dos títulos do setor bancário determinaram ontem o fecho das bolsas europeias em baixa acentuada.
Em Lisboa, o PSI perdeu 2,15% para 5896,08 pontos, com o BCP, único banco do índice, a liderar as quedas, ao recuar 7,39%, para 0,21 euros.
Das 15 cotadas que integram o PSI, 13 desceram, só uma subiu, a EDP Renováveis (0,30% para 20,15 euros) e uma ficou inalterada (a REN, em 2,52 euros).
No resto da Europa, as descidas foram mais fortes, com Londres a perder 2,58%, Paris 2,90%, Frankfurt 3,04%, Madrid 3,51% e Milão 4,03%, espelhando os receios quanto ao sistema bancário, após o colapso na sexta-feira do banco norte-americano SVB e de dificuldades em outras instituições bancárias regionais dos Estados Unidos.
Na bolsa de Frankfurt, o Commerzbank caiu 12,71% e o Deutsche Bank cedeu 4,87%.
Em Londres, o HSBC, que comprou a sucursal britânica do Silicon Valley Bank (SVB) por uma libra, caiu 4,13% e o Barclays desceu 6,31%.
Com Salomé Pinto e Luís Reis Ribeiro
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