//Comboios turísticos dependem de parcerias com privados para crescer

Comboios turísticos dependem de parcerias com privados para crescer

Não há pandemia que trave o interesse dos portugueses pelos comboios turísticos. No Douro, as carruagens centenárias estiveram em risco de não circular neste verão mas a CP – Comboios de Portugal foi obrigada a prolongar as viagens até ao início de outubro. Mas são necessárias parcerias com privados para que estes comboios cheguem a mais regiões do país e conquistem turistas estrangeiros.

“Faria sentido estas iniciativas da CP terem outra escala. Temos de promover internacionalmente estes produtos”, defende a secretária de Estado do Turismo, Rita Marques. “De uma vez por todas, temos de privilegiar a ferrovia” face aos outros meios de transporte, refere a responsável em declarações ao Dinheiro Vivo.

Rita Marques viajou na semana passada pelo Douro, onde se encontra a linha mais explorada para os turistas. O Comboio Histórico do Douro circula entre a Régua e o Tua desde o início de agosto com uma locomotiva a vapor e a gasóleo a puxar carruagens centenárias.

É a “mística” do “fuminho preto” que põe Luís Veríssimo a viajar pela primeira vez neste comboio. “As paisagens do Douro vinhateiro são muito bonitas e as pessoas vão todas à janela”, destaca ao Dinheiro Vivo este turista da Lousã, que viaja com mais dois familiares.

Sempre a segurar a máquina fotográfica, Sofia Costa volta ao património da Unesco com outro olhar. “Com o comboio temos a oportunidade de ver as paisagens de um lado e do outro. O carro não permite tantas paragens por causa do trânsito e está limitado a quatro pessoas”, assinala a turista de Lisboa, que segue a bordo com mais duas amigas.

O “histórico” circula com condições especiais este ano. Há seguranças a bordo para garantir que “os passageiros não entram na locomotiva e têm de estar com máscara”, lembra o maquinista, Miguel Marques. Os tripulantes fazem testes semanais à covid-19 porque é impossível usar máscara a bordo da locomotiva a vapor de 1925. Os lugares estão limitados a dois terços da lotação.

A viagem histórica é adoçada com rebuçados da Régua, cantares tradicionais da região, um brinde com vinho do Porto, duas paragens para apreciar os azulejos na estação do Pinhão e ainda uma visita ao centro interpretativo do Tua.

Também nesta linha circula, desde julho, o MiraDouro. As carruagens Schindler, da década de 1940, têm janelas que podem ser abertas para contemplar a paisagem entre o Douro e o Pocinho. A taxa média de ocupação deste comboio tem superado os 50%, indica fonte oficial da CP.

Marco de Canaveses é uma das paragens do MiraDouro e levou mesmo este município “a trabalhar numa estratégia de marketing associada à igreja de Siza Vieira e também ao museu de Carmen Miranda”, refere a autarca, Cristina Vieira. Filha e irmã de ferroviários, a responsável entende que “é preciso investir no comboio turístico” e que “há linhas associadas ao Douro que devem ser reabertas”, como Tâmega, Corgo, Tua e Sabor.

A secretária de Estado do Turismo destaca que a linha do Douro “tem um potencial extraordinário e, se dependesse do turista, poderia entrar em Espanha”, indo até Salamanca. Rita Marques, contudo, lembra: “estamos condicionados a investimento do lado português e, sobretudo, do lado espanhol”.

Também por iniciativa da CP realizaram-se duas viagens do Vouguinha no último ano. Em dezembro de 2019 e em fevereiro, este comboio a carvão-vapor circulou pela bitola de linha estreita por iniciativa da CP e com o apoio da câmara de Águeda. Se a pandemia o permitir, as viagens serão retomadas em 2021.

Aposta dos privados

Nos últimos anos também surgiram iniciativas de turismo ferroviário de investidores privados. Gonçalo Castel-Branco, que explora o Comboio Presidencial no Douro com um serviço de luxo desde 2016, avisa que “há um risco louco em apostar nesta área, por falta de linhas de investimento” e que “há uma grande dependência das empresas públicas”, CP e IP, donas dos comboios e das linhas ferroviárias, respetivamente. O bilhete mais barato do The Presidential custa 750 euros.

No ano passado, este empresário tinha anunciado o lançamento do comboio Vintage, mais acessível. Só que o plano de recuperação de 70 carruagens da CP, anunciado em meados de 2019, deixou Gonçalo Castel-Branco sem opções para apostar neste serviço no imediato. “O projeto vai avançar, mais cedo ou mais tarde”, confia o empresário, “nem que tenha de comprar carruagens ao estrangeiro” e depois adaptá-las às linhas portuguesas.

Outra experiência de turismo ferroviário por privados ocorreu em outubro de 2017. O grupo Vila Galé fretou uma automotora a gasóleo numa viagem entre Lisboa e a Herdade da Figueirinha, na inauguração de um hotel perto de Beja. A iniciativa implicou mesmo a reativação, por um dia, de um troço ferroviário entre Beja e o apeadeiro próximo da herdade, que tinha sido desativado em 2011.

“O nosso objetivo era promover a cultura alentejana e alertar para o potencial da ferrovia, não só enquanto meio de deslocação para turistas, mas também para a economia nacional. Seria importante estimular o transporte ferroviário, por exemplo, através da eletrificação da linha de Beja ou da reativação da linha entre o Alentejo e o Algarve, estruturante em termos turísticos”, recorda o administrador do grupo Vila Galé, Gonçalo Rebelo de Almeida.

O hoteleiro acredita que o comboio temático do Alentejo poderá ser repetido, tornado “mais recorrente ou até ser alargado para outras regiões, com parceiros como a CP e a IP mas também operadores turísticos especializados”. Este empresário lembra que “é possível ter produtos e experiências turísticas diferenciadoras com base nas viagens de comboio temáticas ou que liguem regiões que até agora não beneficiam ou deixaram de beneficiar de ligações ferroviárias”.

Mais certa no calendário é a estreia do luxuoso Al Andaluz. Este comboio espanhol equivalente ao Expresso do Oriente vai passar pela primeira vez em Portugal em agosto de 2021. Operado pela Renfe (congénere da CP no país vizinho), o Al Andaluz vai circular por quatro dias entre Sevilha e Porto, com passagem pela cidade espanhola de Mérida e pela capital portuguesa. Cada bilhete custa pelo menos 2500 euros.

Durante mais de uma semana, o Dinheiro Vivo tentou ainda contactar o empresário Mário Ferreira para falar sobre o comboio turístico do Tua, anunciado em 2016. A locomotiva e as carruagens fabricadas em Inglaterra estão guardadas em Portugal, já foram testadas, mas nada está em circulação. O dono da Douro Azul não deu qualquer resposta.

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