Novo aeroporto ou pista complementar. Há várias décadas que Portugal debate a extensão da capacidade aeroportuária de Lisboa, um ciclo que deverá fechar-se no final do próximo mês caso a Agência Portuguesa do Ambiente dê luz verde à pista complementar do Montijo. Apesar de o tema parecer quase arrumado, não param os apelos para a realização de estudos mais aprofundados, especialmente, por causa do impacto que a conversão da base militar poderá ter nas populações e avifauna. Partidos, autarquias, associações ambientalistas e grupos de cidadãos anónimos não desistem de apontar diferentes vias para a expansão aeroportuária de Lisboa. Alcochete é a gaveta que a crise fechou em 2011, e que muitos pedem para que se volte a abrir.
Alcochete, o novo aeroporto que a crise travou
Esteve muito perto de avançar. A 10 de janeiro de 2008, o primeiro-ministro José Sócrates anunciava a construção de um novo Aeroporto Internacional de Lisboa. Local: Campo de Tiro de Alcochete. A suportar a ideia estavam dois estudos. Um primeiro que fez saltar o projeto da Ota (outra quase decisão), apresentado pela CIP e que desequilibrou um tabuleiro quase dado como certo.
No estudo encomendado pelos patrões as contas não deixavam margem para dúvidas: optar por Alcochete em vez da Ota permitiria uma redução do custo do aeroporto e do sistema integrado de acessibilidades de 3 mil milhões de euros. Além disso, o prazo de construção seria reduzido em dois anos. Pelas contas da CIP, em 2017 já haveria aeroporto. A opção não tinha sido estudada devidamente e, dizia o Governo, merecia “apreciação mais aprofundada”.
Em junho de 2007, o LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil – avançou para a comparação da OTA com Alcochete. Meio ano depois apontava-se o veredicto: “A localização do novo aeroporto de Lisboa na zona do Campo de Tiro de Alcochete (CTA) é a que, do ponto de vista técnico e financeiro, se verificou ser, globalmente, mais favorável”. O arsenal da Defesa não seria um problema, com o ministério da tutela a indicar que “se o superior interesse nacional assim o determinar, o Campo de Tiro de Alcochete poderá ser utilizado para implantação do novo aeroporto de Lisboa”.
Nesse mesmo ano, Sócrates traçava o plano: “O país precisa de andar para a frente. Precisamos de construir o novo aeroporto rapidamente”. Financeiramente, as novas previsões, afinal, não se afastavam muito da Ota: até 2050, o custo do aeroporto na Ota atingiria os 5,1 mil milhões de euros, enquanto Alcochete ficaria em 4,9 mil milhões de euros. As principais vantagens de Alcochete mediam-se, antes, em segurança, operacionalidade e flexibilidade do aeroporto. Ao nível ambiental, “o Campo de Tiro não põe em causa questões críticas”, advogava o governo socialista.
Já o debate da terceira ponte sobre o Tejo tinha sido feito, e Alcochete começava a sentir fortes movimentações imobiliárias, quando a crise travou o projeto. A 8 de maio de 2010, José Sócrates dava o veredicto: Não haveria ponte, nem aeroporto para acelerar a consolidação das finanças públicas. O adiamento permitiria reduzir o défice orçamental português para 7,3% do PIB nesse ano, contra os 9,4% de 2009. A crise adensou-se e veio a troika. Alcochete não viu a luz do dia.
Portela+1, a solução rápida e barata
Em 2011, com o novo plano estratégico dos transportes, e já Pedro Passos Coelho aos comandos do Executivo, chegava uma esperada notícia: “Os pressupostos em que se baseou a decisão de construir um novo aeroporto na região de Lisboa assentaram numa conjuntura bastante diversa da que hoje vivemos”. O Governo, dizia, assim, que iria “dar orientações para que sejam revistos os pressupostos que serviram de base à decisão de construção do novo aeroporto de Lisboa, dando prioridade à rentabilização da capacidade disponível no Aeroporto da Portela e à introdução de medidas que potenciem a sua capacidade de captação de tráfego”. A ANA-Aeroportos era mandatada a estudar opções de complementaridade, que seriam mais baratas, mais rápidas, e garantiam que a infraestrutura existente poderia manter-se. Nascia, assim, o Portela+1.
Um ano depois, a ANA-Aeroportos passava para a gestão dos franceses da Vinci, a quem eram dados 3 anos para apresentar uma solução para o novo aeroporto. Nesse ano, as notícias apontavam para o limite da capacidade nos 22 milhões, valores que pareciam distantes dos 15 milhões de passageiros que o aeroporto de Lisboa registava. O Montijo começou a surgir como solução. Primeiro num estudo da ANA-Aeroportos, depois num Estudo da NAV, mais tarde por duas outras entidades, a Roland Berger, e o Eurocontrol.
Do Governo de Passos saltou-se para o de António Costa que, apesar de se apontar o dedo ao modelo de privatização da ANA, que dizia “compromete a construção de um aeroporto de raiz financiado por taxas aeroportuárias”, acabou não só por defender o projeto, como levá-lo para a frente.
O passo mais determinante seria dado em janeiro deste ano, quando Costa assinava um memorando de financiamento com a ANA para se definirem os custos: a gestora assumia assim um plano de 1,15 milhões de euros de financiamento que envolve 650 milhões para reorientação do aeroporto de Lisboa, 500 milhões para transformar a base militar numa base civil. Para compensar a Força Aérea e contribuir para as obras para os acessos às duas infraestruturas aeroportuárias estão destinados 156 milhões de euros.
O projeto Portela+Montijo não estará pronto antes de 2022, mas em plena capacidade permitirá aumentar os atuais 34 movimentos do Humberto Delgado para 72 movimentos por hora. Terá taxas mais atrativas para as companhias, e servirá apenas o tráfego ponto a ponto. ANA e Governo estimam que o Montijo tenha uma vida de três a quatro décadas.
Quem diz o quê
Todos os partidos entendem que Lisboa precisa de uma alternativa viável ao Aeroporto Humberto Delgado, mas a localização continua a dividir opiniões. À esquerda do PS, a criação de um novo aeroporto em Alcochete ainda é amplamente defendida, ainda que também haja apoio à dinamização do aeroporto de Beja. A Coligação Democrática Unitária, PCP e Os Verdes, lembra a “crescente urgência da construção faseada de um novo aeroporto internacional no Campo de Tiro de Alcochete”, já o Bloco de Esquerda entende que é preciso estudar mais as implicações deste projeto. O PSD, que tem foi favorável a uma solução Portela+1, agora não exclui Alcochete para onde pede estudos mais aprofundados.
O PS e CDS-PP acabam por ser os grandes defensores desta medida, ainda que o CDS destaque diferenças entre a solução tomada por António Costa e a solução preconizada pela PAF (Coligação Portugal à Frente, do PSD e CDS-PP). Nas autarquias também muito tem sido dito, quase sempre em consonância com a posição do partido mãe. Os autarcas de Seixal, Moita e Setúbal chumbam o Montijo e apontam armas a Alcochete. O autarca do Barreiro reforçou que é importante minimizar os impactos negativos e otimizar os positivos. Já o do Montijo, numa posição enviada à APA, lembrou a necessidade de se desenvolver a rede de transportes da região. A Junta de Freguesia de Alcochete emitiu parecer negativo ao Estudo de Impacte Ambiental do Aeroporto no Montijo e respetivas acessibilidades, mas a autarquia que longo do processo tem vindo a mostrar-se a favor desta infraestrutura, ainda não manifestou publicamente um parecer.
As Associações ambientalistas Zero, GEOTA, LPN, FAPAS, SPEA e A Rocha, que dão nota negativa ao projeto do aeroporto do Montijo e ao Estudo de Impacto Ambiental. A Quercus prefere lembrar que Alcochete teria graves implicações ao nível do ambiente com o abate de milhares de sobreiros. A Ordem dos Engenheiros diz que o Montijo cumpre a necessidade urgente de um aeroporto, mas lembra que o Novo Aeroporto Internacional de Lisboa só pode ser num local: Alcochete.
António Costa diz que o tempo dos estudos já ficou para trazer e reforça recados: Já se esgotaram todos os calendários. Mas o reforça que há um plano B que é, afinal, o Plano A – “Se [o projeto] for chumbado, [a solução Montijo] não será adotada, e será preciso voltar atrás dez anos que é fazer o aeroporto em Alcochete”, disse em abril no Parlamento.
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