//Como é que o vírus da China pode contagiar a economia

Como é que o vírus da China pode contagiar a economia

A cidade chinesa de Wuhan transformou-se no epicentro de um novo e inesperado risco sanitário que está a pôr em xeque a segunda maior economia do mundo e que ameaça contagiar todo o resto do planeta financeiro. A mortalidade do novo vírus é mais baixa do que na epidemia da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), que matou 774 pessoas em todo o mundo entre 2002 e 2003, mas o seu impacto económico está já a ser maior, provocando a paralisia de uma parte significativa do tecido industrial chinês, a suspensão de voos para o país e mesmo encerramento de algumas das suas fronteiras. Empresas e investidores olham com preocupação para o gigante asiático. É que desde o SARS, o peso da China no mundo multiplicou-se por quatro.

Quais foram as primeiras consequências económicas na China?

Wuhan foi o foco da doença: num mercado de animais da cidade o vírus transmitiu-se às pessoas. A localidade contribui com 1,6% do PIB chino. É tanto como a riqueza produzida em Portugal. E é um dos principais núcleos das indústrias automóvel e do aço. O seu impacto chega a outras províncias. Henan, a 500 quilómetros do epicentro, é responsável por 25% das exportações de smartphones chineses em 2019. No seu coração localiza-se Zhengzhou, a ‘cidade do Iphone’. E a Foxconn, o maior fabricante mundial de componentes eletrónicos, tem aí uma megafábrica, que produz metade dos telefones da gigante americana Apple. Os analistas preveem que os serviços e os pequenos negócios vão ser os mais afetado pela retração na procura interna.

Como vai ser afetado o PIB chinês?

Caixin Zhang Ming, economista da Academia de Ciências Sociais da China, citado pelo jornal espanhol Cínco Dias, reconhece que o crescimento do PIB chinês pode baixar pelo menos em um ponto percentual no primeiro trimestre de 2020, num momento em que vivia já uma desaceleração. O banco norte-americano Citi refere que a rápida resposta das autoridades chinesas para travar o vírus irá provocar uma importante quebra na produção industrial. A sua previsão é de que o PIB chinês cresça este ano 5,5%, contra os 5,8% da sua estimativa anterior. O UBS também prevê uma expansão de apenas 5,5%, recordando que em 2003, durante a epidemia do SARS, a economia chinesa crescia a taxas superiores a 10%.

Que impacto terá no crescimento global?

Desde 2003, o peso da China multiplicou-se por quatro: representava 4% do PIB mundial; hoje vale quase 17%. A agência de rating Scope considera que “se o crescimento da China se reduzir mais do o previsto poderá pôr em risco o seu compromisso de comprar 200.000 milhões de dólares adicionais de produtos norte-americanos nos próximos dois anos”, o primeiro passo na recente trégua comercial assinada com Donald Trump, o presidente dos EUA.

Que países são mais vulneráveis ao contágio?

Um estudo recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) concluía que uma descida de 1% del PIB chinês (o número que agora está em cima da mesa) traduzir-se-ia numa retração de 0,3% em Hong Kong, Coreia do Sul e Tailândia e de 0,2% no Japão e Austrália. A transformação da China num país de serviços (o setor terciário equivale já a 54% do seu PIB), impulsionada pelo auge da classe média, expõe países com fortes laços comerciais, como é o caso do Japão, que tem na China o seu segundo maior mercado de exportação. Além de que são chineses um terço dos turistas que recebe. A Moody’s alerta que o impacto do coronavírus no turismo chinês irá contagiar outros países da área Ásia-Pacífico. E a S&P acrescenta que a expansão da epidemia poderá comprometer “a posição orçamental dos governos da Ásia”.

Como é que as multinacionais estão a ser afetadas?
A decisão de Pequim de prolongar os feriados do Ano Novo irá afetar as multinacionais que têm fábricas no país. A Tesla, por exemplo, foi já obrigada a encerrar a sua novíssima megafábrica de Xangai. O fecho de 30 lojas do gigante sueco Ikea ou de 50% da cadeia de cafés Starbucks são apenas alguns dos inúmeros exemplos do impacto da epidemia no volume de negócios e nas contas das empresas estrangeiras.

E como estão a reagir os mercados?
A epidemia está a deixar os investidores à beira de um ataque de nervos. Num cenário de menor crescimento à escala mundial, as Bolsas responderam com quedas, arrastando as ações de empresas mais afetadas pela crise: companhias aéreas e de turismo, as famosas empresas de artigos de luxo, os fabricantes de automóveis e os gigantes produtores de matérias-primas. O petróleo chegou a perder mais de 6% do seu preço, o índice das matérias-primas caiu 5,5% e o da indústria automóvel recuou 4,5%. Não é para menos. A Volkswagen, por exemplo, concentra 40% das suas vendas na China; a companhia mineira brasileira Rio Tinto depende em 45% do mercado chinês e 29% do negócio do banco britânico HSBC é gerado no país do dragão. Os analistas advertem que a reabertura dos mercados financeiros na segunda-feira – estão encerrados desde dia 24 de janeiro – traga uma grande pressão vendedora e muita volatilidade. O banco japonês Nomura espera, porém, uma rápida recuperação em forma de V, logo que epidemia esteja contida e se abram de novo as bolsas do consumo.

E há oportunidades para investir? É o momento de comprar?
O pico máximo de contágio poderá atingir-se nos finais de fevereiro, prevê a gestora alemã Flossbach Von Storch, antecipando um rápido declínio dos casos de gripe até finais de março. Mas se o prognóstico falhar, o banco suíço UBS aconselha a evitar a exposição a setores como o turismo e a adotar um perfil de investimento mais defensivo, apostando em ações de empresas com dividendos elevados, aproveitando a descida dos preços para recompor carteiras de longo prazo. “Descidas significativas nos preços podem proporcionar pontos de entrada interessantes”, em especial na renda variável dos mercados emergentes, defende a gestora de ativos Amundi. As empresas ligadas ao comércio eletrónico ou à entrega de refeições ao domicílio poderão sair a ganhar.
Há o risco de uma forte correção?
“Uma correção de 5% a 6% não irá afetar o mercado. Estas correções num mercado altista são tecnicamente sólidas e até benéficas”, assegura Yves Bonzon, diretor de investimentos do Julius Baer, citado pelo jornal espanhol. Até agora, a guerra comercial dos EUA com a China e com a União Europeia era o centro das atenções dos investidores. Com a trégua entre Pequim e Washington esperava-se um período de estabilidade, que a gripe na China veio desmentir, introduzindo uma nota de receio e instabilidade. Mas nos próximos meses, se a crise do coronavírus não se complicar, o grande desafio das bolsas em 2020 irão ser as eleições presidenciais nos EUA, agendadas para novembro, com ainda grandes incertezas sobre quem será o rival de Trump na corrida à Casa Branca.

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