//Cortiça é peça-chave no combate à contrafação dos vinhos

Cortiça é peça-chave no combate à contrafação dos vinhos

Da indústria aeroespacial à Saúde, passando pelo desporto e pelo controlo da poluição, a cortiça tem hoje múltiplas aplicações. Agora vai servir também para combater a contrafação de vinhos, um problema que causa perdas anuais de 6,3 mil milhões de euros na Europa, dos quais 60 milhões só em Portugal.

A pedido das empresas portuguesas, o INEGI – Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial criou, a partir da textura natural da cortiça, uma espécie de “impressão digital” de cada rolha, que permitirá combater a contrafação. O sistema está já em fase de registo da patente internacional, mas precisa ainda de encontrar um parceiro tecnológico para a fase de industrialização.

A ideia surgiu de um pedido da Amorim & Irmãos para que o instituto desenvolvesse um sistema anti-contrafação de rolhas. A ideia, então, era colocar uma identificação por radiofrequência, a chamada tecnologia RFID, na própria rolha de modo a permitir o seu controlo. Mas o INEGI quis ir mais longe e criar um sistema ainda mais evoluído. E assim nasceu o CorkID, uma espécie de “impressão digital” para a cortiça, que permite, através do reconhecimento e processamento de imagem de uma rolha, seja ela de cortiça natural ou aglomerada, rastrear e autenticar a origem do vinho.

“A cortiça tem uma textura única, que não se repete. Um padrão, aleatório, que não pode ser copiado e foi disso que quisemos tirar partido”, explicou ao Dinheiro Vivo Ana Reis, a diretora de Tecnologias Avançadas de Fabrico do INEGI e responsável pelo projeto. A validação da tecnologia foi realizada na Sogrape, a maior empresa nacional de vinhos e dona do mítico Barca Velha.

Mas como funciona a nova tecnologia? Basicamente, o sistema implicará a captura de uma imagem da superfície de cada rolha, durante a fase de engarrafamento, e o seu registo numa base de dados, de modo a que o consumidor ou o retalhista possa, facilmente, autenticar a garrafas, antes de a abrir, naturalmente, com um simples telemóvel. Para isso, a cápsula que tapa a rolha terá de passar a contar com uma área transparente, de modo a que a rolha possa ser fotografada e comparada com a base de dados original através de uma app específica para o efeito.

“Há vários sistemas que pretendem combater a contrafação dos vinhos, mas essencialmente constam de algo que é adicionado ao produto. Uma etiqueta, por exemplo. Este é o único em que não se adiciona nada, conseguimos validar a autenticidade de cada garrafa pela ‘impressão digital’ da sua rolha”, diz Ana Reis, que submeteu já um pedido internacional de patente, que inclui os Estados Unidos. E há já empresas francesas interessadas na tecnologia. “A ideia é massificar este sistema que é muito interessante até como ferramenta de marketing, já que pode permitir à empresa saber quem está a consumir os seus vinhos e onde”, sublinha.

Em Portugal, duas marcas há que foram já alvo de apreensões de garrafas contrafeitas pela ASAE: o Pêra-Manca, da Fundação Eugénio de Almeida, e o Barca Velha, da Sogrape. João Gomes da Silva, administrador de marcas e mercados da Sogrape, admite que “em todos os setores as marcas icónicas são objeto de tentativas de contrafação”. No entanto, frisa, este não é um problema generalizado nos vinhos, “afetando, sim, e muito esporadicamente, vinhos de topo de gama”.

E como protege a Sogrape os seus topos de gama? Adotando “as mais modernas medidas de proteção, quer ao nível da garrafa, quer do rótulo, as quais permitem, em grande medida, detetar qualquer tentativa de falsificação”. E João Domes da Silva deixa um alerta aos consumidores: “Privilegiem os canais de venda legítimos e não confiem em vendedores anónimos ou ofertas extraordinárias que possam corresponder a tentativas de escoamento de produtos de contrafação”.

Já a Fundação Eugénio de Almeida criou o seu próprio sistema de segurança, desenvolvido em colaboração com a Imprensa Nacional Casa da Moeda. Confrontada com uma apreensão de garrafas falsas de Pêra-Manca tinto, em 2013, no freeshop do Aeroporto de Lisboa, uma operação que a ASAE batizou de Operação Premium e que terminou em janeiro de 2015, por não terem sido encontrados mais vinhos falsificados, levou a Fundação Eugénio de Almeida a agir.

O sistema, um código alfa-numérico único associado à utilização de uma imagem holográfica, é incorporado na cápsula de cada garrafa e pode ser validado do sítio da internet da marca (www.cartuxa.pt).

“Este sistema consiste num selo que é colado de forma a abraçar o gargalo de cada garrafa ao nível da cápsula, não permitindo que esta seja retirada sem danificar o selo, no qual é impresso um holograma com a imagem alusiva à marca e que não é possível ser reproduzido, mesmo em gráficas sofisticadas”, garante José Mateus Ginó, presidente da Fundação.

Este selo foi utilizado, pela primeira vez, na colheita de 2011, que saiu para o mercado no final de 2015. Dois anos depois chegou ao mercado nova colheita – só houve 14 desde o lançamento do Pêra-Manca, em 1990 -, a de 2013, também com recurso à mesma tecnologia. Um Pêra-Manca de 2013 custa 349 euros, preço que sobe para 460 euros nas colheitas de 2003 e 2005.

Já a Amorim, que serviu de inspiração ao novo sistema do INEGI, admite que o papel da rolha no combate à contrafação “é importante”, o que tem levado a empresa a “trabalhar com várias instituições” no sentido de encontrar a “tecnologia mais adequada” à maximização do papel da cortiça, No entanto, admite, “ainda não chegámos ao ponto exato em que as tecnologias desenvolvidas são 100% viáveis em todas as circunstâncias com que a rolha de cortiça, o vinho e o vidro se deparam ao longo de um processo incrivelmente complexo e longo”.

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