O objetivo era chegar ao final deste ano com o tratamento de 100 mil toneladas de óleos alimentares usados e convertê-los em matéria-prima para a indústria dos biocombustíveis, mas o português com origens indianas Salim Karmali, que partilha a administração da Hardlevel com o irmão, Karim, considera ser “cedo” para saber se ainda conseguem atingir essa quantidade. Apesar da incerteza, mantêm as metas de expansão.
A dúvida quanto às 100 mil toneladas decorre do efeito imprevisto da pandemia, que obrigou ao fecho de hotéis, restaurantes e cafés, os principais fornecedores deste tipo de óleos. O facto de as pessoas terem passado a fazer mais refeições em casa não se traduziu num aumento significativo que pudesse compensar as perdas por via do canal Horeca.
Mesmo a faturação deste ano deverá ficar ao nível de 2019, em torno dos 58 milhões de euros, valores sustentados não apenas na atividade da empresa em Portugal, mas sobretudo no contributo de todas as suas subsidiárias, fruto de aquisições em Espanha, na Holanda, na Bélgica e na Malásia. Para 2021, as ambições são mais altas e preveem um volume de negócios a rondar os 100 milhões de euros, numa atividade que já permitiu poupar a emissão de mais de um milhão de toneladas de CO2.
Em Portugal, a empresa dispersa-se por três geografias: depois de ter nascido em Mirandela (2006), tem agora escritórios e sede em Gaia, o centro operacional de pré-tratamento em Avanca (Estarreja) e prepara uma nova fábrica em Palmela, para produção de biocombustíveis avançados, ao lado da qual nascerá um armazém, que deverá ficar pronto daqui a três meses. A unidade fabril a sul representa um investimento de 33 milhões de euros e deverá iniciar atividade em 2021, com a criação de 50 postos de trabalho qualificados (ainda não vai contar para a meta de faturação dos 100 milhões de euros). Neste momento, o grupo emprega 70 pessoas, a maior parte em Portugal.
A nova fábrica de Palmela irá apenas produzir biocombustíveis de futuro, isto é, vão ser produzidos com materiais menos nobres, como lamas das estações de tratamento de águas residuais ou óleos de cascas de frutos, “para evitar o uso de matérias-primas virgens, como óleos que competem com os alimentares (soja, colza ou palma). Concluiu-se que os materiais menos nobres têm uma pegada ecológica substancialmente inferior à dos óleos virgens”, explica Salim Karmali, denotando a enorme preocupação ambiental que norteia os princípios dos dois irmãos.
De Avanca saem os óleos já sem impurezas e com alguns parâmetros corrigidos, que são vendidos às refinarias de biocombustíveis de empresas como Galp, Prio ou Iberol, embora também tenham outros clientes no estrangeiro. Os biocombustíveis serão depois usados numa percentagem determinada por lei, na incorporação dos combustíveis normais (gasóleo e gasolina).
Um dos fatores que deverão contribuir para o crescimento do negócio tem que ver com o alargamento da rede de oleões que a empresa tem espalhados pelo país, em parceria com os municípios. Ainda no final de julho, a Hardlevel assinou um acordo com 19 autarquias do Planalto Beirão, para a instalação de 257 oleões inteligentes que irão servir 345 mil habitantes.
Trata-se de uma evolução natural da atividade da empresa, uma vez que lançou, em 2017, a Rede Nacional de Oleões inteligentes, a primeira rede organizada no país e a nível europeu para a recolha deste tipo de resíduos. Até ao final do ano, há a expectativa de alargar a rede a mais 20 municípios, num processo que deverá culminar em 2023 com 5 mil oleões no país. Em paralelo, segue a rede de 7 mil pontos de recolha junto da restauração.
Pontos por prémios
Quando falamos de oleões inteligentes estamos a falar de equipamentos concebidos para rastrear o cidadão (opcional) que neles faz o depósito e a quantidade depositada, entre outras valências. Para estimular este tipo de serviço, está em preparação a atribuição de pontos por entregas que podem ser convertidos em prémios, como trotinetes ou bilhetes de acesso a eventos culturais. Para tudo isto ser possível, basta que o utilizador descarregue uma aplicação própria no seu telemóvel (app “reno”).
O compromisso dos irmãos na defesa do ambiente é forte ao ponto de Salim ter concluído o curso de Medicina, em Lisboa, tendo optado, quando estava no 4.o ano, aos 21, por avançar com o irmão, na altura com 25, no negócio dos óleos. Karim licenciou-se em Biologia e pós-graduou-se em Engenharia Sanitária e Tratamento de Resíduos.
Mas ainda há muito a fazer. Salim nota que há escassez de matéria-prima: “Estimam-se em mais de 200 mil toneladas as necessidades anuais das empresas de biocombustíveis, mas Portugal apenas produz 15 mil toneladas por ano de óleos alimentares usados.” Face à realidade, os dois empresários estão a procurar verticalizar o negócio, para ganhar escala e assegurar o volume necessário para as refinarias.
Para essa ascensão, contam com a entrada de um investidor estratégico no capital, uma operação ainda confidencial, tendo em conta que o negócio está em curso, embora haja a expectativa de que fique concluído até ao final do ano.
Sobre o futuro, o objetivo mais próximo é replicar em Espanha a rede de oleões com as comarcas locais. Quanto à China, embora a abordagem tenha sido prejudicada pela covid, mantêm a esperança de conseguir entrar no mercado “até ao final do ano”. Já a América do Sul, ainda sem um país definido, consta dos objetivos de 2021.
Apesar de o negócio dos irmãos Karmali ainda ser 100% português, as origens da família são bem diversificadas. Salim conta que o pai nasceu em Moçambique, numa família da Índia e do Paquistão. O pai foi para Londres aos 18 anos, onde conheceu a que viria ser a mãe, com origens em Trás-os-Montes, mas nascida em São Tomé. O irmão mais velho ainda nasceu em Londres, mas com a ingressão do pai no LNETI, Salim já nasceu em Lisboa, cidade onde os irmãos concluíram os estudos. Agora, vivem ambos em Gaia. Saudades da Medicina, Salim? “Era muito novo, mas tenho a possibilidade de, igualmente, tocar vidas.”
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