Em outubro, Ricardo Henriques completa sete anos de trabalho no campus da Google, em São Francisco, onde integra a equipa de design dedicada à área de pesquisa e assistente digital. O percurso até à gigante tecnológica não foi em linha reta.
Estudou em Faro e, algum tempo depois, escolheu Amesterdão, na Holanda, como primeiro destino internacional. “Foi giro, mas em termos de trabalho não me deu muito, porque era muito à base de criar banners publicitários”.
De regresso a Portugal, começou a trabalhar numa firma de web design – afinal, o interesse pela tecnologia sempre esteve presente. “Trabalhei como designer gráfico, mas sempre com um olho nas tecnologias, nos últimos dois anos da universidade era a parte mais interessante. Na altura, a tecnologia e a Internet ainda era algo primário, já existiam alguns serviços, mas muito primitivo, mas sempre me interessei por esse lado do design e pela parte mais tecnológica”.
“Voltei para Portugal e comecei a trabalhar numa firma de web design – as hipóteses de isto acontecer são raras, mas a empresa ficava na praia do Burgau, em Lagos”. Apesar de estar em Portugal, o trabalho já tinha um cariz internacional. “Trabalhava com uma equipa onde já havia norte-americanos, fazíamos serviços para negócios online do Canadá”.
Destaca a ajuda de um colega para alargar horizontes na experiência profissional. “Foi muito influente na minha carreira, porque falou-me de muita tecnologia, de muitos movimentos culturais e tecnológicos que eu não conhecia. Acabou não por ensinar-me mas por mostrar-me para onde devia começar a olhar, racionalizar e a estudar”.
Após seis anos no Burgau, em 2010 a situação económica do país empurrou Ricardo Henriques para a segunda experiência na emigração – Cambridge, na Inglaterra. O âmbito do trabalho era diferente, numa boutique de design, onde “a experiência de utilização era feita de forma muito rigorosa”, com design focado na acessibilidade.
Passados dois anos e uma nova experiência profissional, em Londres, Ricardo Henriques tentava a sorte na Google. “Já tinha mandado o meu currículo, quase por brincadeira, porque achamos sempre que essas coisas são inatingíveis, mas na altura deparei-me com um anúncio de emprego no site [da Google], que parecia que tinha sido desenhado para aquilo que eu fazia”. A resposta não foi imediata.
Três meses depois, após o processo de recrutamento, que envolveu viagens entre Londres e São Francisco, entrevistas e exercícios de design, Ricardo Henriques ingressava na Google. A equipa onde trabalha conta com cerca de 200 designers, apenas dedicados ao motor de pesquisa da Google e ao assistente digital.
A cada segundo são feitas 63 mil pesquisas no Google (dados da empresa). Por isso, o trabalho da equipa onde o português trabalha é visto milhares de milhões de vezes por dia. “É extremamente gratificante ver a nova imagem do Google Search na rua, na mão dos utilizadores e a ver as respostas positivas”.
Qual a receita para um bom design de produtos tecnológicos? “Sermos extremamente empáticos, ter compaixão com o utilizador e viver a realidade e perceber o contexto do utilizador”, sublinha. “É preciso uma sensibilidade extremamente apurada de que existem pessoas que estão em condições completamente diferentes, na Quénia ou na Índia”.
Explica que, em muitos casos, “o design de software é complexo, porque as pessoas que o desenham e estão no ramo são extremamente à vontade com computação”. “Quando se desenham produtos para o mundo inteiro, a ingenuidade é extremamente importante para imperar acima de tudo”.
“Vejo quase tanta arte na engenharia como nas belas-artes”. Especialmente quando “uma peça de engenharia é feita de forma ingénua, simples e que consegue comunicar a sua funcionalidade para o utilizador, mesmo que nunca a tenha visto”.
Mesmo com a imagem da Google definida, Ricardo explica que há liberdade criativa dentro da tecnológica. “Qualquer designer é incentivado a provocar a expressão de como a marca se exprime. As pessoas que têm poder de decisão estão continuamente a convidar a provocações à marca, para que possa evoluir”.
O designer acredita que os engenheiros — e não só – já percebem a importância do bom design. “Há um reconhecimento global de que o design faz parte de tudo, que nas indústrias realmente maduras, estabelecidas, as empresas e as marcas estão cada vez mais conscientes de que é um dos fatores mais importantes para diferenciação. O design está cimentado como uma especialidade crucial em qualquer indústria”.
E no caso da Google, o que a diferencia? “É o talento, é sem dúvida a equipa”, explicando que “a diversidade cultural e de sensibilidades ajuda muito a que o design seja equilibrado e robusto”. “Quando te deparas com a sensibilidade de criar produtos onde o combustível é a compaixão por pessoas isso realmente torna o design extremamente especial”.
Num mundo onde tudo é design, também a interação por voz entra em jogo, embora “seja uma especialidade nascente”, onde ainda é necessária muita aprendizagem, considera Ricardo Henriques.
“Estamos a experimentar, a tentar aprender e a partilhar o máximo que se possa. Acho que papel do design vai ser imaginar, explorar e iterar todas as possibilidades que não estão definidas mas que vão ser um pouco escolhidas pelos nossos princípios e, enquanto pessoas, até onde estamos dispostos a ir na computação”.
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