A partir de 1 de julho, os 2,8 milhões de consumidores de eletricidade (45% do total) com uma potência contratada de 3,45 kVA vão poupar por ano apenas 9,12 euros nas suas contas da luz, com a descida da taxa de IVA de 23% para 6% a incidir apenas numa das componentes (a taxa de acesso às redes) do termo fixo da fatura. A associação de defesa do consumidor Deco acusa assim o governo de publicidade enganosa sobre a descida do IVA na energia, provocando às famílias uma perda de poupança de 1,08 euros na eletricidade (face aos 10,20 euros anunciados) e de 4,26 euros no gás natural (já que do corte de 8,20 euros prometido, só verão reduzidos 3,94 euros).
No total, cada família fica assim a perder por ano 5,34 euros, avalia a Deco, que critica a medida por deixar de fora metade dos consumidores de eletricidade. “Estamos a falar de 3 milhões de contratos – metade dos existentes. Transpondo esta relação para as famílias, cerca de 2 milhões estão abrangidas”, refere a defesa do consumidor.
Pelos cálculos da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), e já com o IVA incluído, uma potência contratada de 3,45 kV custa hoje a 2,8 milhões de famílias 74 euros por ano no mercado livre. Já os 1,6 milhões de consumidores que optam pelos 6,9 kVA (25%) pagam anualmente 140 euros para ter esta potência e evitar disparos no contador.
Os números mais recentes do Eurostat mostram que Portugal tem a eletricidade mais cara da UE em paridade de poder de compra, levando o Ministro do Ambiente, Matos Fernandes, a afirmar que o “preço da eletricidade é uma preocupação do Governo”.
“Com a publicação da redução do IVA na energia em Diário da República no passado dia 13 de maio, foi com surpresa que se verificou que a medida incide apenas sobre uma componente do termo fixo, e não sobre a totalidade desse termo. Se o potencial de poupança já era baixo, agora é ainda menor”, alerta ainda a associação. Na data em que se assinala o Dia Nacional da Energia, esta quarta-feira, 29 de maio, diz a Deco que “mais de 70 mil consumidores continuam a exigir a reposição do IVA para 6% em toda a energia doméstica”.
Uma exigência que será agora incluída no caderno reivindicativo que a Deco vai entregar a todos os partidos políticos que participarão nas eleições legislativas, com o objetivo de forçar novamente a integração desta medida elementar de justiça social, na discussão do Orçamento de Estado para 2020.
O governo vê a questão por outro prisma e diz que a descida do IVA “vai beneficiar mais de três milhões de contratos [52,3%] num universo de seis milhões, no caso da eletricidade, e mais de 1,4 milhões de contratos, que representam a quase totalidade dos mesmos, no caso do gás natural. Esta medida, em conjugação com os 190 milhões de euros transferidos em 2018 para abater ao défice tarifário, poderá significar uma redução da fatura energética das famílias em 2019 de pelo menos 6%”, disse já António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, admitindo perdas fiscais para o Estado só no IVA na ordem dos 37 milhões de euros.
O ministério das Finanças chegou mesmo a fazer as contas para várias famílias com várias potências contratadas (3,45 kVa e 6,9 kVA) e perfis de consumo (100 e 180 kWh), clientes de diferentes comercializadores do mercado livre (EDP, Endesa e Goldenergy), e concluiu que a poupança anual combinada (descida do IVA e redução do défice tarifário) pode ir desde um mínimo de 19,44 euros por ano (-3,4%) até um máximo de 33,84 euros (-6,7%).
Apesar do ministro do Ambiente e da Transição Energética (MATE), João Pedro Matos Fernandes já ter apelado às famílias para reduzirem a potência para 3,45 kVA (a mesma que tem em sua casa), para aproveitarem a descida do IVA, a Deco contrapõe dizendo que as potências mais baixas “são incompatíveis com a utilização real dos eletrodomésticos mais comuns e com o objetivo nacional da descarbonização dos consumos por via da eletrificação”.
Já no gás natural, alerta a defesa do consumidor, “somente uma parcela do termo fixo beneficia do IVA reduzido, pelo que para uma poupança que incidiria sobre cerca de 20% da fatura se verifica que o impacto é agora ainda menor”.
Resta ainda o gás engarrafado, usado por 70% das famílias portuguesas, que também ficou excluído da redução do IVA, diz a Deco: “Ou seja, 2 em cada 3 portugueses não vão beneficiar de qualquer descida desse imposto (e do preço) no gás de garrafa”.
“A organização de defesa dos consumidores não concorda com esta decisão, com um impacto tão irrisório na fatura de energia dos portugueses e com os argumentos apresentados pelo Governo. Em 2011, quando o IVA da energia doméstica aumentou de 6% para 23%, a subida foi para todos os portugueses, em todas as componentes da fatura. Por isso, vamos continuar a lutar pela reposição do IVA em todas as energias domésticas, em todos os componentes da fatura e para todos os consumidores”, diz a associação em comunicado.
A Deco sublinha ainda o problema da pobreza energética, que coloca Portugal no top europeu pelas piores razões. “Muitos portugueses não conseguem atingir níveis de conforto térmico mínimo em casa, pelo custo que isso representa na fatura energética. Pedir a estes consumidores que sejam eficientes do ponto de vista energético revela um total desconhecimento da realidade”.
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