//“Enquanto não tivermos uma solução para a crise sanitária é navegação à vista”

“Enquanto não tivermos uma solução para a crise sanitária é navegação à vista”

Nem no tempo da Troika se viveram tempos assim na Fnac. 2020 foi o primeiro semestre em que a cadeia registou prejuízos no acumulado do ano. E nem os apoios recebidos do Estado com o lay-off dos trabalhadores foi suficiente para inverter essa quebra provocada pela pandemia, admite Nuno Luz, diretor-geral da Fnac Portugal.

Apesar do impacto da pandemia, que tem levado a quebras de tráfego de 50% nas lojas, a cadeia mantém os planos de expansão da rede, em particular, em conceitos em lojas de proximidade, de pequena dimensão, aquelas que têm registado o melhor desempenho na reabertura. Se tudo correr dentro dos planos, a cadeia quer abrir já no Natal do próximo ano, pelo menos, uma loja bandeira Nature & Découvertes.

Nuno Luz comenta ainda a nova lei das rendas que tanto tem dividido lojistas e centros comerciais. “O Estado entendeu que nesta situação havia um desequilíbrio de poder negocial”, diz. E dá o exemplo da Fnac. “Temos 34 lojas, só uma não está num centro ou galeria comercial (a Santa Catarina, no Porto), começámos a negociar com os centros comerciais desde o início, ao dia de hoje só consegui um acordo para cinco lojas para o período que passou e um princípio de acordo para o que vem de futuro. Isto explica a dificuldade que o retalho está a ter nestas negociações.”

Reabriram a Fnac Chiado com uma grande remodelação, num momento em que os consumidores parecem estar ainda um pouco receosos de ir ao retalho físico por causa da pandemia.

Era um investimento já planeado. Criarmos espaços diferentes e atrativos para os portugueses agora ainda é mais relevante, ainda é mais importante uma diferenciação entre o retalho físico e o online. No online podemos oferecer uma gama de produtos, no espaço físico é fundamental criarmos experiências diferentes. É um dos vetores para atrair clientes às lojas. Estamos a assistir a uma grande retração de visitas em loja. Existe ainda uma desconfiança enorme em visitar o retalho e, principalmente, os espaços grandes. Vimos uma retração ainda maior em centros comerciais grandes – falamos do Colombo, NorteShopping, Vasco da Gama -, que estão a sofrer mais do que espaços mais pequenos ou lojas de proximidade, de rua. É fundamental tentar criar experiências em loja, por forma, a voltar a conseguir atrair os clientes para que regressem ao retalho físico.

Fnac Chiado

A Associação de Marcas de Retalho e Restauração fala em quebras de faturação na ordem dos 40% na reabertura. É essa a realidade da Fnac?

Fechamos as lojas em março e reabrimos gradualmente em maio. Em junho a quebra é superior a 50% e, quando pensávamos que iríamos ter alguma recuperação, o fato do Governo limitar o horário de abertura até às 20h veio impactar. Em julho temos tido quebras superiores a 50% a nível de tráfego, não só em Lisboa, como em todo o país. Passar esta desconfiança sobre o retalho como possível local de contágio veio afetar não só Lisboa, como todas as regiões do país.

Aponta essa quebra apenas ao medo do contágio ou também já há aqui o receio do que aí vem do ponto de vista económico? Há quebras de rendimento nas famílias, basta olhar para os números do lay-off, os níveis de confiança já foram melhores…

É difícil avaliar o que é desconfiança perante a crise sanitária e o que já é quebra de consumo. Na crise da troika, principalmente nos anos de 2011 e 2012, a quebra de tráfego não era desta ordem, nem pouco mais ou menos, houve uma grande quebra de consumo que se viu em termos de ticket médio, mas os visitantes não deixaram de ir à Fnac. Com as atuais quebras de 50% de tráfego diria que a grande quebra ainda se deve à crise sanitária e à desconfiança que existe. Mas há indicadores interessantes. Nas primeiras semanas de abertura de loja vendemos muito bem algumas categorias de produto, diretamente relacionadas com os portugueses estarem em casa, como informática, pequenos domésticos, gaming, curiosamente, instrumentos musicais. Já estamos a assistir a uma redução das vendas dessas famílias, pode ser um indicador de alguma retração no consumo. É difícil perceber o que é uma coisa ou outra quando temos quebras de 50% do tráfego. Mas, neste momento ainda é muito a desconfiança com o visitar a loja, penso que isso deverá ser cerca de 80% da redução de tráfego.

Temos 34 lojas (…) começámos a negociar com os centros comerciais desde o início, ao dia de hoje só consegui um acordo para cinco lojas”

O Parlamento aprovou a proposta do PCP que vai permitir aos lojistas só pagar a renda variável até março de 2021. Os centros comerciais têm motivos para afirmar que esta vai ser uma medida má para todos, inclusive lojistas, pois os centros não se irão aguentar nestas circunstâncias?

Sou da opinião que o mercado tem de funcionar per si, que o Estado não deve intervir nas relações entre particulares, a não ser que existam desequilíbrios. O Estado entendeu que nesta situação havia um desequilíbrio de poder negocial. Só posso responder pela Fnac. Temos 34 lojas, só uma não está num centro ou galeria comercial (a Santa Catarina, no Porto), começámos a negociar com os centros comerciais desde o início, ao dia de hoje só consegui um acordo para cinco lojas para o período que passou e um princípio de acordo para o que vem de futuro. Isto explica a dificuldade que o retalho está a ter nestas negociações. A Fnac tem algum poder negocial, se formos falar de lojas mais pequenas, com menor poder negocial, as coisas devem ser mais complicadas.
A grande maioria dos centros comerciais pertencem a fundos de investimento, é um bocadinho difícil dizer que vão fechar. Os fundos de investimento vão ter uma rentabilidade mais baixa pois vão deixar de ter as receitas que previam, tal como nós que tivemos as lojas fechadas entre um a dois meses.

A APCC falava na atribuição de 305 milhões de apoios aos lojistas, entre moratórias de rendas e descontos. Seria ajuda suficiente? Acaba de dizer que só conseguiu chegar a acordo em cinco das 34 lojas…

Grande parte das propostas cobria o período de fecho da loja, o problema é que, já com as lojas todas abertas desde junho, estamos com quebras de tráfego de 50%. Assinamos contratos de exploração de lojas com determinadas premissas de tráfego que hoje não temos. Quando a APCC fala dos descontos está a referir-se a esse período de encerramento, há um problema para a situação do encerramento, mas vai haver um problema grave até se encontrar uma solução para a crise sanitária e estamos a ver isso. No caso da Fnac até temos famílias de produtos no nosso portefólio com níveis interessantes de vendas, que nos permite de alguma forma minimizar o impacto, mas existem retalhistas em que o impacto será maior, como é o caso da moda. O têxtil está a sofrer muito mais, a restauração é brutal, as pessoas estão a fazer as suas refeições em casa. Há uma série de setores para os quais não bastava apenas uma medida para o momento em que as lojas estavam encerradas.

Fnac Chiado

A moratória das rendas comerciais foi prolongada de julho para setembro. Ajuda ou faltam ainda mais medidas para conter a hemorragia no retalho?

Enquanto não tivermos uma solução para a crise sanitária é navegação à vista. Não sabemos o que vai acontecer no próximo mês. Acabamos de preparar um forecast do ano para o nosso grupo, mas tem um nível de previsão que é complicado acertarmos. Tínhamos uma previsão para maio, um mês duro, na previsão de junho ficamos abaixo das expectativas, mas em julho já prevíamos uma recuperação e não está a acontecer. É difícil responder porque não sei até quando a crise covid vai estar presente. Era fundamental o governo ir acompanhando estes indicadores de performance e ir tomando as medidas de acordo com eles.

No confinamento, com o fecho das lojas…

Podíamos ter optado por não fechar porque tínhamos a eletrónica de consumo, um bem essencial, mas por duas razões optamos por fechar. Em primeiro lugar, para salvaguardar colaboradores e clientes (no final de março não sabíamos o que vinha aí); em segundo lugar, as nossas lojas estão no meio dos centros comerciais, não estão localizadas perto do alimentar, da eletrónica de consumo, quando temos todas as lojas à volta fechadas deixa de fazer sentido. Ainda mantivemos seis/sete lojas abertas durante duas semanas, mas o nível de vendas não justificava a abertura, sequer pagava a luz.

Recorreram ao lay-off. Face à situação de não recuperação em julho, ponderam recorrer a algum dos mecanismos de apoio anunciados pelo Governo a partir do final do mês? Mecanismos que ajudem a mitigar custos salariais.

Os tempos são mesmo excecionais. Para dar conta dessa excecionalidade é o primeiro semestre em que a Fnac Portugal regista prejuízos. Mesmo nos tempos da troika nunca tivemos acumulado nos primeiros seis meses do ano registo de prejuízos, mesmo com os apoios recebidos do Estado. A Fnac recorreu ao lay-off nos meses de abril e maio, terminamos em junho com a abertura das lojas. O regime de lay-off simplificado, tal como foi estipulado pelo Estado, protege os colaboradores de toda a organização durante um determinado período de tempo. O Governo também esteve bem com esta nova medida de apoio às empresas no pós lay-off. E nós iremos recorrer dessa medida, o que faz com que o retalho, qualquer empresa que tenha recorrido ao lay-off, tenha um período em que qualquer movimento na sua base de trabalhadores está congelado.

Na Fnac vamos ter de avaliar, passado este freezing period (período de congelamento), como é que estamos. Estou otimista, espero que tenhamos uma solução para a crise sanitária e uma recuperação do tráfego, no entanto, vamos ter de avaliar mais para a frente. É muito difícil fazer um prognóstico, possivelmente estamos a falar do pós-Natal no nosso caso para tomar decisões, o que atira para fevereiro/março qualquer decisão.

Vamos continuar a expandir a nossa rede, com modelo de loja própria e de franchising

Têm todos os anos investimento alocado a novas aberturas. Os planos de expansão mantêm-se ou também aqui houve uma travagem? Até 2022 queriam ter 40 lojas.

Tínhamos o plano de abrir duas lojas este ano. Abrimos em Torres Novas e a segunda não vamos abrir, o processo atrasou-se, o layout estava de determinada forma e tivemos de alterar por condicionantes do centro comercial. Continuamos a apostar em lojas de proximidade – as que tiveram melhor performance na reabertura – enquadradas em centros comerciais mais pequenos, mais pequenas (entre 300 e 700 metros quadrados), que ao estarem mais próximas das populações prestam um serviço, não só de mostrar os nossos produtos, como de suporte ao online, funcionando como pontos para encomendar ou levantar produtos, uma venda assistida.

Continuamos à procura de espaços de lojas de proximidade, achamos que ainda não temos o país totalmente coberto. O nosso intuito é abrir fora das grandes cidades, mas também dentro. A nossa loja do Saldanha, com 240 metros quadrados, é das lojas que está a ter melhor performance. Tem muito a ver com o período que atravessamos, mas já antes tínhamos essa necessidade de complementar a capilaridade da rede. É natural que sofra algum atraso durante este período, pararam as negociações, mas vamos continuar a expandir a nossa rede, com modelo de loja própria e de franchising, que funciona muito bem para esse conceito de loja de proximidade.

Os investidores de franchising não se retraíram com a pandemia?

Temos dois ou três processos a correr, onde estamos à procura de localizações, com pessoas interessadas, fora do Grande Porto e Grande Lisboa, e o seu interesse não se alterou. Não vejo que possa ter impacto.

Havia o objetivo de abrir dois espaços in-shop da Nature & Découvertes até 2021. Como ficaram os planos?

Atrasaram seis meses. Mas o nosso pensamento evoluiu um bocadinho, pensávamos fazer shops in shops dentro das Fnac. Hoje acredito que é um conceito que tem de ser apresentado numa loja stand alone, tem de ser apresentado aos portugueses, explicado, com espaço suficiente para se conseguir compreender o que é a Nature & Découvertes. Pensamos abrir uma a duas lojas stand alone, ao mesmo tempo que faria sentido abrir algumas shop in shop nas lojas Fnac. Já começamos em conversações com os centros comerciais para vermos disponibilidade de espaço para abrirmos lojas stand alone, inclusive tínhamos o plano de abrir já no próximo ano. Isto dependia dos centros comerciais, obras… Temos que ver como as coisas se resolvem no pós-covid.

Se resvalou seis meses dificilmente será no próximo ano, então.

Depende. Agora com a crise sanitária e económica poderá haver maior disponibilidade ao nível de espaços. Vamos analisar, mas o nosso intuito era abrirmos já para o Natal do próximo ano. Em Espanha já estão a funcionar em alguns shops in shops. A nossa ideia é ao mesmo tempo que abrirmos em shop in shop ter uma flagship para mostrar o conceito.

Fnac Chiado

Durante o confinamento venderam mais no online que no Natal, disseram. Na reabertura esse ‘Natal’ manteve-se ou abrandou procura no canal?

O online quadruplicou durante o período em que as lojas estiveram fechadas. O nosso mercado online é muito pequeno quando comparamos com o resto da Europa. Em Portugal, nos mercados onde a Fnac está, é de 10%, em Espanha é 20% e se olharmos para França é 30%. O nosso mercado era pequeno o que fez que tenha sido um período de muita resiliência, não tínhamos no retalho estruturas preparadas para este push.

Fizemos metade das vendas like for like no mês de abril só com o online aberto. Demonstra bem o push que tivemos nesse período. Continuamos a ter em junho taxas de crescimento superiores a 50% vs a junho do ano passado, não só no online puro, como no marketplace. Como organização prestámos um apoio significativo às outras empresas. Captámos 54 empresas nacionais, que não tinham canal online e que durante o período covid começaram a listar os seus produtos no nosso site. Só para falar das nacionais que estrangeiras foram muito mais.

Tanto o nosso online direto como o marketplace continuam com taxas de crescimento significativas, mas quando antes era quadruplicar agora estamos com taxas superiores a 50% a 60% vs o ano anterior, não compensa a perda que estamos a ter no tráfego físico. No entanto, temos cerca de meio milhão de aderentes e uma fatia grande (cerca de 20%) que só comprava em loja física passou a comprar online. Estamos expectantes para ver o comportamento na reabertura. Admito que parte dos crescimentos que estamos a sentir no canal online seja daqueles clientes que estão com receio de ir à loja.

Facebook tem de tomar algumas medidas para controlar o que é publicado na rede, sem por em causa a liberdade de expressão, mas é importante esse controlo.”

Uma das marcas Fnac são os eventos que, em virtude da pandemia, estão com uma série de limitações. Realizaram em junho concertos transmitidos no Instagram, é por aí?

Não queremos perder o nosso ADN. Queremos continuar a ter um papel muito ativo na retoma da indústria cultural e manter este ADN de promoção da cultura e da diversidade cultural. Os fóruns eram o nosso espaço premium, materialização dessa promoção da cultura, que tem as restrições que tem ao dia de hoje. Conseguimos desenvolver uma agenda cultural nas próximas semanas. Vamos utilizar as redes sociais – Instagram, Facebook – para transmitir concertos que são gravados nos fóruns, começamos a abrir para a audiência, mas é uma audiência reservada, limitada a 10 pessoas, é quase uma lotaria conseguir assistir.

Fizemos o Festival Novos Talentos no Chiado, foi o evento de abertura, também teve transmissão no Instagram e Facebook; vamos fazer o nosso Festival Fnac Live, ainda não sabemos bem em que moldes, mas contamos faze-lo em setembro. E vai depender da evolução da pandemia em Lisboa, porque a ideia é fazer o Festival em Lisboa. Não tiramos o investimento na divulgação da cultura, a Fnac diferencia-se de todo o retalho por este papel que tem na promoção e divulgação da cultura, temos é de fazer de forma diferente.

Anunciaram no Instagram que iriam suspender investimento no Facebook no âmbito do movimento #Stophateforprofit. Achei curioso o anúncio ser feito numa plataforma detida pela mesma empresa. O que pretendem com esta associação?

Quisemos associar a esse movimento, mas é temporário. Não vamos parar o investimento no Facebook e no Instagram. As restantes redes sociais, incluindo o Instagram, têm algum controlo sobre as publicações que o Facebook não tem, está a desenvolver. Fazia sentido associarmo-nos a esse movimento, com a agravante de, num momento em que as pessoas estão a usar mais as redes sociais, ficarmos menos competitivos por não podermos comunicar face à nossa concorrência. Faz parte do ADN da Fnac esta disrupção, a associação a estes movimentos. O lucro não pode ser determinante para não nos associarmos a este tipo de ações. Associamos durante o mês de julho, mais para dar a conhecer do que como uma medida contra o Facebook, porque vamos continuar a anunciar no Facebook. Como rede social com a importância mundial que tem, o Facebook tem de tomar algumas medidas para controlar o que é publicado na rede, sem por em causa a liberdade de expressão, mas é importante esse controlo.

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E nesse interregno qual é a opção? Tendo em conta a importância do canal digital nas vendas…
O interregno foi feito no Facebook e no Instagram. Mas continuamos obviamente a investir no Google, é a primeira fonte de captação de clientes, e outros sites nacionais. Uma coisa seria pararmos o investimento para sempre nestas redes, fizemos um interregno não penso que esteja a ter impacto no tráfego do nosso site.

Há um ano em Lisboa, no encontro mundial dos anunciantes, depois do tiroteio de Christchurch, na Nova Zelândia, as marcas mostraram um cartão vermelho ao Facebook. Este movimento levará a alguma mudança ou será mais um alerta que será ignorado?
Este cartão vermelho deve-lhes pesar na conta bancária, deve ser um cartão vermelho um bocadinho mais efetivo. A cotação da ação viu-se ressentida. Quando vemos grandes multinacionais, maiores do que a Fnac, a se associarem a este movimento, é um sinal bastante mais forte do que foi no passado. A informação que temos é que o Facebook está a olhar para esta iniciativa e a rever o controlo do que é publicado.

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