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Nem o retalho de luxo esteve a salvo da tempestade provocada pela pandemia: num ano, o grupo Brodheim viu desaparecer cerca de metade das suas receitas. Em 2021, o grupo – que tem no seu portefólio marcas como a Burberry, Emporio Armani, Carolina Herrera, Furla ou MaxMara, bem como a Tod’s, Timberland ou Vans – admite que este será um desempenho a repetir, depois de um novo fecho de lojas físicas no arranque do ano e com as expectativas de retoma do turismo internacional, a níveis de 2019, só para 2024. O digital está a crescer – com a Brodheim já a testar vendas diretas -, mas longe de compensar o fecho do retalho físico. Apesar da incerteza, Erich Brodheim, administrador do grupo e vice-presidente de People & Technology, admite que poderão juntar mais “uma ou outra loja” à rede de 69 espaços de moda, nove Optivisão próprias e uma rede de 266 franqueados. O grupo emprega 620 trabalhadores.
O fecho do retalho obrigou a um grande salto digital. Que peso teve nos resultados?
Sendo distribuidores em Portugal não temos o online das marcas. Estava no nosso plano de investimento em setembro de 2020 ter uma loja online multimarca, com a pandemia demorámos 1,5 mês para a montar. Têm sido crescimentos a três dígitos, mas o valor absoluto ainda é muito pequeno. Se compararmos o fecho de fevereiro de 2020 com 2021, o mês mais interessante que tivemos, faturou mais ou menos o mesmo que a pior loja física de retalho do grupo. E temos no online um grande tema que não temos no físico: as devoluções.
Na Alemanha representa 30 a 40%. Valores pré-pandemia.
Para nós, a média é 30%. Portanto, o digital fatura a nível bruto como a pior loja do grupo, e em termos líquidos estou 30% abaixo. São valores que começam a ser interessantes. Temos uma loja online há cerca de sete meses e investimentos que em tempos normais faria no físico faço no digital: em anúncios para chegar a maior número de consumidores, numa maior diversidade de artigos na loja online, mais recursos a trabalhar no canal. Não é a expectativa da Brodheim que o digital ultrapasse o físico. Não é esse o nosso ADN, somos retalhistas físicos. O online completa um braço de serviço para lojas físicas. Há um mood muito agressivo de preço no online, e a Brodheim, que trabalha no setor do luxo e do premium há 75 anos, não se vai posicionar pelo preço, mas como serviço. O objetivo é que seja um braço de serviço da loja, dando ao cliente a possibilidade de comprar online e recolher em loja, de agilizar e contacto com a marca, fazer reservas, consultas de aconselhamento, acesso a cápsulas de moda em primeira mão. A aposta será sempre encaminhar tráfego para a loja, mas queremos servir aquele cliente que não quer ir à loja – 10 a 20% – e dar-lhes o serviço completo online.
Dos serviços que referiu qual resultou em mais vendas?
Iniciámos recentemente as vendas diretas. Fizemos 10 ou 15 vendas diretas, a que chamamos de serviço de atendimento personalizado – o vendedor está na loja, conhece os gostos do cliente e mostra a panóplia de produtos que escolheu para aquele cliente. Tem funcionado muito bem. Muitas vezes pelo WhatsApp Business, mas pode ser por Zoom ou Facebook. Não acredito que o Click & Collect seja uma revolução: em 2020 no total de vendas online foi o equivalente a 2%. Não é um modus operandi que o consumidor queira. Vamos evoluir para Send & Delivery, de resto, é muito manter o contacto e o cliente atualizado com as últimas tendências.
Qual foi a taxa de conversão dessas vendas diretas?
Temos 100% de taxa de conversão. Mas estamos a falar de 15 casos e são escolhidos a dedo. Quando o cliente vai para a chamada já vai com predisposição para a compra. Em 2020, aumentámos em 50% a taxa de conversão do grupo Brodheim nos meses em que estivemos abertos, porque o consumidor já ia com a predisposição de comprar e as equipas tinham uma maior disponibilidade, com a limitação do número de pessoas por loja, para os clientes. Notou-se na taxa de conversão, claro que o tráfego reduziu em cerca de 60%. Foi dramático.
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Desse esforço de digitalização do grupo, que informação tem extraído das bases de dados de clientes que esteja a ajudar as vendas?
A nossa base de dados começou a ser construída em 1989, com a abertura da primeira loja monomarca, a Rodier, na Avenida da Liberdade. Passado 30 anos, tínhamos um manancial de informação: telefone e email dos clientes, mas também se comprou calças azuis ou verdes, o valor das compras, se comprou 3 ou 5 vezes por ano, mais em Lisboa ou no Algarve… Em 2019, decidimos montar a nossa estratégia de transformação digital ao nível de experiência colaborador e do consumidor, para targetizar, individualizar e sistematizar o contacto com o cliente. É aí que nasce a SalesForce como opção de investimento para trabalhar na visão 360 do cliente Brodheim: hoje consigo saber à distância de um clique se o consumidor é cliente Timberland, Vans ou Guess, se gasta mais numa marca ou outra, se compra mais uma cor ou outra. No último ano e meio temos comunicado com o cliente de forma mais targetizada. Se antes enviava 50 mil emails, hoje envio o mesmo volume, mas em bolos de 3 ou 5 mil, cada um para uma “tribo”, pessoas com características semelhantes, e o conteúdo que chega a cada tribo é personalizado. Não conseguimos testar em pleno – por causa do fecho de lojas -, mas nos poucos pilotos que temos, a taxa de conversão entre o comunicado com o consumidor e venda efetiva em loja está entre os 30 a 35% superior.
Como vão agilizar na loja esse manancial de informação para potenciar vendas junto dos clientes que entram?
Depois de três minutos em loja, a probabilidade de conversão em compra é altíssima. Hoje, quando o cliente entra, tenho todo o catálogo online no tablet – tenho um sapato exposto e posso mostrar as outras cores. É importante ser prestável, mas não ser chato, senão, rapidamente o cliente vira as costas e vai embora. Tem muito a ver com formação. O nosso ADN em gestão de retalho é formação às equipas. E tem tido resultados: em 2020, a nossa taxa de conversão aumentou 50%. Esperemos que, em 2021, continuemos mais afinados e avancemos para um novo passo: no segundo em que o cliente entra numa loja, saber quem é o cliente, qual a última compra, qual a cor favorita, se tem uma reclamação em aberto… Desarma logo.
Não receia que as pessoas possam sentir isso como invasivo?
Terá de ser a sensibilidade do vendedor. Tem logo de perceber se o cliente prefere que o conheça de A a Z ou se prefere a privacidade e quer só dar uma vista de olhos e sair. Não sinto receio, desde que o cliente seja dono e senhor da sua informação, o que temos hoje. Em 90% dos casos acredito que os clientes querem este mimo.
69 lojas de moda e mais de 270 óticas. Investiram 1 milhão de euros na Optivisão+. É esse modelo tecnológico que querem implementar na rede?
Na moda tenho muito pouca margem, está tudo tabelado a nível internacional. Posso inovar na parte tecnológica ao nível de experiência do consumidor, de captação de dados para melhor comunicar. No produto, metros de exposição, não posso mexer. Na ótica não posso dizer que esse seja um caminho para toda a rede. É um formato de inspiração, um caminho que acreditamos de futuro, muito alavancado em serviços de excelência de optometria. A loja tem 400 m2, mas vamos disponibilizar modelos para lojas com 100 ou 50 m2, para inspirar a rede a seguir este caminho. Há a Optivisão e uma nova insígnia, a Optivisão+, o upgrade tecnológico ao nível do consumidor. Ambas vão viver no mercado nacional.
Vão levar este conceito para as vossas nove Optivisão próprias?
Queremos inspirar a rede em primeiro lugar. Vamos ver nos próximos seis meses a recetividade e impacto nas vendas, mas o objetivo é continuar. Não vou dizer que serão as nove lojas; há lojas em que esse upgrade fará sentido. Em 2021, será muito cedo para uma segunda loja, mas não quer dizer que não se comece a preparar.
Face aos condicionalismos da vacina, da pandemia a diferentes velocidades, dificultando as viagens, quando o turista internacional tem um grande peso nas vendas do luxo, como encara a reabertura?
O turismo, na nossa expectativa, antes de 2024 não voltará aos níveis de 2019. Há uma franja do consumidor português que tento captar para as minhas marcas e é aí que vamos apostar. Na Tod’s, 50% dos consumidores são nacionais, na Burberry são 80-20%, dependendo da altura do ano. Temos de continuar esse trabalho da Tod’s junto do consumidor nacional, na Burberry temos de desmistificar e tornar a marca mais acessível aos portugueses. É muito pelo consumidor português que temos de apostar, nada vai compensar a perda de turismo, temos de nos adaptar.
Novas lojas físicas é algo que equacionam nas atuais circunstâncias?
Até ao final do ano seremos capazes de abrir mais uma ou outra loja. A pandemia vai passar. Temos de aproveitar oportunidades que surjam ou de abertura de lojas de cadeias que ainda têm espaço – poucas dentro do grupo – ou relocalizações, certamente aí teremos novidades até ao final do ano. Algumas lojas antigas, se calhar, precisam de remodelar.
Já tem essas oportunidades identificadas?
Já temos bastante identificadas, não só de novas lojas, como de relocalizações.
Que marcas têm maior potencial?
Não devemos ter mais Tod’s ou Burberry – temos no Porto, em Lisboa e no aeroporto -, mas da panóplia de marcas, a com maior potencial de abrir uma loja nos próximos tempos é a Vans. Temos um plano de crescimento para a Vans ainda pré-pandemia, em novas cidades, que se colocou em espera. O caminho estratégico para a Brodheim está definido: vamos atravessar esta ponte, cheios de nódoas negras, braços partidos, mas vamos. As condições para recuperar disso é que temos de preparar hoje.
Em 2020 perderam metade das receitas. O que espera este ano?
A ótica decresceu cerca de 15% no ano passado. Em 2021, vamos estar quase tanto tempo fechados como em 2020, a única variável diferente é a vacina e a reação da população, se é um total desconfinamento descontrolado ou paulatinamente um regresso a comportamentos normais, visitas a centros comerciais. É imprevisível. Não espero nada melhor do que em 2020 em termos de quebras vs 2019. Vou ficar em linha com o que faturei em 2020, na pior das hipóteses, tudo o que vier a mais de consumo melhor. Não acredito muito no revenge shopping que aconteceu na China (com o desconfinamento). Num ano, o consumidor português ficou muito mais consciencioso de poupança, de onde dedicar o seu investimento.
O Apoiar.Rendas deixou de fora as lojas dos centros mas foi estendido até setembro o pagamento de até metade das rendas. É suficiente?
É o possível. Há um ecossistema de operadores envolvidos, não são apenas os lojistas. O drama hoje é a velocidade com que os apoios chegam às empresas. Há apoios bastante atrasados que nos trazem uma enorme dificuldade de tesouraria, que nos obrigam a recorrer a outros métodos para financiar a empresa para fazer face às despesas, aí é que acho que há espaço para melhoria: a velocidade com que os apoios chegam. Todos os empreendedores quando empreendem sabem do risco que correm. Se depois da crise de 2008 não me preparei durante os bons anos com uma almofada para novos períodos dramáticos, é porque não tenho essa consciência de empreendedor. Todos – governo e empreendedores – temos de fazer um esforço conjunto para garantir a sobrevivência do máximo número de empresas.
PERFIL
2021. O ano de aprender a fazer magia
Com 35 anos, casado, com um filho de dois anos e outro a caminho em junho, Erich Brodheim entrou no negócio da família (o grupo de moda de luxo foi fundado pelo avô, em 1945) há pouco mais de dois anos, como gestor de desenvolvimento de operações. Em janeiro de 2020 assumiu o cargo de vice-presidente de People & Technology. Desde o início do ano, é membro do conselho de administração da Brodheim. Integra o grupo num momento de profunda transformação do retalho e traz na bagagem passagens por multinacionais como BBVA, L’Oréal e Johnson & Johnson, em Lisboa, Madrid e Hamburgo. Oportunidade para conhecer novas culturas e línguas, um dos seus hobbies, como a cozinha, meditação e o ténis. Objetivo para 2021? Aprender a fazer magia.
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