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Na semana passada, o portal MSN publicou um artigo na secção de viagens que fazia recomendações para turistas a caminho de Ottawa, a capital do Canadá. Entre as atrações turísticas apareceu o Banco Alimentar da cidade. “Considere visitar de estômago vazio”, sugeriu o artigo.
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A Microsoft foi obrigada a apagar este guia de viagens bizarro, que, como se pode adivinhar, foi escrito por um serviço de Inteligência Artificial generativa. Mas a empresa não admitiu que esse tenha sido o problema.
“Este artigo foi removido e identificámos que o problema se deveu a erro humano”, indicou um porta-voz citado pelo Insider. “O artigo não foi publicado por IA sem supervisão.”
Isso é algo que, quase nove meses após a explosão de bots de IA generativa como o ChatGPT, já se percebeu que não pode acontecer. O encanto gerado por estas plataformas capazes de escrever textos e criar imagens impressionantes de forma autónoma está a tornar-se mais sóbrio, à medida que se tornam claros os limites da tecnologia e a suas implicações na sociedade e nas indústrias.
“A questão é que neste momento isto é AI, assistentes inteligentes, e não IA. Os computadores já não são estúpidos, mas ainda não são inteligentes. São apenas melhores”, disse ao Dinheiro Vivo o futurista Gerd Leonhard, CEO da The Futures Agency, que acaba de lançar um filme documental sobre Inteligência Artificial, “LookUpNow.”
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“As pessoas tiveram uma expectativa grande do ChatGPT, que ia fazer os seus trabalhos de casa ou teses de doutoramento, e estão a descobrir que é preciso muito mais que um grande modelo de linguagem para falar bem e escrever bem.” Em julho, o número de utilizadores do ChatGPT caiu pela primeira vez desde que a OpenAI o lançou em novembro passado, marcando o fim de uma ascensão notável. Segundo os dados da firma Similarweb, o tráfego na plataforma caiu 9,7%, enquanto as descargas da aplicação para o iPhone afundaram 38% após o lançamento em maio, de acordo com a Sensor Tower.
“É uma ferramenta poderosa mas não é um milagre”, frisou Leonhard, admitindo que o bot conversacional “não é tão bom” como ele pensou inicialmente.
Ao mesmo tempo, as estatísticas indicam que a injeção de capacidades de IA generativa no motor de busca Bing, após o investimento de 10 mil milhões de dólares da Microsoft na OpenAI, não suscitou qualquer interesse nos utilizadores. O Bing até perdeu algumas décimas em termos de quota mundial (de 3,03% em janeiro para 2,99% em julho), com o Google a manter-se hegemónico (92%).
Leonhard não atribuiu demasiada importância a estes indicadores, frisando que o desenvolvimento e investimento continuam, mas considerou que se trata de um ajuste após a loucura inicial.
“Nada pode ser tão quente como a IA generativa foi nos últimos meses, completamente sobreaquecida”, afirmou. “Tivemos um período louco com o ChatGPT, quase fazendo da IA um milagre”, continuou, referindo que a tecnologia funciona bem mas “não é uma máquina milagrosa” e isso reflete-se no arrefecimento.
“Isto é bastante comum quando a tecnologia é sensacionalizada e demasiada gente entra no comboio. Eventualmente normaliza e passa a fazer parte do quotidiano.”
A estes sinais, que indicam uma perda de força da bolha criada com o ChatGPT, juntam-se outros desafios importantes. Há cada vez mais processos legais a serem instaurados contra as empresas envolvidas no “boom” da IA generativa, desde a Microsoft e OpenAI à Meta (casa-mãe do Facebook), Alphabet (dona da Google), Stability AI, Midjourney, DeviantArt, NeoCortex, Prisma Labs e Ross Intelligence.
Os processos são trazidos nalguns casos por coletivos de artistas, noutros de programadores de software, e noutros por empresas que se sentem afetadas. As queixas centram-se essencialmente na prática de recolher vastas quantidades de dados para treinar as plataformas de IA generativa, sem autorização expressa ou sem licenciamento, em violação de direitos de autor alegados pelos queixosos.
Por exemplo, a Microsoft e a OpenAI são acusadas de infringirem o copyright (direitos autorais) de programadores com o lançamento do GitHub Copilot. Outro processo contra a Stability AI, Midjourney e DeviantArt foi trazido por artistas alegando o uso indevido da sua arte no treino dos bots. Aqui, o juiz mostrou-se cético quanto às alegações dos artistas – o que espelha como é difícil aplicar as atuais leis de copyright à nova era da IA – mas deixou em aberto uma nova queixa.
Há também um processo contra a Google, pelo uso de dados no treino do seu bot IA Bard, e outro contra a Meta trazido por autores de livros que a acusam de infração no treino dos seus grandes modelos de linguagem Llama.
Há ainda questões de privacidade. A Prisma Labs, criadora da app Lensa A.I., que produz imagens fantasiosas a partir das fotos dos utilizadores, foi processada por vários queixosos segundo os quais a empresa não os alertou para a recolha invasiva de dados biométricos na produção das imagens.
A OpenAI é, de longe, a que tem mais processos em curso, mas este é um território desconhecido em que a tecnologia avançou mais rapidamente que os legisladores.
Esse é o centro da questão, disse Gerd Leonhard.
“Temos de olhar para os benefícios e os potenciais perigos e colaborar para construir um novo sistema. Não podemos fazer isso depois”, alertou. “Uma vez que tenhamos perdido o controlo ou tivermos causado pânico generalizado, será demasiado tarde para chegar a um acordo.”
O futurista, baseado na Suíça, deu nota positiva à Lei da União Europeia sobre IA, aprovada pelo Parlamento Europeu em junho.
No entanto, deixou o aviso de que será preciso um “conselho global” para lidar com as enormes implicações da nova era da IA. “Se vamos criar uma máquina que sabe e compreende tudo, isso vai requerer regulação apropriada, tal como a energia nuclear.”
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