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O presidente da administração do BPI defendeu nesta terça-feira, no Tribunal da Concorrência, a existência de uma entidade independente que defina regras claras para o setor e admitiu que sabia da troca de informação que originou o processo da AdC.
Fernando Ulrich, presidente do Conselho de Administração do BPI, depôs na fase final do julgamento dos pedidos de impugnação das coimas aplicadas, em setembro de 2019, pela Autoridade da Concorrência (AdC), a 12 bancos, num valor global de cerca de 225 milhões de euros, que decorre, desde 06 de outubro de 2021, no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém.
Questionado pelo Procurador do Ministério Público, Fernando Ulrich afirmou que, após a intervenção da Autoridade da Concorrência, em 2013, que deu origem à condenação por troca de informação sensível, entre os visados, durante mais de 10 anos (de maio de 2002 a março de 2013), essa prática, que era do conhecimento da gestão do banco, cessou, não tendo voltado a existir nada do género.
Criticando a forma como a AdC anunciou a sua decisão em 2013, com uma “encenação” que, segundo disse, visou justificar junto da opinião pública uma multa global superior a 224 milhões de euros, Fernando Ulrich procurou, durante mais de duas horas, demonstrar que a informação partilhada era pública e essencial para fazer funcionar a concorrência.
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Para ilustrar o comportamento da banca, o presidente do BPI deu o exemplo dos corredores da Fórmula 1, que, se ignorarem o comportamento dos rivais, “ou se suicidam” ou circulam todos a 60 quilómetros hora.
“A gestão de olhos vendados que alguns procuram defender não existe”, declarou, salientando que, em todos os negócios, todas as empresas procuram saber o que os outros andam a fazer, o que só é possível ou por troca entre concorrentes ou se a informação for fornecida por uma entidade independente.
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Fernando Ulrich afirmou que gostaria de ver no negócio bancário uma entidade equivalente à Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM), que recolhe e divulga um “manancial de informação enorme”, já que entende que toda a informação dever ser pública, no sentido mais amplo, e as regras “taxativas e claras e com menos espaço para interpretações”.
Para o administrador do BPI, a informação obtida pela troca de dados entre funcionários, que está em causa no processo movido pela AdC, é “útil para o mercado concorrencial”, já que reportava a dados passados ou presentes e quando se referia a futuros, como a indicação à sexta-feira dos valores de ‘spread’ que entrariam em vigor na segunda-feira seguinte, era de decisões já tomadas.
Na sua condenação, a AdC deu como provada a troca, entre os visados, de informação sensível, durante mais de 10 anos (de maio de 2002 a março de 2013), relativa aos preços a praticar nos créditos à habitação, ao consumo e às empresas, nomeadamente com partilha de tabelas de ‘spreads’ a aplicar aos créditos a clientes, o que consubstancia uma prática concertada entre concorrentes.
O administrador do BPI considerou de “grande ironia” a ação visar o crédito à habitação, que classificou como o “mais competitivo e que maior valor cria para os clientes”, fazendo o histórico do período em causa, marcado, nomeadamente, pela presença da ‘troika’ em Portugal e por momentos em que os ‘spread’ estavam muito baixos.
Ulrich, que, apesar de já não ter funções executivas, disse ter feito questão de vir responder por um período em que todas as decisões passavam por si, assegurou que não existiu qualquer “combinação” entre concorrentes e apontou o falhanço da fusão com o BES (decidido na véspera unilateralmente por este), a OPA hostil lançada pelo BCP, que visou “destruir o BPI”, e “o que o Santander fez ao BPI”, como tendo deixado “feridas” que tiravam qualquer “vontade para andar a conspirar contra clientes”.
Na crítica à atuação da AdC, Ulrich considerou particularmente “chocante” que esta não seja independente, já que 40% do valor das coimas que aplica “vão diretamente para os cofres da Autoridade”.
“Há um conflito de interesses enorme”, declarou, referindo-se ao comunicado divulgado pela AdC no momento da condenação como uma “peça absolutamente extraordinária”, que “cria uma perceção errada junto da opinião pública” — a de que os consumidores saíram prejudicados com a troca de informação –, sem que tenha explicado no concreto que tal aconteceu.
Questionado pelo Procurador Paulo Vieira sobre os resultados do banco em 2021 — já que a multa de 30 milhões de euros aplicada pela AdC teve por base o volume de negócios de 2018 -, Fernando Ulrich afirmou que “felizmente” o banco pode pagar esse valor, o qual contesta pela “injustiça enorme” e pelo “sinal completamente errado” que dá da atuação e comportamento do banco junto dos clientes, os quais, assegurou, não foram prejudicados.
A AdC condenou a Caixa Geral de Depósitos (CGD) ao pagamento de 82 milhões de euros, o Banco Comercial Português (BCP) de 60 milhões, o Santander Totta de 35,65 milhões, o BPI em 30 milhões, a Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) em 13 milhões (coima reduzida em metade por ter aderido ao pedido de clemência), o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria em 2,5 milhões, o BES em 700.000 euros, o Banco BIC em 500.000 euros, o Deutsche Bank (cuja infração prescreveu em outubro de 2020) e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo em 350.000 euros cada um, a Union de Créditos Inmobiliarios em 150.000 e o Banif em mil euros.
O julgamento prossegue na quarta-feira com a audição do autor de um dos estudos juntos ao processo, que o Tribunal aceitou voltar a ouvir depois do testemunho de um economista sénior da AdC, arrolado pelo Ministério Público para analisar os estudos juntos pelo BPI, BCP e Santander, estando agendados para sexta-feira os depoimentos dos legais representantes da CGD e do BCP.
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