O milagre de Natal da Farfetch não veio do Polo Norte, mas da Coreia do Sul, na forma de uma venda que salva a empresa de José Neves da insolvência. O grupo de comércio eletrónico Coupang, que tem sido descrito como a resposta da Coreia à Amazon, vai comprar a Farfetch num negócio que envolve um empréstimo imediato de 500 milhões de dólares, ou 459 milhões de euros, com juro anual de 12,5%.
É um desfecho que impede a bancarrota daquele que foi o primeiro unicórnio português, mas com custos elevados para o sonho de José Neves. Além dos despedimentos previstos, de cerca de 25% da força de trabalho (a Farfetch tem 3342 empregados em Portugal), a plataforma de moda de luxo será retirada de cotação da Bolsa de Nova Iorque. É esperada uma perda total para investidores e trabalhadores com ações de Classe A e B e notas convertíveis.
“Sem esta liquidez, a Farfetch Limited e as suas subsidiárias não teriam conseguido continuar”, escreveu a empresa no comunicado do negócio, dizendo que o conselho de administração ficou “desapontado” com a liquidação da Farfetch Limited, mas ao mesmo tempo “satisfeito” por ter sido possível assegurar a continuidade das operações.
O acordo estava a ser negociado com urgência depois de a Farfetch ter suspendido a apresentação de resultados do terceiro trimestre, que estava marcada para 29 de novembro. Sob grande desconfiança no mercado, tornou-se evidente que a empresa fundada em 2008 estava à beira da falência. A Bolsa de Nova Iorque suspendeu a negociação dos títulos.
“As provas dadas e profunda experiência da Coupang a revolucionar o comércio irão permitir-nos entregar um serviço excecional para a nossa marca e para as boutiques parceiras, bem como os nossos mais de quatro milhões de clientes em todo o mundo”, disse José Neves, no comunicado do negócio. “Estamos entusiasmados por entrarmos em parceria com uma empresa Fortune 200 tão respeitada que está empenhada em investir em inovações que transformam todos os aspetos da experiência de cliente com a Farfetch.”
Neves, de 49 anos, terá tentado vários ângulos para salvar a empresa antes de chegar a este negócio. O grupo Richemont, que detém a Cartier, não quis injetar dinheiro e o acordo existente para vender 47,5% da Net-a-Porter à Farfetch foi dissolvido.
A oportunidade é agora da Coupang, que está a posicionar-se para competir melhor no segmento do luxo. Foi isso que a gigante disse em comunicado aos investidores.
“Esta aquisição posiciona a Coupang como líder no segmento global de bens pessoais de luxo, que vale 400 mil milhões de dólares”, afirmou a empresa sul-coreana em comunicado. A gigante , e – à semelhança da Amazon – também oferece streaming de vídeo, compras de supermercado e serviços de pagamento.
O CEO, Bom Kim, que fundou a plataforma de e-commerce em 2010, não poupou elogios ao antigo unicórnio português.
“Farfetch é um ponto de referência do cenário de luxo e tem sido uma força transformadora ao demonstrar que o luxo online é o futuro do retalho de luxo”, declarou. “A Farfetch vai rededicar-se a oferecer a experiência mais elevada às marcas mais exclusivas do mundo, ao mesmo tempo que procurará um crescimento sustentado e considerado como empresa privada”, continuou. “Também vemos tremendas oportunidades para redefinir a experiência de compra para clientes de luxo em todo o lado.”
O modelo de negócio e a tecnologia inovadora da Farfetch, cuja sede é em Londres, explicam porque é que a empresa se tornou um marco no segmento de luxo, chegando a atingir uma valorização de 23 mil milhões de dólares em 2021, três anos depois da entrada em bolsa.
Com mais de 500 boutiques parceiras e um universo de clientes superior a quatro milhões, distribuídos por 190 países, a Farfetch registou anos de glória durante a pandemia – com lucros que fizeram disparar o valor da empresa.
Mas o aumento galopante dos custos, uma dívida crescente, investimentos de alto risco e ventos contrários na economia global, que levaram ao abrandamento do mercado de luxo, destroçaram as contas da Farfetch. De 23 mil milhões, o seu valor tombou para cerca de 200 a 220 milhões de dólares. Ainda é possível ver a informação no site da empresa para investidores mostrando o ticker e a última cotação: 64 cêntimos de dólar por ação. Chegou a valer 73,35 dólares no seu auge.
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