//Fim de uma era. Jony Ive sai da Apple, mas continuará ligado a ela

Fim de uma era. Jony Ive sai da Apple, mas continuará ligado a ela

A sua voz grave, com sotaque britânico e articulação pausada tornou-se a marca dos anúncios de novos produtos da Apple, falando das linhas refinadas, do trabalho dos engenheiros, das características únicas que tornavam um iPhone ou um iPad nos “melhores de sempre.” Jony Ive era, até agora, o grande responsável por manter o espírito de Steve Jobs vivo na Apple, oito anos depois da morte do co-fundador.

O diretor de design, que anunciou a sua saída no final de 2019, foi o grande mentor da estética que fez renascer a empresa no final dos anos noventa. O maior aliado de Steve Jobs nesse regresso que a transformou na gigante que é hoje. Dos seus dedos saíram os iMacs com cor de rebuçado que trouxeram uma paleta variada a um mercado cinzento como nunca se vira antes. Da sua caneta saiu a imagem icónica dos iPods, que no início da década de 2000 permitiram à Apple tomar de assalto o mercado nascente da música digital. Seguiu-se o telemóvel messiânico, o iPhone. E mais recentemente, foi um dos grandes responsáveis pelo monumental projeto Apple Park.

A saída de Jony Ive é uma grande perda para a empresa, tanto que ele não será substituído. Em vez disso, a liderança no design será repartida por Evans Hankey, vice-presidente de Design Industrial, e Alan Dye, vice-presidente de Design de Interface Humano. Além disso, aApple vai tornar-se cliente do novo estúdio de design que Jony Ive irá fundar. Faz sentido: a identidade da Apple como a conhecemos é indistinguível do traço do designer britânico, e tentar preencher o vazio que ele vai deixar seria difícil. Por outro lado, a Apple tem uma máquina bem oleada e a capacidade de atrair alguns dos maiores talentos do mundo na área do design. E também é possível que Tim Cook pretenda experimentar uma forma diferente de fazer as coisas, mantendo Ive a colaborar no design mas contratualizando esse trabalho.

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“Depois de 30 anos e inúmeros projetos, estou muito orgulhoso do trabalho duradouro que fizemos para criar uma equipa, processo e cultura de design na Apple que não têm paralelo”, disse Ive no comunicado lançado pela Apple, esta quinta-feira à noite. Ive atirou mais alguns elogios, dizendo que a empresa está mais forte e vibrante que nunca e que a equipa irá ser bem sucedida sob a liderança dos vários executivos veteranos que estão no leme.

O novo estúdio de design que Sir Jonathan Ive vai fundar chama-se LoveFrom, segundo o próprio designer revelou ao Financial Times, nome que terá sido inspirado em Steve Jobs. “Houve uma reunião de empregados há alguns anos e o Steve estava a falar”, contou Ive ao jornal. “Ele disse que uma das motivações fundamentais foi que quando fazes alguma coisa com amor e cuidado, mesmo que provavelmente nunca venhas a conhecer as pessoas para quem o estás a fazer, nem apertar-lhes a mão, ao fazer algo com cuidado, está a expressar gratidão à Humanidade, à espécie.”

Ive não esteve na Apple os 30 anos que referiu – é um arredondamento. Entrou como empregado a tempo inteiro há 27 anos, em 1992, depois de um início de carreira bem sucedido na Tangerine, uma empresa londrina de design da qual foi cofundador. A sua relação com a Apple começou quando a tecnológica se tornou cliente da consultora, notoriamente para o desenho do PowerBook, e agora a história vai repetir-se.

Formado em Arte e Design no Politécnico de Newcastle, que agora se chama Universidade de Northumbria, os primeiros cinco anos de Ive na sede da Apple, em Cupertino, não foram espampanantes. A verdadeira diferença começou em 1997, quando Steve Jobs regressou à companhia e encontrou em Jony Ive o parceiro que procurava para reinventar a Apple. O designer era obcecado com a facilidade de utilização e simplicidade das linhas, tal como Jobs. Juntos, levaram a obsessão aos detalhes a um nível inédito, tornando o design tão importante quanto as especificações técnicas. Alguns diriam até mais importante.

Agora, aos 52 anos, Ive vai procurar reinventar-se. Talvez o facto de a Apple ter perdido o fulgor inovador que teve noutros tempos tenha influenciado a decisão, mas é verdade que o designer já tinha começado a diversificar o seu papel na empresa quando trabalhou no Apple Park. Tim Bradshaw, que conseguiu o exclusivo para o Financial Times, disse num vídeo de comentário à entrevista que a sua sensação é de que Ive simplesmente quer deixar a sua marca noutras áreas, além da tecnologia. A Apple será o primeiro cliente da LoveFrom, mas ali Ive terá a possibilidade de tocar muitos outros segmentos, diversificar o tipo de trabalho que faz e o tipo de pessoas que o inspiram.

O impacto que a saída terá até pode não ser sentido nos próximos lançamentos de produtos. Mas há muito que a Apple não surpreende o mercado pelo arrojo das suas ideias, e a liderança de Tim Cook é fundamentalmente diferente da de Steve Jobs. O ciclo está encerrado.

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