As empresas de vinho estão a passar por “sérias dificuldades”, que se irão manter “até ao final deste ano”, pelo menos. A convicção é do novo presidente da ViniPortugal, que teme por falências e encerramentos no sector: “Estão-me a chegar informações de muitas empresas de vinhos que estão à venda porque as pessoas não têm capacidade para aguentar os negócios sem estarem a vender durante tanto tempo”, diz Frederico Falcão, que recusa citar regiões, garantindo que o problema “não é local, é nacional”. A solução, defende, é investir mais e melhor na promoção internacional.
Estudos recentes garantem que o consumo de vinho em Portugal aumentou durante o confinamento, mas este responsável garante que “isso não é verdade”. Frederico Falcão lembra que há uma ligação estatística “fortíssima” entre o turismo e o consumo de vinho em Portugal e que, por isso mesmo, sem turistas, a “única saída” é a exportação. “Tudo aquilo que, durante muito tempo, nós já suspeitávamos, agora temos evidências estatísticas. Portugal é o maior consumidor per capita de vinhos no mundo não porque os portugueses bebem loucuras de vinho, são os turistas que vêm a Portugal que são surpreendidos pela qualidade dos vinhos e, sobretudo, pela relação custo/qualidade e, portanto, consomem muito vinho no país”, destaca.
Por outro lado, a restauração é responsável por 32% da quantidade de vinhos vendidos no país, mas assegura 56% do valor dessas vendas, sendo vital para um número significativo de pequenos operadores. “Os dados que temos apontam, obviamente, para uma queda drástica na restauração. Nas grandes superfícies, houve um crescimento inicial, mas que depois voltou aos valores normais, mas com uma deslocalização para vinhos de gamas mais baixas e para formatos maiores, nomeadamente os bag in box“, explica Frederico Falcão. Que acrescenta: “Se tivermos em conta que 75% do sector do vinho são microempresas e que não vendem, a grande maioria, para a moderna distribuição e muitas delas nem sequer exportam, já que só 18% do total das empresas de vinhos são exportadoras, rapidamente concluímos que o grosso do nosso tecido empresarial está a passar por uma fase muitíssimo difícil, porque o mercado que tinha de vendas, o mercado à porta, da restauração nacional, está praticamente fechado. E vai continuar com sérias dificuldades, até ao final do ano, pelo menos”.
A situação é pior para as empresas de pequena dimensão. “Obviamente que as grandes empresas têm menores dificuldades porque vendem para as grandes superfícies, em Portugal e no exterior. Os mais pequenos, que não têm acesso a esse canal e que, quando exportam, é para a restauração e para lojas especializadas, tiveram, até aqui, todos os canais de venda fechados. A situação é mesmo muito difícil”, frisa.
A “única saída”, diz, é a exportação e aí, a ViniPortugal, que é o organismo interprofissional responsável pela promoção internacional, pode dar uma ajuda. Com um orçamento de 5,8 milhões de euros, tinha previsto este ano realizar mais de 100 ações em 16 mercados estratégicos, com especial destaque para os EUA, Brasil, Canadá e China. Iniciativas que foram, na sua grande maioria, anuladas ou adiadas. Agora, procura decidir, mercado a mercado, que ações pode ainda fazer e quais as que tem de reformular.
No Brasil, por exemplo, prepara-se para realizar um grande evento digital, em outubro, que irá substituir as provas do Rio de Janeiro e de São Paulo, que juntam anualmente quase 10 mil pessoas. E pondera ainda realizar ações na grande distribuição, como forma de compensar as quebras no mercado da restauração, fortalecendo a presença portuguesa e cimentando o segundo lugar nacional no top dos vinhos importados. “Estamos a procurar reinventarmo-nos todos os dias para não perdermos a presença nos mercados”, refere.
Garantido é que, mesmo com muitas ações ainda previstas para outubro e novembro, o investimento este ano será muito menor que o orçamentado. A estratégia passa por reforçar o plano de 2021. E embora o setor pretendesse que as verbas que ficassem por usar este ano pudessem acumular para o próximo, “reforçando a capacidade de promoção” da marca Vinhos de Portugal, Bruxelas não está pelos ajustes. Mesmo que a pretensão fosse extensiva a outros produtores europeus, como os espanhóis, franceses e italianos. A expectativa, agora, é que o envelope que o Instituto da Vinha e do Vinho aloca à promoção possa ser, para o ano, reforçado, retomando valores de anos anteriores, quando o orçamento da ViniPortugal rondava os oito milhões de euros, em vez dos seis atuais.
Questionado sobre o pacote de 10 milhões anunciado pelo Governo para o sector, Frederico Falcão considera que o apoio ao armazenamento é uma “ótima medida”, já que constitui uma ajuda à tesouraria das empresas. Já a destilação de crise não o convence tanto, sobretudo aos valores a que se fala, de 40 cêntimos o litro, mas, sublinha, “foi a solução que o sector pediu”.
Quanto às prioridades do seu mandato na ViniPortugal, que decorre até 2023, naquele que será, provavelmente, o período mais desafiante do passado recente do sector, Frederico Falcão destaca três áreas. A primeira, a criação de um Observatório do Vinho, que permita dotar os agentes económicos de dados atualizados, “em tempo útil”, quer do mercado nacional, quer internacional, com estudos que os “habilitem a conhecer melhor os mercados, antes de lá irem”, uma iniciativa que quer colocar no terreno até ao final do ano, eventualmente a tempo, ainda, das ações previstas no exterior em novembro e dezembro.
O segundo foco será a formação, com a criação de um plano específico sobre técnicas de vendas para os agentes económicos. “Vender é uma arte e nós quando vamos a feiras ou a provas, quando estamos a lidar com compradores, sommeliers ou distribuidores, temos que saber passar a informação da melhor maneira possível”, defende. E, claro, o foco na barreira dos mil milhões de euros de exportações, que o plano estratégico da ViniPortugal para o período de 2019-2023 estabelecia como meta a alcançar em 2022. “É uma meta que já exigia um esforço redobrado, dado que, analisando a tendência de crescimento das estatísticas recentes, só seria atingida em 2024, mas não vamos desistir, não vamos atirar a toalha ao chão, nem sequer arranjar desculpas para não atingir objetivos”, garante.
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