//Fundação Vodafone. “Decidimos parar de apenas passar cheques”

Fundação Vodafone. “Decidimos parar de apenas passar cheques”

Andrew Dunnett, o diretor da Fundação Vodafone, não tem dúvidas: Um telefone pode salvar uma vida. É essa a experiência que a Fundação Vodafone tem testemunhado ao longo dos seus 27 anos de existência, colocando a tecnologia ao serviço de projetos de combate à violência de género, de apoio a refugiados ou populações desfavorecidas em todo mundo.

Nos mais de 209 programas que a Fundação Vodafone tem em curso, através das 27 fundações espalhadas pelos países onde a operadora está presente, Andrew Dunnet tem vindo a ver o efeito transformador da tecnologia. A Fundação, que gere um orçamento anual de 52 milhões de euros, investiu cerca de 850 milhões de euros em mais de duas décadas de existência. Só em programas de literacia já estendeu a sua ação a 31 escolas em 7 campos de refugiados em países como Quénia, Sudão, Tanzânia ou República Democrática do Congo, tendo apoiado mais de 66 mil refugiados e mais de 600 professores. Mais de 100 mulheres na Europa foram abrangidos através dos programas de anti-violência apoiados pela Fundação.

Em Portugal, onde o programa Praia Segura é um dos 12 em atividade, a Fundação já investiu mais de 12 milhões de euros.

Andrew Dunnett falou ao Dinheiro Vivo e explica o que mudou na forma como a Fundação Vodafone decide onde investir. Por ano, recebe cerca de 12 mil pedidos de apoio.

As 27 fundações Vodafone estiveram reunidas em Lisboa. Que novas direções podem sair desta ‘cimeira’ em Lisboa?

Não é propriamente uma cimeira, mas mais uma reunião interna das equipas da Fundação. A empresa está a investir 52 milhões euros este ano nos programas de 27 países. É mais ou menos o mesmo valor dos últimos 5/6 anos, mas estamos a alavancar cada vez mais dinheiro, a encontrar mais parceiros dispostos a colocar dinheiro em programas que estamos a dinamizar. Nos últimos anos, os nossos funcionários levantaram 7 milhões de dólares para programas, levantamos 118 milhões dólares de dinheiro externo para programas em que estamos a trabalhar, particularmente em África.

Irá sair um compromisso renovado. A Fundação existe para usar a nossa tecnologia para tornar o mundo melhor. Temos cerca de 50 pessoas em Portugal e há um grande e renovado compromisso em fazer isso, de tirar o máximo partido do dinheiro, de gerar o maior impacto possível com o dinheiro que nos tem sido dado pela Vodafone.

Qual o programa que tem tido o maior impacto na vida das pessoas?

É difícil responder porque não fazemos uma única coisa. Cada país decide sobre onde quer investir esse financiamento. Recebemos 12 mil pedidos de ajuda por ano e o número dos pedidos só tem vindo a aumentar. Há cerca de 6 anos decidimos que iríamos ligar a doação à tecnologia. Há 10 anos o smartphone levantou voo com o iPhone e as pessoas começaram a ver como as redes móveis são transformacionais quando avançamos da voz para dados móveis. Passamos de 5% dos nossos projetos associados com conectividade e o móvel, para cerca de 80% diretamente ligados ao móvel.

Mas quais aqueles que sente estarem a fazer a diferença?

Praia Saudável é um programa fabuloso, famoso no mundo Vodafone pelo número de praias (100) e de intervenções que salvaram vidas (cerca de 17 este verão), 10 mil jovens com formação Praia Saudável, ensinando-os sobre correntes, etc. É um investimento a longo prazo que teve um impacto real em termos da segurança das praias em Portugal.

Um programa que estamos a trabalhar no Reino Unido, que lidero, é em torno da violência de género. O TecSOS começou em Espanha, em que desenvolvemos um telefone para vítimas em alto risco de violência. Na Europa, uma em cada quatro mulheres irão sofrer violência de género durante a sua vida.

Com o nosso conhecimento, com as nossas redes, com a nossa base de empregados, podemos fazer mais do que passar cheques”

Criamos um atalho no telefone, e quando se carrega no botão central do telefone abre uma linha direta para polícia, que tem esse número registado na central. As autoridades ficam a saber quem são e tudo o que se está a passar. No Reino Unido há 13 mil, sobretudo mulheres (96%), que usaram este programa. Temos cerca de 4 mil terminais na rua no Reino Unido e, num ano, sete vidas foram salvas, simplesmente porque houve uma resposta rápida. Eu ativo, a polícia nem precisa de falar comigo, sabem que há um risco de violência e, imediatamente, enviam os agentes. Tivemos cerca de 100 mil utilizadores por toda a Europa. Espanha tem sido uma força impulsionadora.

Em Portugal a violência doméstica é também um problema. Há planos para trazer o programa?

Estamos a olhar para isso. Não é algo simples de implementar, porque tem de estar integrado nos sistemas da polícia e estamos a falar de casos de alto risco. De pessoas, por exemplo, cujos ex-companheiros estão a sair da prisão.

Há um mês, em Londres, conheci uma senhora que tinha dado o seu telefone a alguém que conheceu num bar para colocar o seu número, ele instalou o Find my Friends (aplicação que permite localizar pessoas). Ela não conseguia perceber como estava a ser seguida. Tudo acabou num caso sério de agressão sexual. Demos-lhe um dos nossos telefones enquanto aguardava o julgamento.

Depois do TecSOS decidimos fazer algo mais abrangente, com Bright Sky, neste momento apenas a funcionar no Reino Unido, mas estamos a pensar levá-lo para outros mercados. Permite que as pessoas avaliem se estão numa relação abusiva. Criámos uma aplicação com uma ONG no Reino Unido que permite que as pessoas possam fazer isso e, através de geolocalização, encontrar a ajuda mais próxima, ligar a uma linha de apoio nacional, ter acesso direto à polícia e também manter um diário das ocorrências desse abuso, o que é crítico quando, eventualmente, vão à polícia.

Pela Europa, a maioria mulheres, sofre 33 a 34 incidentes sérios de violência doméstica antes de irem à polícia.

Quando vai para a África subsariana, a educação, saúde, acesso a financiamento são três áreas onde vemos a nossa tecnologia a transformar vidas. Em particular no ensino digital. Quando não tem acesso à internet e não há livros, quando traz conectividade a um equipamento e, de repente, tem acesso a tudo o que já foi escrito… É uma revolução que está a ter lugar durante a nossa vida.

Ajudamos a criar uma série de plataformas de ensino para trazer conteúdo educacional, ligado ao currículo nacional desses países. Temos 750 mil pessoas a usar esse conteúdo; 34 escolas em campos de refugiados.

O tema dos refugiados tem ganho expressão na Europa. Como têm respondido?

Há 12/13 anos estávamos apenas a assinar cheques a organizações que trabalhavam com refugiados. Falamos com uma ONG de tecnologia, a Télécoms Sans Frontières, e, nessa fase, estávamos literalmente a dar-lhes dinheiro para fazerem chamadas de emergência. Seja em África ou em outras partes do mundo, quando os refugiados chegam, muitos não têm telefone ou têm um muito básico, não têm bateria. Eles faziam uma chamada de emergência, dizendo a um familiar que tinham sobrevivido e onde estavam.

Nos últimos cinco anos desenvolvemos um conjunto de produtos a trabalhar com a Télécoms Sans Frontières. Desenvolvemos a rede mais rápida de implementar, a Instant Network, que pode ser implementada em 45 minutos e serve 100 km, com mensagens ilimitadas.

Temos 70 engenheiros em todo o grupo, treinados para avançar a qualquer momento para qualquer crise humanitária ou desastre

Quando a crise europeia dos refugiados começou apercebemo-nos pela primeira vez que os refugiados estavam a chegar com smartphones e queriam wi-fi e carregamento de bateria gratuito. Desenvolvemos dois novos produtos: unidades de carregamento em campos de refugiados, onde há filas de carregamentos, permitindo que as pessoas pudessem carregar as baterias dos seus telefones sem custos em vez de terem de pagar; e estamos a lançar o Instant wi-Fi (rede de wi-Fi numa caixa).

Tem um português a trabalhar nesses projetos.

Foi um dos elementos da equipa que foi a Lesbos (Grécia). Temos 70 engenheiros em todo o grupo, treinados para avançar a qualquer momento para qualquer crise humanitária ou desastre, e ele é um desses voluntários. Nós treinámo-los em tudo, desde situações de sobrevivência, sequestro, todo o tipo de situações e permitimos que levem os seus conhecimentos e capacidades para implementar redes e wi-fi para aliviar o sofrimento daqueles que são apanhados nestas tragédias e desastres.

Está na Vodafone desde 2006. As pessoas exigem mais das marcas, querem que se preocupem com o que os preocupa e não se limitem a vender serviços ou produtos. Sente mais pressão?

Se há mais pressão? Fizemos uma série de decisões críticas: que não iríamos assinar cheques, que iríamos manter a mesma quantia de dinheiro, mas parar de passar cheques às organizações de beneficência. Pensamos que, com o nosso conhecimento, com as nossas redes, com a nossa base de empregados, podemos fazer mais do que passar cheques.

A segunda decisão é que iríamos relacionar as doações com a tecnologia. Para começar, quando partilhas o que estás a fazer no combate à violência doméstica com 200 a 300 funcionários, eles ficam estimulados com a forma como a nossa tecnologia está a transformar vidas e isso é muito poderoso.

O desafio é escolher os projetos vencedores, coisas que funcionam. Medimos o sucesso dos nossos projetos em três coisas: estamos a ser inovadores; o projeto é escalável (porque queremos escala e não algo pequeno); é sustentável ou desmorona se paramos o nosso financiamento e avançarmos para algo diferente.

O que nos faz mover é uma crença apaixonada de que a tecnologia está a fazer o mundo melhor para muitas pessoas. Sei que por cá se discute o 4G e 5G, mas há ainda muita gente que está a descobrir a Internet, há muitas pessoas que não têm como pagar internet móvel.

Não há muito tempo conheci uma senhora no Egito, onde temos um grande programa de literacia que permitiu que cerca de meio milhão de mulheres tenham aprendido a ler e a escrever através de um smartphone básico ou um tablet e um programa de leitura. Perguntei-lhe porque queria aprender a ler e a escrever. Primeiro disse que queria ler o Corão, depois de uma pausa, disse que queria ensinar os filhos a ler e a escrever, para não terem a desvantagem que ela tinha. Depois calou-se, apercebi-me que queria dizer mais qualquer coisa e fiquei sentado em silêncio. Disse que também queria aprender a ler e a escrever porque não tinha um telemóvel, mas o seu marido sim e ela queria ler as mensagens no seu telemóvel.

Para mim, foi um momento muito poderoso, de que isto não era apenas sobre educação, era sobre o empoderamento das mulheres, responder a um desequilibro na relação, dar-lhe a autoconfiança que vem de ser capaz de ler e escrever.

O sector privado está a fazer o suficiente?

As empresas estão a reconhecer que as pessoas querem que sejam parte da solução em vez de parte do problema. Há uma mudança de estado de espírito e isso vê-se não só na retórica, como na prática de que as companhias precisam de fazer mais, precisam de dar esse passo. A Vodafone tem uma longa história, através da sua Fundação e dos seu negócio core, em reconhecer a significância do produto que está a entregar na forma como está a transformar vidas. Fazer bem faz parte de ter sucesso nos negócios.

O desafio para mim, no papel que tenho, é continuar a reinventar isso: como nós, como organização de beneficência, pegamos no dinheiro que temos e fazemos o maior impacto para aqueles mais vulneráveis e marginalizados na comunidade onde a Vodafone opera e fazer isso da melhor maneira possível. É um desafio continuar a inovar, a reinventar. É um enorme privilégio fazer isso.

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