//Governo adia botija solidária para 2019. Empresas criticam projeto-piloto

Governo adia botija solidária para 2019. Empresas criticam projeto-piloto

Esteve muitos meses na gaveta, do lado das Autarquias Locais, que se questionavam sobre a legalidade dos municípios poderem vender botijas de gás, foi depois assinada e publicada à pressa, em pleno mês de agosto, e agora, meses depois e já ultrapassados todos os prazos, a portaria que criou o projeto-piloto para testar a tarifa solidária para o gás engarrafado em 10 municípios vai ser revista e republicada, anunciou ontem o governo. Questionados no Parlamento sobre o tema, o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e o novo secretário de Estado da Energia, João Galamba, não quiseram falar sobre o assunto.

“A revisão da portaria já se encontra em curso, sendo expectável a sua conclusão e posterior publicação antes do final do primeiro trimestre de 2019 […] abrindo a possibilidade de qualquer município se candidatar ao projeto-piloto da tarifa solidária de GPL”, disse ontem o Ministério do Ambiente e da Transição Energética, num comunicado enviado ao Dinheiro Vivo. No documento original eram apenas 10 as autarquias que seriam convidadas pelo governo para integrar o projeto-piloto, não tendo sido divulgada até agora esta lista. Sabia-se apenas que seria dada prioridade aos concelhos do Interior, sem gás natural, muitas aldeias e população envelhecida. A grande maioria das famílias portuguesas (cerca de 75%) ainda dependem do gás engarrafado.

Inicialmente previsto para avançar ainda em 2018, estas novas metas indicam que o projeto da botija vendidas a preços solidários – cerca de 18 euros, muito abaixo da média de 26 euros praticada no mercado – tão cedo não deverá chegar ao terreno. Até lá, cerca de 800 mil famílias economicamente vulneráveis continuarão à espera do gás a preços mais acessíveis. Estando o “quando” ainda em aberto, o mesmo acontece com o “como”, ou seja, continua a não se saber como será operacionalizada a venda da botija solidária.

Assinada pelo antigo secretário de Estado da Energia, Seguro Sanches, entretanto afastado da pasta por António Costa, e pelo seu colega das Autarquias Locais, Carlos Miguel, a Portaria n.º 240/2018 levantou dúvidas desde o primeiro minuto por parte das empresas do setor, que acusavam o governo de falta de diálogo e criticavam a forma como o projeto iria ser posto em prática, no terreno, pelo facto de a venda ser feita diretamente pelas autarquias, ideia que nunca reuniu consenso.

Filipe Henriques, diretor de GPL, gás natural e eletricidade residencial da Cepsa, confirma que não há ainda data para ir para o terreno e sublinha a indefinição: “Quanto mais cedo melhor. Estamos só à espera do modelo final para prepararmos os nossos sistemas informáticos para a comercialização da garrafa solidária. Não sabemos quais são os municípios, quando se começará a vender. Falta definir questões técnicas importantes: as empresas vendem só num município ou em todos? O consumidor só pode comprar no seu município?”.

Já Juan Antonio García Galnares, administrador delegado de GPL da Repsol em Portugal, sublinha que não foram consultados para a elaboração da portaria e garantiu que a empresa comunicou à DGEG as suas reservas em relação ao projeto. Só para poder vender a garrafa solidária a Repsol terá de investir 100 mil euros, disse. “O projeto original levanta problemas e pode ser melhorado. Como é que uma pessoa idosa que precisa de uma garrafa de gás e que vive longe, se vai deslocar à Câmara Municipal para a comprar? As fraudes e venda no mercado negro também são um problema. E além disto tudo, as pessoas que mudarem de marca com a garrafa solidária terão de mudar também o adaptador/redutor”, disse o responsável da Repsol ao Dinheiro Vivo, garantindo que “todo o processo podia ser muito mais eficiente”.

Fonte oficial da Rubis também critica também a forma como todo o processo em torno da criação de um preço solidário para a botija de gás foi conduzido pelo governo. “Entendemos que deveria ter havido diálogo com toda a indústria em torno deste tema”. Francisco Albuquerque, presidente da Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis, também não concorda com “a forma como o governo quer transferir para as autarquias a responsabilidade da distribuição e venda” das botijas. Já a Deco diz que “a forma como será implementado levanta muitas dúvidas”.

Em resposta a essas críticas, o comunicado do governo revela que esta revisão servirá para clarificar “as obrigações dos intervenientes neste projeto-piloto – municípios e operadores –, aproveitando também para criar a garantia de que as condições oferecidas pelos operadores de mercado de GPL que vigorarem durante o projeto-piloto da tarifa solidária de GPL se manterão mesmo após o término do mesmo, de forma a não defraudar as expectativas dos consumidores vulneráveis”.

Na semana passada, a presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Maria Cristina Portugal, indicou também o início de 2019 como a nova data para o arranque do projeto-piloto. O Dinheiro Vivo apurou que o regulador está a levar a cabo um estudo sobre esta tarifa social para o gás engarrafado, encomendado pelo governo, que ainda não está pronto. “Estamos a avaliar e vamos ter novidades agora no início de 2019. São competências recentes da ERSE, no gás engarrafado. Estamos em período de ajustamento mas esperamos no início de 2019 já ter expressões a serem dadas”, disse a presidente da ERSE.

Galp, Cepsa, Repsol e Rubis são as quatro empresas que já confirmaram ao Dinheiro Vivo que estão interessadas em participar no projeto, estando agora a aguardar que a DGEG as informe sobre os próximos passos. Tudo começou em 2017 com a Cepsa, que avançou com uma proposta de criação de um modelo equivalente ao da tarifa social para o gás de garrafa, um projeto que entretanto foi alargado a outros operadores. Em causa, reconhece o governo, estão os “preços excessivamente altos quando comparados com Espanha”.

De acordo com a portaria original, caberia às autarquias a responsabilidade de definir um espaço próprio e exclusivo para a venda da garrafa solidária apenas aos beneficiários da mesma, para evitar fraudes. Fonte conhecedora do processo explicou ao Dinheiro Vivo que a botija solidária será vendida, em cada região, por uma única empresa comercializadora de gás escolhida em concurso público para o efeito. São elegíveis as pessoas singulares em situação de carência socioeconómica ou os beneficiários da tarifa social de fornecimento de energia elétrica. Cada beneficiário terá direito, no máximo, a duas garrafas de gás por mês. Nas famílias com mais de quatro pessoas o limite sobe para três botijas.

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