//“Há bons exemplos de marketing industrial em empresas portuguesas”

“Há bons exemplos de marketing industrial em empresas portuguesas”

E se andarmos a vender mal os nossos produtos, ou pelo menos a dirigir-nos ao público errado? Foi desta premissa que nasceu a vontade de André Vilares Morgado, professor de Política Comercial e de Marketing da AESE Business School, de clarificar uma premissa que acredita capaz de revolucionar o marketing em Portugal, multiplicando resultados e criando estratégias comerciais muito mais eficazes.

“A vocação de Portugal é B2B. Não é B2C. E as vendas B2B são uma função da alta direção na empresa”, explica o responsável, que explicou ao Dinheiro Vivo as suas ideias e como nasceu o livro Marketing B2B: Uma Abordagem Prática em Mercados Industriais, apresentado há um mês na AESE.

Diz que Portugal tem uma vocação de marketing B2B. Isso justifica-se pela dimensão do nosso mercado e necessidade de sermos um país cada vez mais exportador?

Sem dúvida. A reduzida dimensão e elevada competitividade do mercado doméstico é um dos principais fatores que puxa pela internacionalização das empresas portuguesas. Os resultados francamente positivos que temos vindo a ter nos últimos anos são o consolidar do perfil cada vez mais exportador do nosso país. Segundo dados da D&B, as exportações de empresas Portuguesas cresceram 6 pontos percentuais, em 2018. Quando pensamos nas empresas que se destacam nos mercados externos podemo-nos questionar: são empresas B2C ou B2B? Rapidamente somos confrontados com a hegemonia das empresas B2B. São muito poucas as marcas B2C que vencem fronteiras e conquistam uma posição de destaque nos mercados internacionais. De memória, consigo pensar na Renova, Compal, Azeite Galo, Mateus Rosé, Sacoor Brothers, TAP. É muito difícil encher duas mãos com exemplos… Já os exemplos de empresas B2B exportadoras são mais que muitos.

Que dificuldades e que oportunidades traz essa vocação?

A principal dificuldade prende-se com a captura de valor. Os nossos produtos são bem vistos em qualquer mercado, mas os gestores lutam muito para ganhar dinheiro na sua comercialização. Este livro que escrevi, Marketing B2B, procura ajudar a ultrapassar este desafio, ou seja, oferece uma metodologia para os empresários e gestores venderem mais e melhor, sem caírem na armadilha do preço. Já a oportunidade está na incorporação de nova tecnologia que permitirá às nossas empresas subirem na cadeia de valor e na sofisticação dos processos de gestão, que garantirá maior rendibilidade da operação.

Como é que comenta as recentes afirmações do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que considerou que um dos principais problemas das empresas portuguesas é “a fraquíssima qualidade da sua gestão”?

Se fosse seu assessor de comunicação recomendaria não proferir tais afirmações, mas não posso deixar de concordar com a análise feita pelo ministro Santos Silva. Na maioria dos casos, a fraca qualidade dos gestores e empresários pode ser atribuída à falta de investimento que fazem na sua própria formação. O dirigente é um profissional altamente especializado que tem a seu cargo decisões de elevada responsabilidade, tal como qualquer médico ou engenheiro. Se um médico passa a vida a estudar para atualizar os seus conhecimentos, por que é que os dirigentes das empresas acreditam que lhes basta ter uma licenciatura? Isto quando têm uma… O ritmo da evolução e complexidade do ambiente empresarial tornou-se tão forte que não deixa espaço para formas de estar complacentes com a ideia de que “eu não preciso de estudar pois já sei tudo”. Hoje, para ser competitivo, o gestor tem de regressar aos bancos da escola, em ciclos cada vez mais curtos. Neste capítulo, o Eng. Belmiro de Azevedo deu um grande exemplo, investindo regularmente na sua formação e na formação dos seus quadros, sempre em escolas de referência. As generalizações são sempre injustas, mas sinto que há uma forte indigência intelectual na maioria dos empresários portugueses.

Diria que as experiências, boas e más, dos gestores são fontes de aprendizagem tão boas quanto as escolas?

Não, infelizmente não posso concordar com essa ideia. A experiência é uma fonte de aprendizagem complementar ao processo de aprendizagem estruturado que tem lugar nas escolas de gestão. O interessante é que no contexto da formação de quadros de alta direção a experiência profissional é um requisito indispensável para o processo de construção de conhecimento. O importante é conseguir alcançar níveis mais elevados de compreensão da realidade que nos rodeia e isso não acontece no vazio, isto é, sem qualquer experiência basilar. Esta é a principal diferença entre fazer um curso universitário ou investir em formação avançada para executivos.

Diz que na AESE se dá “importância ao pensamento original, mais do que a repetir as verdades dos outros”. Em que medida a AESE Business School desempenhou um papel relevante na ideia concretização do manual sobre Marketing B2B que acaba de lançar?

A AESE é um espaço único que dá importância ao pensamento livre e original. Isto é cada vez mais importante no contexto atual, especialmente quando a grande maioria das escolas de negócios não desenvolve conhecimento próprio que seja relevante para a capacitação dos nossos gestores. A crítica generalizada é que as business schools têm muito de business e pouco de school. Limitam-se a repetir as verdades dos outros, ou seja, a papaguear os best-sellers de gestão, muitas vezes pura literatura de aeroporto… Em sentido oposto, o corpo docente da AESE procura estar permanentemente em contacto com a realidade dos gestores, identificando as dificuldades e problemas que estes enfrentam no terreno. Este é o ponto de partida para a construção dos casos de estudo que depois usamos em sala de aula e também nos materiais pedagógicos que publicamos, como por exemplo o livro Marketing B2B.

Para si foi fundamental ter essa liberdade para refletir e raciocinar?

Claro que sim. Ao contrário do que se passa em outras instituições similares, a AESE não impõe uma agenda de investigação aos seus professores, nem tão pouco se rege por um sistema de incentivos que privilegia a investigação fundamental ou teórica, em detrimento da investigação aplicada. Este livro é fruto desse espaço de liberdade. É um livro útil e relevante para os gestores. As instituições universitárias que também oferecem formação para executivos adotam sistemas de incentivos para o corpo docente que está quase exclusivamente ligado à publicação de artigos científicos, apresentados em formatos pouco ou nada relevantes para os gestores, ou apostam em convidar gestores de empresas que partilham em sala de aula as suas histórias de guerra, como forma de ultrapassar a cada vez maior separação que existe entre o docente e o aluno.

Fez alguma descoberta enquanto escrevia este livro?

Este livro é fruto da minha investigação doutoral e consolida metodologias que procuram ajudar os gestores a fugir das armadilhas associadas à discussão do preço para implementar uma nova abordagem de marketing que permite documentar e demonstrar o valor entregue aos clientes. Esta abordagem permite dotar as empresas com uma vantagem competitiva efetiva e sustentável, que aumenta receitas e garante margem. Adicionalmente, emanam três ideias-chave da sua leitura. Primeira, a vocação do nosso tecido empresarial é B2B e não B2C. Segunda, é possível aprender bons exemplos de marketing industrial com empresas portuguesas. Por fim, em empresas B2B, o marketing é uma tarefa da alta direção. Não pode ser abandonado junto de uma direção funcional.

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