Partilhareste artigo
Se, originalmente, as ciências eram vistas como “coisas de homens”, hoje em dia esta tendência vê-se cada vez mais contrariada. Portugal é, segundo o estudo realizado pela OCDE “A procura da igualdade de género”, o país do mundo com maior percentagem de mulheres em cursos de ciências, representando 57% – seguindo-se os Estados Unidos, 17 pontos percentuais abaixo. A primazia feminina mantém-se também entre os cientistas portugueses espalhados pelo mundo, com as mulheres a somar 50,3%, de acordo com o Global Portuguese Scientists.
Ainda que a percentagem de mulheres e homens na ciência esteja cada vez mais equilibrada a nível nacional, acontece que num panorama global continuam a existir mais homens nesta área, segundo dados da ONU. Por este motivo, celebra-se anualmente, no dia 11 de fevereiro, o Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência, que pretende destacar “o papel importante que as mulheres têm na produção de conhecimento científico (…) e sensibilizar os decisores políticos e os cidadãos para importância de derrubar barreiras impostas pela desigualdade entre géneros no acesso à educação e carreiras na área das ciências exatas”, explica a Eurocid na sua página oficial.
A dar continuidade ao legado de Maria de Lurdes Pintassilgo (1930-2004), a primeira mulher portuguesa a formar-se em engenharia químico-industrial, em 1953, encontra-se Inês Brito Rosa, que com apenas 31 anos, já ocupa um cargo de liderança na Repsol Polímeros, em Sines.
A Ciência está para ela como os números estão para os seus pais economistas. Na função de HDPE (High Density Polyethylene) Manager, a engenheira química, formada pelo Instituto Técnico de Lisboa, tem à sua responsabilidade coordenar, planear e supervisionar as operações da fábrica.
Subscrever newsletter
Apesar de desde nova estar rodeada pelo mundo da economia e das ciências sociais, Inês Brito Rosa dispersou-se destas áreas ao decidir enveredar pelas ciências, para as quais sempre esteve “mais inclinada” e sempre teve “mais aptidão e interesse”, explica em entrevista ao Dinheiro Vivo. Este interesse foi crescendo consigo de forma natural e progressiva, à medida que foi tendo contacto com a área na escola – e quando no secundário teve de escolher o seu caminho, “as humanidades não foram sequer uma hipótese”.
“Algumas coisas foram um choque de realidade”
Seis anos depois de ter ingressado num dos maiores desafios da sua vida, a ciência continua a ser o dia-a-dia da engenheira química na fábrica de produção de polietileno de alta densidade, ainda que atualmente tenha à sua responsabilidade uma grande componente relacionada com gestão de pessoas e equipas.
Quando questionada de como é ser-se mulher num mundo que pertence maioritariamente a homens, como o da engenharia química, Inês Brito Rosa explica que, desde há uns anos, a representatividade feminina no setor tem vindo a aumentar (ainda que não esteja a par com o sexo masculino) tanto no âmbito da formação, como no mercado de trabalho. No entanto, “algumas coisas foram um choque de realidade” quando chegou à Repsol Polímeros, como o facto de ainda estarem a adaptar os balneários para mulheres.
A HDPE manager revela nunca ter sentido que, para chegar ao cargo a que chegou, teve de mostrar mais trabalho do que um homem teria. “Eu não fui a primeira a chegar à fábrica”, afirma, aclarando que as colegas que se encontram no complexo há mais anos – “as que foram pioneiras” – é que pavimentaram o caminho para que a figura da mulher neste setor seja vista como é hoje. “Uma das dúvidas que me coloquei quando vim para Sines foi precisamente como é que a mulher é integrada neste mundo de homens. Mas acabei por ser muito bem recebida. Não sinto que, pelo menos aqui, o género influencie o tipo de tratamento”, conclui.
A função de chefia na Repsol Polímeros surgiu por nomeação por parte da sua chefe, numa altura em que houve uma reestruturação a nível organizacional. “Recebi bem o desafio”, conta, afirmando que foi um processo confortável devido ao facto de já conhecer a equipa e as dinâmicas da empresa. Quando mudou para a posição de liderança, a engenheira química sentiu que a recetividade não foi igual por parte de todos: “talvez tenham ficado de pé atrás, por serem pessoas mais velhas do que eu e com muita experiência na área. Pensaram: vamos ver o que vai sair daqui”. O segredo para lidar com este tipo de situações, segundo a mesma, está em “estarmos tranquilos e fazermos o que de melhor sabemos fazer”.
Relativamente à maternidade, temática polémica no que respeita ao mundo do trabalho, Inês Brito Rosa afirma ser “uma questão muito pessoal, que não deve ser questionada nem neste setor, nem em nenhum outro” e que esta possibilidade não deve constituir nenhum entrave à ocupação de cargos superiores. No seu caso, não sente que a sua posição na Repsol Polímeros seria afetada, até porque, por experiências de outras colegas, vê que tudo é exequível e que existe bastante compreensão por parte da empresa.
A propósito do Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência, “paciência, organização, adaptação do discurso para com as pessoas que se lida, muito estudo e conhecimento de idiomas” – o último essencial para as ciências em geral – são os conselhos que a engenheira química deixa às raparigas que se iniciam agora neste setor, que cada vez mais acolhe profissionais mulheres
Deixe um comentário