“De 2006 a 2018 os consumidores portugueses pagaram 22,6 mil milhões de euros de subsídios à geração de eletricidade”. A afirmação e os cálculos são de Abel Mateus, o primeiro presidente da Autoridade da Concorrência (AdC), que assumiu o cargo entre 2003 e 2008, e que esta terça-feira está a ser ouvido no âmbito da comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas pagas aos produtores de eletricidade.
Sublinhando que a AdC teve “um papel diminuto na elaboração das políticas energéticas”, já que “os ministros responsáveis na altura não atenderam às preocupações políticas que a ADC apontou” na passagem dos contratos de aquisição de energia (CAE) para os custos de manutenção do equilíbrio contratual”, Abel Mateus afirmou que a EDP ficou privilegiada na passagem de um mecanismo para outro.
Questionado diretamente pelo deputado Jorge Costa, do Bloco de Esquerda, sobre se a EDP obteve vantagem quando aceitou que as suas centrais passassem a ser abrangidas pelos novos contratos CMEC, Abel Mateus não hesitou na resposta: “Penso que sim”. Noutra resposta posterior, o professor e investigador da Universidade Católica Portuguesa, também não hesitou em considerar que as rendas excessivas da EDP surgiram com os CMEC e sublinhou a “opacidade espantosa” que envolveu todo o processo de passagem de CAE a CMEC: “Como é que assuntos tão importantes foram negociados por meia dúzia de pessoas?”.
Sobre estudos anteriores apresentados na mesma comissão e que apontam para o facto de a EDP ter, pelo contrário, sido prejudicada pelos CMEC, Abel Mateus, clarificou: “Se a empresa tinha perspetiva de pagamentos reduzidos com os CMEC e depois afinal tiveram rendas a mais, alguém beneficiou, e não foi o Estado mas sim os acionistas. A EDP quando defende essas ideias está a dar um tiro no pé”.
Em resposta à pergunta se os CMEC foram criados para beneficiar a EDP, o professor disse ainda: “Não é surpreendente que isso tivesse acontecido”. Numa longa apresentação que remeteu à comissão de inquérito, a ideia é reforçada: “Os CMEC representam cerca de 35% dos lucros, antes de impostos, da EDP”.
“Pode argumentar-se que a EDP, através das receitas dos CMEC, beneficiou de uma elevada liquidez que ajudou a adquirir capacidade excedentária (e expandir-se no exterior). A EDP beneficiou de políticas de campeão nacional. Pior que um monopólio público é um monopólio privado (e ainda pior se as rendas vão para o exterior)”, argumenta o antigo presidente da AdC, referindo à OPA lançada pela China Three Gorges.
Na opinião do professor, não é pelo simples facto de existirem em Portugal vários operadores no mercado que a liberalização do setor energético nacional foi realizada com sucesso, já que as diferenças de tarifas entre as várias empresas são de apenas “alguns cêntimos”.
Do ponto de vista da concorrência, frisou, nem CAE nem CMEC permitem essa mesma livre concorrência. “Nunca existiu livre concorrência no mercado da eletricidade em Portugal”, afirmou Abel Mateus, acrescentando: “Para além dos CMEC terem continuado uma forma de remunerar um mercado que assegura uma margem fixa com taxas de rentabilidade na ordem dos 14%, é evidente que quando se assegura isto deixa de haver concorrência. Os CMEC prosseguiram a mesma política anticoncorrencial, com vários agravamentos que transferem custos para consumidores”.
Na mesma apresentação, Abel Mateus apresenta os seus cálculos com base nos números da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos e garante que os custos totais de subsidiação da eletricidade, entre 2006 e 2018 pesaram 22,6 mil milhões de euros na carteira dos consumidores portugueses. Deste total, aponta ainda o estudo do autor, a maior fatia diz respeito às renováveis: 5,3 mil milhões nas eólicas; 6,8 mil milhões nas outras renováveis; e ainda seis mil milhões que Abel Mateus atribui às “restantes”.
Quanto aos CAE e CMEC, o antigo presidente da AdC calcula subsídios por parte dos consumidores na ordem dos 2,9 mil milhões de euros e 1,6 mil milhões de euros, respetivamente.
“De um preço de aquisição da eletricidade de 52,5 euros/MWh passamos para uma tarifa final que contem 41,3 euros/MWh de custos com CAE/CMEC e subsídios à PRE. Felizmente, os sobrecustos irão diminuir a partir de 2018 Se não se repetirem os erros que se cometeram”, escreve Abel Mateus na sua apresentação.
Quanto ao papel da Autoridade da Concorrência, Abel Mateus garante que “chamámos à atenção para falta de concorrência no setor, que não foram atendidas, e não mais a AdC foi consultada”. A chamada de atenção, que o antigo presidente da AdC diz ter sido ignorada, foi feita em dois momentos: primeiro em 2014, ao então ministro da Economia Carlos Tavares, e depois em 2005, ao novo titular da pasta Manuel Pinho.
E se Carlos Tavares não atendeu às objeções levantadas pela AdC em 2004, Abel Mateus revelou no Parlamento que em 2005 Manuel Pinho pediu uma exposição sobre os mercados energéticos, na qual forem repetidas as mesmas preocupações. A partir desse momento a AdC não voltou a ser consultada sobre os CMEC. Em 2008, “Manuel Pinho chamou-me ao seu gabinete para me comunicar que o meu mandato não iria ser renovado e ponto final”, conta Abel Mateus.
Na sua intervenção inicial, Abel Mateus sublinhou também a “urgência de um novo plano energético” e uma “maior diversidade de operadores”. “Quando se vai reduzir esforço de subsidiação dos portugueses Estará o governo disposto a travar o operador de mercado dominante [EDP]?”, questionou o professor, alertando para o risco de a elétrica passar a ser controlada por acionistas chineses, na sequência da OPA lançada pela China Three Gorges.
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