Partilhareste artigo
João Bento, CEO do grupo CTT, não cedia uma entrevista desde março de 2021. Desde então, um novo contrato de concessão de serviço universal entrou em vigor, embora os novos indicadores de qualidade não sejam conhecidos ainda. Por isso, e também por influência do contexto pandémico, surgiram litígios com o Estado e, entretanto, uma apressada mudança de sede ocorreu por causa da TAP. O banco do grupo vai ganhar um novo acionista e o grupo tem planos para rentabilizar património imobiliário com o apoio da Sonae Sierra. Os temas somam-se e as respostas do CEO dos CTT ao Dinheiro Vivo podem ser lidas aqui. O gestor fala em fase de transformação dos CTT para garantir rentabilidade futura.
Relacionados
Os CTT têm a concessão do serviço postal universal até 2028. Foi determinada por ajuste direto e entra este ano em pleno funcionamento – 2022 foi um período de transição -, mas ainda não foram divulgados os novos indicadores de qualidade. Enquanto a Anacom não entregar uma proposta ao governo, continuam a valer os critérios do costume. Já tem conhecimento dos novos indicadores de serviço aos quais a empresa está obrigada a cumprir?
Não foram entregues, mas há um progresso significativo no quadro em que nos encontramos. Neste processo de adjudicação direta, o governo alterou também a lei postal e foi no enquadramento dessa lei que o novo contrato foi desenhado e subscrito. Os indicadores de qualidade devem, daqui em diante, ser aprovados pelo governo – anteriormente eram estabelecidos pelo regulador, o que era estranho porque num contrato há duas partes, um concedente que é o Estado, representado pelo governo, e um concessionário que no caso são os CTT. Havia um aspeto muito importante – aliás, dois ou três – que era estabelecido por uma terceira parte, o que era algo aberrante, mas isso foi resolvido. Hoje, quem estabelece os indicadores de qualidade é o governo, mas fá-lo por proposta da Anacom. No contrato, ficou plasmado que os indicadores de qualidade devem ser estabelecidos em linha com as melhores práticas europeias, de acordo com a média dos países com quem nos comparamos. Ora, temos indicadores de qualidade, quer em número quer em nível de exigência, desde 2018, quando o quadro regulatório foi alterado nesse aspeto, que são muitíssimo acima da média europeia e desta definição. O processo de proposta ao governo desses indicadores está em curso, aguardamos tranquilamente pelo desfecho na expectativa de que não se vai deixar de cumprir a lei. E a lei e o contrato são muito claros no estabelecimento dos princípios a que deve obedecer este conjunto de regras.
Há um histórico recente de incumprimento dos indicadores de qualidade por parte dos CTT. Voltaram a ficar aquém das obrigações em 2022?
Os CTT no quadro anterior estavam sujeitos a um conjunto de indicadores de qualidade, que era [em número] bastante inferior [ao que ainda vigora]. O desempenho dos CTT foi sempre positivo ao longo dos anos e em cada indicador concreto – aqui e ali terá incumprido pontualmente um ou dois. Quando o novo conjunto de indicadores foi estabelecido ficou bastante clara a impossibilidade prática e concreta dos indicadores. Quando, pela primeira vez, apresentamos os indicadores de 2019 verificou-se que incumprimos 21 dos 22 indicadores de qualidade. Até pensamos ter incumprido os 22, mas depois percebeu-se que um deles teria sido cumprido. Contestámos em tribunal administrativo – infelizmente no nosso país acaba por ser um investimento pouco útil para dirimir conflitos desta natureza. O processo está a decorrer e está ainda numa fase precoce. Também houve um processo arbitral entre nós e o Estado, em que pedimos que fossemos compensados pelo esforço adicional que aqueles indicadores impunham e que fosse declarada a impossibilidade de cumprir aqueles indicadores. Esse tribunal arbitral chegou ao fim, recebemos razão na medida em que o Estado foi condenado a compensar os CTT por parte dos custos incorridos nesse esforço para tentar cumprir os indicadores. E o tribunal, de forma não unânime, só não deliberou – na minha opinião – a impossibilidade de cumprir os indicadores porque alegou que, naquele tempo, os indicadores eram estabelecidos pela Anacom – que não era parte nesta arbitragem. Isto para dizer que a nossa convicção é que é objetivamente impossível cumprir a generalidade daqueles objetivos. O desempenho que tivemos em 2022 está em linha com o passado – com a pandemia, no ano de 2021 e de 2022 fomos desonerados do cumprimento desses indicadores por razões evidentes. A resposta à sua pergunta é: ainda não temos os indicadores apurados, quando estiverem serão comunicados ao regulador e tornados públicos, mas continuamos tão convictos como sempre estivemos que é impossível cumprir este conjunto de indicadores.
Subscrever newsletter
Falou na decisão do tribunal arbitral. Essa decisão aponta para que compensação por parte do Estado aos CTT, estamos a falar dos 23 milhões de euros pelo impacto da pandemia no correio ou de 44 milhões de euros, pelo prolongamento unilateral da concessão?
Estamos a falar de uma outra coisa. Isto foi uma arbitragem que decorreu sobre a imposição de novos indicadores. A sentença já foi proferida, estamos a discutir sobre como é que será executada. A compensação não é muito significativa – isso foi comunicado ao mercado -, mas andará na ordem dos dois milhões de euros. O que referiu é uma coisa diferente. Tivemos que declarar, de acordo com um instrumento que estava no contrato de concessão anterior e que naturalmente se mantém no atual, uma situação excecional de força maior que não aliviava os nossos deveres mas aliviava um subconjunto deles, para estarmos ao abrigo da realidade [pandémica] patente. Fomos daquelas entidades que nunca parou e tivemos um impacto gigantesco na economia do contrato. Só para dar uma ideia, o tráfego de correio em 2021 caiu 16,5%, por isso pedimos para ser compensados por um facto de força maior, que não era da nossa responsabilidade e que não poderíamos controlar.
Mas esta litigância já está resolvida?
Não está resolvida, está em curso. Isto foi encarado com bastante naturalidade pelo governo, quando comunicamos este nosso desejo. Aliás, tivemos oportunidade ouvir o ex-ministro [das Infraestruturas] Pedro Nuno Santos no Parlamento dizer que isto era perfeitamente normal. Depois, houve outra questão diferente que nós acordamos com o governo dirimir no mesmo processo arbitral, que está em curso neste momento. Por razões que o governo alegou estarem relacionadas com a pandemia e com as dificuldades de fazer evoluir o processo [de nova concessão] não foi possível no final do contrato de concessão, que terminaria em 2020 [31 de dezembro], ter um processo concursal – acabou por ser um ano depois um processo de adjudicação direta ao abrigo do Código dos Contratos Públicos – para termos um novo contrato de concessão. Para evitar cair numa situação muito indesejável, que era a de não haver um serviço público de correio, o governo decidiu – com alguma surpresa nossa – prolongar unilateralmente o [anterior] contrato e nós sentimo-nos prejudicados por razões que até já falamos, que tinham a ver com os indicadores de qualidade, mas também com a forma como se estabelecia o preço do correio. Nós precisávamos de um novo contrato e fomos obrigados a estar com esse contrato mais um ano. E decidimos discutir quais é que seriam as compensações devidas nestes dois factos: o covid-19, por um lado, e a extensão unilateral do contrato.
O novo contrato estabelece que o mecanismo de compensação pelo incumprimento dos critérios de qualidade fica assente em “novas obrigações de investimento, em vez de penalizações de preço”. Neste ano, ainda que não sejam conhecidos os resultados dos indicadores de qualidade relativamente a 2022 -, mas qual poderá ser o montante de investimento decorrente do incumprimento das obrigações de qualidade de serviço?
Na medida em que ainda não são conhecidos não é possível falar…
Mas terá uma expectativa, uma previsão.
Certo, mas não vou partilhar por várias razões: a primeira é que seria imprudente da minha parte fazê-lo, numa altura em que é preciso discutir ainda qual vai ser o apuramento final dos indicadores; e a segunda é porque somos cotados [na Bolsa de Valores de Lisboa] e sendo uma informação com algum impacto sobre o valor da empresa nunca poderíamos fazê-lo sem ser numa divulgação ao mercado pelos meios adequados [ou seja, através da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários]. Em todo o caso, sobre isso, estamos perante um progresso significativo porque a penalização por via do preço de um problema de qualidade de serviço – supondo que os indicadores até eram razoáveis, o que não é o caso – significa tirar fundos do serviço universal. O serviço público de correio não é pago pelo Orçamento do Estado. Nós, contribuintes, não pagamos para o serviço universal de correio, que é pago exclusivamente pelos utilizadores. Há muitos países na Europa e no mundo em que isto já não é possível, porque o correio já caiu tanto, ou porque as operações são tão ineficientes, que a economia do correio não é suficiente para ter um serviço público. Não é o nosso caso. Provavelmente um dia será. Hoje, num dia bom, entregamos pouco mais de dois milhões de cartas, mas já entregámos seis [milhões]. Quando um dia entregarmos só um milhão ou 500 mil [cartas] é evidente que com as mesmas necessidades de presença do território e níveis de serviço semelhantes aos que temos hoje vai ser impossível. Isto para dizer que era estranho penalizar pelo preço para premiar a qualidade. Por outro lado, ao obrigar a investimentos associados a uma quebra de desempenho estamos, aí sim, a penalizar o concessionário a favor da qualidade do serviço, porque mais investimento, em principio, significa melhor qualidade. Estamos bastante satisfeitos por se ter encontrado este outro mecanismo de compensação, que nos parece muito mais interessante, do ponto de vista da qualidade e do interesse público.
Quando é que acha que chegará o dia em que o Estado, através do Orçamento do Estado, terá de comparticipar diretamente o serviço universal?
Neste contrato de concessão temos o mesmo princípio de formação de preço que tínhamos anteriormente [cálculo inclui taxa de inflação dos últimos 12 meses a terminar em junho do ano anterior, a variação de tráfego dos serviços em causa, um fator de custos variáveis, um fator de eficiência e um fator a aplicar em caso de alterações significativas de contexto], mas com duas ou três diferenças muito importantes. No passado, isto era feito como previsão: a Anacom previa quanto é que o correio ia cair, previa qual é que ia ser a inflação e depois estabelecia o aumento de preço. Ao longo de muitos e muitos anos, o correio caía mais do que a previsão, a inflação era frequentemente superior ao previsto e o serviço público ficava sem fundos para compensar isso. Hoje temos isso acordado, mas é feito tendo em conta a realidade: vimos quanto é que caiu o correio o ano passado; quanto foi a inflação; aplicamos a fórmula e aumentamos o preço para o ano seguinte. Como nós acordamos isto para o período do contrato – e uma das novidades deste contrato é que o preço é estabelecido por acordo entre os CTT, a Anacom e a Direção-Geral do Consumidor, num convénio tarifário que reuniu logo a seguir ao contrato de concessão, em fevereiro de 2022 e muito pouco tempo depois tínhamos chegado a acordo. Isto estabelece a fórmula de preço para estes três anos. Tivemos o primeiro ano de transição, agora temos 2023, 2024 e 2025 com esta fórmula de preço. Perto do final de 2025 haveremos de reunir outra vez o convénio tarifário para ver se há alguma alteração ou não para os três anos seguintes. Acredito que este mecanismo, no essencial, vai permitir dentro de valores razoáveis cobrir a queda do correio e a inflação. Creio que será assim até ao final deste contrato. Mas não tenho a certeza que daqui a seis anos, no final do contrato, o volume de correio ainda permita, com preços razoáveis, manter um serviço público financiado desta maneira. Mas há várias formas de compensar isso. Em Portugal, só usávamos esta, mas muitos dos nossos congéneres – em Espanha e em França, por exemplo – têm aliviado os níveis de serviço e aplicado compensações diretas do Estado ou pagando outros serviços. O correio hoje está liberalizado e, hoje em dia, o mercado tem inúmeras ofertas. Aliviar os indicadores de qualidade, ou se quisermos os níveis de serviço, financiar diretamente ou ter um mecanismo de preço razoável são alavancas disponíveis – até agora só usamos a do preço.
A Anacom disse recentemente que detetou um erro no cálculo da fórmula para determinar os aumentos anuais do serviço postal. Os CTT terão entregue um aumento de 9,6% quando o cálculo remetia para 6,58%. O que é que correu mal com a folha de Excel?
Por razões de educação e de bom convívio não comentamos detalhes da nossa relação com o regulador. Mas nós temos uma intensa troca de informação com o regulador.
Mas quem revelou foi o presidente da Anacom [João Cadete Matos] em sede de comissão parlamentar.
Eu sei, mas com todo o respeito e simpatia não vou entrar em grandes detalhes. Na abundante troca de informações que temos, às vezes trocamos informações que não estão certas e, portanto, foi encontrado um lapso num conjunto de valores que tinha sido trocado. Nem nós nem a Anacom percebemos inicialmente porquê, mas ajustamos isso. E não houve uma correção à fórmula, houve apenas uma correção aos dados que foram usados, uma coisa que não teve drama nenhum e confesso, enfim, que me pareceu bastante despropositado que o regulador quisesse referir isso, no fundo, querendo sugerir que tinha…
Ajudado a baixar o preço.
Ajudado a baixar o preço. O preço teria sempre que ser este. Enquanto se esteve a confirmar que todos os dados estavam certos encontrou-se isso. Desta vez foi nessa interação, podíamos ter sido nós, como já fomos muitas vezes, podia ter sido a Anacom como também já aconteceu com alguma frequência a enganar-se nas contas.
Continuando em sede parlamentar, o ministro João Galamba afirmou, recentemente, no Parlamento que o governo está “agradado” com a atual estratégia dos Correios, por ter sido interrompida a política de encerramento de estações seguida até 2019. Disse também, por oposição a esta ideia, que a privatização dos CTT tinha sido “uma péssima ideia”, no entanto, descartou qualquer intenção nacionalização. Vê nestas afirmações do ministro das Infraestruturas, de alguma forma, o reflexo da relação que a empresa mantém neste momento com o governo?
Seria hipócrita da minha parte dizer que não. Vejo. Agora, interessa talvez mais perceber as razões que podem ter levado a isso. Deu-se a coincidência, pouco tempo depois de assumir funções [de CEO dos CTT], no final de maio de 2019, de ser chamado à comissão parlamentar de Economia e Obras Públicas em que esse tema estava muito presente. E a uma pergunta muito clara sobre quantas lojas íamos encerrar disse que íamos reabrir aquelas que encerramos em sedes de concelho. Começámos um pouco mais tarde – o covid também prejudicou esse processo – mas abrimos, a certa altura, a um ritmo de várias por semana, as 33 lojas em concelhos que tinham deixado de ter. Uma das nossas razões de ser tem que ver com esta noção de proximidade. Somos de longe a maior rede de proximidade do país. Temos 569 lojas e cerca de 1800 postos de correio, que são agentes de correio. Ou seja, temos 2300 pontos de presença – não há nenhuma rede bancária ou de supermercado – com este nível de capilaridade e isso traz-nos responsabilidade na nossa vocação de concessionário de serviço público de grande proximidade, porque em muitos sítios somos o último elo de ligação da economia e das pessoas ao resto do mundo. Essa foi uma medida que, certamente, ajudou a perceber que não estávamos para abandonar a vocação de serviço público, mas para transformar a companhia respeitando essa condição, porque esta é que é a razão de ser de um operador postal. Se não se transformar, com a queda de correio que observamos, [o operador] desaparece mais tarde ou mais cedo, ou torna-se irrelevante ou torna-se economicamente insustentável. Tem que se transformar e temos feito esse processo de transformação, desenvolvendo outras áreas de negócio e otimizando os recursos que temos. Hoje temos parte dos nossos cinco mil carteiros a entregar encomendas. Seria impossível manter o nível de emprego, por exemplo na distribuição, onde estão cinco mil das nossas 12 mil pessoas, se não tivéssemos encontrado formas de substituição. É natural que o governo, que tem uma preocupação política de boa ocupação e presença no território e de coesão territorial, se reveja num operador que em vez de enfraquecer essa dimensão está a reforçar.
No entanto, essa reversão de estratégia, não invalida que das 37200 reclamações no setor postal em 2022, 86% são dirigidas aos CTT, ainda assim as reclamações contra os Correios de Portugal caíram 23% face ao ano anterior. O que está a empresa a fazer para melhorar este desempenho?
Muitas coisas. Em primeiro lugar, é natural que sejamos a entidade neste setor que tem mais reclamações porque somos, de longe, a entidade que tem mais atividade. Mas se puder usar o exemplo da peak season (época alta), aquela altura que começa no Singles Day, na China, depois Balck Friday e vai até ao Natal, tivemos este ano na estação alta o melhor desempenho de qualidade e de reclamações, por exemplo se observarmos o Portal da Queixa. Ao ponto de termos tido menos reclamações não em valor percentual, mas em valor absoluto do que operadores com volumes muitíssimo mais baixos do que o nosso. O que é que estamos a fazer? Por um lado, estamos a pôr muita tecnologia na nossa atividade. O investimento que foi feito em máquinas de automatização de correio, em equipamentos de apoio ao percurso do carteiro, em software de apoio ao percurso do carteiro, em mecanismos de automatização, em otimização das rotas e da frota, para trabalhar do lado da qualidade. Do lado do atendimento, porque grande parte das reclamações são geradas pelo próprio processo de reclamações, também aí melhoramos muito com tecnologia. Somos o operador dos nossos call centers – aliás, somos um operador relevante. Automatizamos uma boa parte das respostas: hoje, a interação por WhatsApp ou através do portal ou através do telefone, numa percentagem muito elevada, é feita sem que do lado de lá esteja uma pessoa e a percentagem de casos que resolvemos numa primeira tentativa é também grande. Em parte, porque melhoramos um bocadinho aquilo que tende a apresentar melhor qualidade, em parte, porque estamos a ser capazes de gerir melhor a forma como nos relacionamos com os nossos clientes.
Os CTT registaram um lucro acima dos 36 milhões de euros em 2022. Ainda assim, este resultado reflete uma quebra de 5,2% em termos homólogos – em todo o caso é um resultado positivo. Considera que os resultados operacionais e financeiros dos CTT refletem a qualidade do serviço prestado?
Nós temos bastante orgulho no serviço prestado e achamos que o ruído que foi introduzido no debate público, e depois muito ampliado naquilo que é o debate público de natureza política, relativamente à qualidade, tem que ver com esta alteração dos indicadores de qualidade, em número e em nível de exigência. Não referi isso, mas um número significativo dos indicadores têm um nível de exigência de 99,9% ou de 99,7%. 99,9% significa um em mil, mas, como o ano só tem 365 dias, se um dia corre mal precisaria de mais dois anos para cumprir o indicador de qualidade. O desempenho e o nível de qualidade que os CTT têm hoje, com uma operação muito diferente, em que tem muito menos cartas e muito mais encomendas, portanto, muito mais complexidade e muito maior nível de exigência das pessoas não é em nada inferior ao que já foi. Os indicadores pelos quais é medido [o desempenho] é que são [diferentes]. E, depois, como já teve mais força do que tem hoje em dia o debate relativamente à renacionalização da companhia o debate foi inflamado por isso. Portanto, respeitosamente e da forma mais simpática que for capaz, rejeitava essa ideia de que o lucro é desproporcionado face à qualidade. Hoje, somos um ótimo operador postal. Do ponto de vista das encomendas, somos provavelmente na Península Ibérica – estamos em Portugal e em Espanha – o operador que apresenta o melhor nível de qualidade e ainda bem que conseguimos estar a transformar a companhia. Ainda não estamos onde queremos vir a estar para a tornar rentável, porque sem lucro e uma companhia rentável não vai haver nem serviço público nem um operador de correio, que é um dos maiores empregadores do país e que está a crescer, porque temos transformado a companhia. O correio hoje vale muito menos de metade dos nossos proveitos, quando já valeu mais de 80% ou 90%. O correio representa menos de 20% do nosso resultado operacional, quando em 2018 representava mais de 100%. Mais de 100% porque havia vários negócios a perder dinheiro, mas conseguimos fazer a companhia crescer e valorizar-se. A resposta à pergunta é sim, estes resultados são absolutamente compatíveis com os níveis de qualidade que apresentamos. Não estou a dizer que estamos onde queremos, nós queremos melhorar e estamos a fazer bastante e a investir bastante para melhorar, quer em tecnologia quer em formação de pessoas.
Um outro assunto que está nas contas dos CTT tem a ver com a mudança da sede para a Avenida dos Combatentes, que pressupunha a mudança da TAP para a vossa antiga sede no Parque das Nações. Os CTT estão em risco de pagar duas rendas e de perderem três milhões de euros por ano, que é o valor da renda no Edifício Báltico?
Não. Na sua pergunta nem tudo está certo.
É por isso que se fazem perguntas.
E ela é muito interessante e dá-me uma ótima oportunidade para explicar isso. No edifício do Parque das Nações, que é um edifício de 13 pisos, tivemos uma ocupação em tempo normal que atingiu as 1800 pessoas. Com a pandemia e o teletrabalho, e tudo o que aconteceu a esse propósito, quando começamos a regressar a uma vida normal fizemos vários ensaios e alguns destes pilotos tiveram uma certa escala sobre o que seriam modalidades de trabalho remoto que funcionassem bem. Acabamos por adotar três modelos, dependendo um bocadinho da natureza das funções e das direções, e entramos em 2021 com 450 pessoas num edifício onde cabiam 1800 e tínhamos três pisos em que, às vezes, tínhamos 20 pisos num piso onde podiam estar mais de 200, era um ambiente deprimente e era economicamente…
Insustentável?
Insustentável, enfim, um absurdo.
A casa já era grande para a família.
E estávamos satisfeitos com as experiências que fizemos e com o nível de teletrabalho que estávamos a conseguir praticar. E o que é que fizemos? Pusemo-nos ao caminho para subalugar uma boa parte do edifício enquanto não tivéssemos uma solução definitiva. E começamos à procura de uma nova sede, que teria de ser bastante mais pequena. Nesse processo, por razões fortuitas, a TAP apareceu a declarar que precisava de mudar de sede e houve de facto um tempo em que se pensou que a TAP poderia ser o novo inquilino daquele edifício. Esse processo esteve em curso durante bastante tempo.
Já não há interesse da TAP?
Eu presumo que não, que ele [o interesse] morreu. Não sei se vai ressuscitar, se não, mas sobre a TAP obviamente não tenho nem interesse nem legitimidade para falar. A nossa decisão de sair do Báltico é independente de a TAP ou outra entidade querer ir para lá. Achamos que vamos ser capazes e estamos neste momento nesse processo, de forma até bastante ativa, a receber visitas no edifício.
Mas estão agarrados a um contrato.
Estamos agarrados a um contrato que dura mais quase três anos, mas o racional que nos faz ir para um edifício mais barato é um racional de poupança, de ganho e de criação de valor em qualquer um dos casos. Se por absurdo, se estivessemos três anos com dois contratos, mesmo assim, esta decisão tinha sido, do ponto de vista económico, razoável. Agora, talvez, possam concordar que é absolutamente improvável que não consigamos rentabilizar uma boa parte daquele edifício. Tivemos pena que tenha havido este ruído todo em torno de uma das soluções que iríamos ter. A ideia que friso, que fique claro, que a nossa decisão de sair daquele edifício para uma sede mais pequena, onde iremos ocupar quatro pisos – neste momento estamos a ocupar dois… Se houve algum impacto foi o de termos que sair mais depressa do que tínhamos pensado. Eu e os meus colegas da comissão executiva estivemos a trabalhar no MARL [Mercado Abastecedor da Região de Lisboa, onde os CTT têm um centro logístico] durante vários meses, aliás, com poucas condições até para muitas das coisas que precisamos de fazer, justamente para viabilizar essa solução que acabou por não acontecer.
Mas, para rematar o tema, isto poderá vir a ser uma pedra no sapato para os CTT?
Não é isso que queremos e não é isso que vai acontecer. Eu tenho o contrato só por mais três anos, não o tenho para o resto da vida e os CTT vão durar – já existimos há 502 anos – outros 502 anos. O dinheiro que vamos poupar a tempo definido compensa largamente o que possa ter acontecido aqui.
Nas contas apresentadas recentemente, e agora relativamente ao Banco CTT, há um pormenor que chama a atenção. A carteira do crédito à habitação ascendeu a quase 659 milhões de euros, o que representa em termos homólogos um crescimento acima dos 10%. Qual o valor que está em risco de incumprimento ou teve que ser renegociado?
Não vou responder de forma direta, primeiro, porque não devo e não é informação pública. Vou dar uma resposta propositadamente vaga. Com esta honestidade toda peço que não me levem a mal.
Embora os seus colegas da banca tenham revelado o stock de crédito habitação.
É verdade, mas há várias razões para…
Segredo bancário, segredo comercial…
Ainda antes disso, eu sou apenas o representante executivo do acionista principal do banco – por enquanto o único acionista do banco, em breve teremos também a Generali como acionista minoritário. Sei que o regulador bancário não gosta de ouvir um acionista a falar em nome de um banco, por isso, eu tenho a consciência que não posso falar e não devo falar em nome do banco. Se falarmos de estratégia, do papel que o banco desempenha e o seu desenvolvimento no quadro dos CTT, essa legitimidade é total. Agora, para falar de negócio do banco, e a pergunta é muito de negócio do banco, não tenho essa legitimidade e não quero causar essa perturbação na minha relação com o regulador bancário. Em todo o caso, o Banco CTT tem como um dos seus pilares de desenvolvimento e crescimento o crédito à habitação. O banco com os seus 700 mil clientes é o caso de maior sucesso na história da banca portuguesa na formação acelerada de uma base de clientes desta dimensão. Nunca outra rede bancária fez crescer desta maneira a sua base de clientes e como são clientes muito jovens e digitais são bons clientes de crédito à habitação. E uma boa parte destes clientes consideram já o Banco CTT como o seu primeiro banco. É uma área de negócio importante. Neste quadro macroeconómico em que as taxas de juro subiram e continuarão a subir, segundo as indicações quer do Banco Central Europeu quer do Banco de Portugal, o crédito à habitação, porque consome pouco capital e tem um cunho muito forte e para uma base de clientes que gostamos muito, que é de muita qualidade, passa a ser uma área de negócio atraente. A haver alguma coisa, neste momento, olhamos para o crédito à habitação com mais otimismo do que olhávamos no passado. Claro, num quadro de alguma crise económica, em que as famílias tenham maiores dificuldades em honrar os seus compromissos, é natural que haja mais problemas e uma maior percentagem de casos que precisem do tratamento a que se estava a referir. Não vou referir números concretos. Essa não é uma das nossas preocupações.
O Banco dos CTT é exclusivamente de retalho, mas não será imune à instabilidade que se assiste no sistema bancário internacional. De que forma o que ocorreu nas últimas semanas com o Silicon Valley Bank (SVB), com o Credit Suisse, entre outros, impacta direta ou indiretamente na atividade do Banco CTT?
Estes impactos têm ondas de choque e somos prejudicados por toda esta incerteza. Agora, é um banco de retalho, não está exposto na sua carteira de ativos, não está exposto nem ao SVB nem ao Credit Suisse ou a ativos geridos por este tipo de entidades. Naturalmente que não retiramos nenhum regozijo por alguma instabilidade no setor bancário, mas achamos que é uma crise e uma perturbação que passa ao lado, porque somos um banco que está numa outra zona, é um banco de retalho muito simples que tem soluções de crédito pessoal, crédito à habitação, crédito ao automóvel, soluções de poupança e, agora, com muita importância também ofertas de seguros. O banco tem muita liquidez, tem um rácio de transformação que permite neste momento muitíssima liquidez e, – repito – não somos irresponsáveis de achar que não devemos estar atentos como acionistas, assim como sabemos que o banco também está, mas é uma crise que não nos preocupa muito porque não é connosco.
As contas do grupo, ainda relativamente à banca, adiantam que se verificou uma evolução positiva dos rendimentos ao longo do ano de 2022, fruto de uma maior atratividade dos títulos de dívida pública, em especial os certificados de aforro, num contexto de taxas de juro mais favorável a este produto de poupança. Os consumidores do retalho bancário ainda têm liquidez para pouparem?
Tenho a certeza que sim. Têm muita, porque o montante que está aplicado em depósitos bancários no setor financeiro português é uma ordem de grandeza superior àquilo que tem sido transferido para dívida pública. Até no nosso banco sentimos uma transferência de depósitos para estes produtos de poupança. Isso é praticamente incontornável porque, hoje, com o risco da República portuguesa, que é um risco praticamente inexistente, com uma rentabilidade nos certificados de aforro muito interessante, porque é um produto que é líquido ao fim de três meses e que remunera a Euribor mais 1%, os bancos a beneficiarem de ter a sua liquidez a render no banco central não têm reagido de forma muito ativa – começamos, agora, a ver as primeiras ofertas de depósitos com níveis de remuneração um bocadinho acima mas nada que com a oferta de dívida pública portuguesa.
Mas os clientes estão a fugir, ou fugiram, dos depósitos a prazo ou do mercado de capitais para o aforro de certificados?
É evidente, basta ver o crescimento dívida pública. Colocámos no último trimestre do ano passado quase tanto de dívida pública como tínhamos colocado no ano anterior [2021]. Esse dinheiro estaria sobretudo em depósitos, quer em depósitos à ordem, quer em depósitos a prazo, quer em produtos de poupança de outra natureza, que oferecem níveis de rentabilidade muito menores. Podemos dizer que isto é um instrumento de capital garantido e com uma rentabilidade grande e uma liquidez grande, é um produto excelente e é, por isso, que temos tido o sucesso que temos tido na sua colocação.
Ainda relativamente ao Banco CTT, como disse há pouco, a Generali vai entrar no capital do banco. Vai ficar com quase 9% do capital do Banco CTT e há também um acordo para distribuir seguros através do banco. Em que fase está este processo de entrada de um novo acionista?
Só complementar que o acordo de distribuição é para distribuição de produtos de seguros financeiros no banco e de produtos de ramos reais na rede CTT – há também um acordo com os CTT. O processo negocial foi concluído há já bastante tempo, quando comunicamos ao mercado que tínhamos obtido este acordo. Entretanto, a Generali está a desenvolver os passos necessários junto do regulador bancário [Banco de Portugal] e do regulador de seguros [Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, vulgo ASF] para a sua concretização. Estamos nessa fase. Nós não temos muita visibilidade sobre isso, como compreenderão, mas há uma interação entre a Generali, a ASF e o Banco de Portugal que está a decorrer, tanto quanto sabemos sem problemas. Esperamos que isso se possa concretizar, certamente, ainda este ano. Em todo o caso, estamos desde já a trabalhar com a Generali porque para isso não precisamos da sua presença no capital, para iniciar a distribuição de alguns dos seus produtos, quer na rede dos CTT quer na rede do banco.
Os CTT também criaram uma empresa para atuar no setor imobiliário. Em setembro foi noticiado que o património imobiliário dos CTT seria gerido pela Sonae Sierra, através da criação de um veículo especial. Quanto é que vale nesta altura o património imobiliário dos CTT e qual é o objetivo em rentabilizar estes ativos?
O objetivo é dar mais visibilidade daquilo que é o valor do nosso património. Há uma boa parte do nosso património imobiliário que não usamos e que está subvalorizado.
Está devoluto?
Temos mesmo casos em que está devoluto e também temos casos que são difíceis de rentabilizar isoladamente. O que decidimos fazer foi agregar tudo num veículo, que será detido maioritariamente pelos CTT – nada disto está feito ainda, está planeado. Depois, fomos ao mercado consultar vários especialistas em gestão de imobiliário, para que um faça a gestão deste parque imobiliário até no nosso próprio interesse. É nesse processo que estamos.
É parque habitacional, residencial?
É tudo, é tudo. Por um lado, são as instalações de natureza mais industrial que nós usamos, em que nós próprios somos inquilinos.
Armazéns?
Armazéns, centros de tratamento etc – é um pouco como os hospitais, muitas vezes os hospitais são vendidos ou geridos por um gestor imobiliário e depois a clínica é gerida por um operador de saúde. Por exemplo, temos imensos casos de habitações, muitas delas devolutas, em cima de lojas espalhadas pelo território que eram no passado o sítio onde vivia o chefe das estações dos correios no tempo em que havia um único empregado.
Tem agora uma oportunidade de respeitar o pacote do governo Mais Habitação.
Não me vou pronunciar sobre o pacote do governo, mas estamos a fazer isto que é juntar todos os nossos ativos por classes para serem geridos e otimizados de forma a extrair o seu completo valor.
Tem ideia de quantos fogos é que podem pôr em arrendamento?
Tenho exatamente a ideia, sei quantos são mas fico ao abrigo da informação que já passamos ao mercado e aquela que ainda não passamos. Quando tivermos isto pronto para sair para o mercado seremos muito detalhados na informação que vamos divulgar, mas não há aqui nada com grande valor mediático. Temos um conjunto de imóveis, alguns ocupados por nós, outros ocupados por terceiros e uma terceira parte que não está ocupada por ninguém e pedimos a alguém para gerir, porque nós não somos gestores imobiliários.
E nesse plano, já agora, quanto é que prevê que o negócio imobiliário possa vir a gerar em receitas para os CTT?
Acho que é prematuro falarmos sobre isso. O mais importante nesta fase é deixar claro que continuamos com este património no nosso balanço. Continuamos a ser maioritários neste veículo e, portanto, não há nenhuma operação patrimonial, o que há é dar mais visibilidade a um valor que se quisermos está um bocadinho escondido no nosso balanço.
Os CTT anunciaram recentemente uma atualização das tabelas salariais em 2,5% e a fixação também em 765 euros do valor mínimo do vencimento base dos trabalhadores do grupo. Estes valores são o garante de uma paz social na empresa?
O aumento nas tabelas salariais é pouco expressivo. O aumento mais significativo é o aumento por camadas, para três grupos de salários, e é um número mais próximo dos 4,2% do que dos 2,5%. Fizemos este acordo com a generalidade dos sindicatos dos CTT e, sim, creio que é um garante de paz social e para isso é muito importante, porque estamos num processo de transformação grande e, perante o aconteceu ao nosso principal negócio que é o correio, só podíamos ou ser muito mais pequenos e menos geradores de emprego, ou transformar o nosso portefólio de oferta de negócios para continuar a crescer, que é o que temos feito. E para isso é muito importante que todos os nossos trabalhadores estejam connosco nesse processo, porque não seríamos capazes de ser o operador de encomendas que somos hoje se não tivéssemos a qualidade e o empenho dos nossos carteiros e das pessoas que trabalham nos centros de tratamento, nem seriamos capazes de colocar a dívida pública que colocamos hoje se não tivéssemos a qualidade e a eficiência das pessoas que estão na nossa rede de retalho e nas nossas lojas. É muito importante para nós a paz social e foi com muito agrado que, com um esforço grande, fomos capazes de incluir um aumento salariar no orçamento para este ano que permitiu chegar a acordo com os sindicatos.
Esta atualização salarial teve a concordância de todas as estruturas sindicais?
Creio que sim, mas não sei se faltou algum. Nós temos mais de dez sindicatos connosco, mas temos certamente todos os grandes sindicatos neste processo.
Em relação ao quadro de pessoal, o número de trabalhadores dos CTT decresceu no último ano. Há planos de reforço de recursos humanos para 2023?
Vamos ver, depende do que formos capazes de fazer em termos de angariamento de novos negócios e de crescimento. Além do correio, que é a nossa área de negócio principal, temos algo que reportamos em conjunto no segmento Correio e Outros. E os outros são muito importantes e são aquilo que estão a crescer, que nós chamamos de soluções empresariais: temos contac centers, salas de correio, temos BPO [Business Process Outsourcing], temos digitalização, temos arquivo, temos muitas outras coisas que fazemos e, nesse processo, é uma área que está a crescer muito e nos permite também fazer o reskilling das nossas pessoas para outras funções. Por outro lado, temos o crescimento do [segmento] Expresso em Portugal e em Espanha. No guidance que demos ao mercado a nossa convicção é fazer crescer pelo menos 10% do nosso saldo operacional.
O carteiro é uma espécie em extinção?
O carteiro não é uma espécie em extinção, é uma espécie em reinvenção porque o papel social é muito importante. Houve um dia em que entregava cartas, lia cartas às pessoas que não sabiam ler, lia cartas de amor, era uma presença, uma companhia, e hoje continua a desempenhar esse papel com menos cartas, mas com mais encomendas e com mais presença. Somos a única entidade que todos os dias pode bater à nossa porta desde que haja coisas para levar ou para receber. A nossa história é de crescimento e a expectativa é de poder continuar a crescer e também continuar a ser um criador de emprego.
Deixe um comentário