//João Bento: “O correio representa menos de 20% do nosso resultado operacional”

João Bento: “O correio representa menos de 20% do nosso resultado operacional”

João Bento, CEO do grupo CTT, não cedia uma entrevista desde março de 2021. Desde então, um novo contrato de concessão de serviço universal entrou em vigor, embora os novos indicadores de qualidade não sejam conhecidos ainda. Por isso, e também por influência do contexto pandémico, surgiram litígios com o Estado e, entretanto, uma apressada mudança de sede ocorreu por causa da TAP. O banco do grupo vai ganhar um novo acionista e o grupo tem planos para rentabilizar património imobiliário com o apoio da Sonae Sierra. Os temas somam-se e as respostas do CEO dos CTT ao Dinheiro Vivo podem ser lidas aqui. O gestor fala em fase de transformação dos CTT para garantir rentabilidade futura.

Os CTT têm a concessão do serviço postal universal até 2028. Foi determinada por ajuste direto e entra este ano em pleno funcionamento – 2022 foi um período de transição -, mas ainda não foram divulgados os novos indicadores de qualidade. Enquanto a Anacom não entregar uma proposta ao governo, continuam a valer os critérios do costume. Já tem conhecimento dos novos indicadores de serviço aos quais a empresa está obrigada a cumprir?

Não foram entregues, mas há um progresso significativo no quadro em que nos encontramos. Neste processo de adjudicação direta, o governo alterou também a lei postal e foi no enquadramento dessa lei que o novo contrato foi desenhado e subscrito. Os indicadores de qualidade devem, daqui em diante, ser aprovados pelo governo – anteriormente eram estabelecidos pelo regulador, o que era estranho porque num contrato há duas partes, um concedente que é o Estado, representado pelo governo, e um concessionário que no caso são os CTT. Havia um aspeto muito importante – aliás, dois ou três – que era estabelecido por uma terceira parte, o que era algo aberrante, mas isso foi resolvido. Hoje, quem estabelece os indicadores de qualidade é o governo, mas fá-lo por proposta da Anacom. No contrato, ficou plasmado que os indicadores de qualidade devem ser estabelecidos em linha com as melhores práticas europeias, de acordo com a média dos países com quem nos comparamos. Ora, temos indicadores de qualidade, quer em número quer em nível de exigência, desde 2018, quando o quadro regulatório foi alterado nesse aspeto, que são muitíssimo acima da média europeia e desta definição. O processo de proposta ao governo desses indicadores está em curso, aguardamos tranquilamente pelo desfecho na expectativa de que não se vai deixar de cumprir a lei. E a lei e o contrato são muito claros no estabelecimento dos princípios a que deve obedecer este conjunto de regras.

Há um histórico recente de incumprimento dos indicadores de qualidade por parte dos CTT. Voltaram a ficar aquém das obrigações em 2022?

Os CTT no quadro anterior estavam sujeitos a um conjunto de indicadores de qualidade, que era [em número] bastante inferior [ao que ainda vigora]. O desempenho dos CTT foi sempre positivo ao longo dos anos e em cada indicador concreto – aqui e ali terá incumprido pontualmente um ou dois. Quando o novo conjunto de indicadores foi estabelecido ficou bastante clara a impossibilidade prática e concreta dos indicadores. Quando, pela primeira vez, apresentamos os indicadores de 2019 verificou-se que incumprimos 21 dos 22 indicadores de qualidade. Até pensamos ter incumprido os 22, mas depois percebeu-se que um deles teria sido cumprido. Contestámos em tribunal administrativo – infelizmente no nosso país acaba por ser um investimento pouco útil para dirimir conflitos desta natureza. O processo está a decorrer e está ainda numa fase precoce. Também houve um processo arbitral entre nós e o Estado, em que pedimos que fossemos compensados pelo esforço adicional que aqueles indicadores impunham e que fosse declarada a impossibilidade de cumprir aqueles indicadores. Esse tribunal arbitral chegou ao fim, recebemos razão na medida em que o Estado foi condenado a compensar os CTT por parte dos custos incorridos nesse esforço para tentar cumprir os indicadores. E o tribunal, de forma não unânime, só não deliberou – na minha opinião – a impossibilidade de cumprir os indicadores porque alegou que, naquele tempo, os indicadores eram estabelecidos pela Anacom – que não era parte nesta arbitragem. Isto para dizer que a nossa convicção é que é objetivamente impossível cumprir a generalidade daqueles objetivos. O desempenho que tivemos em 2022 está em linha com o passado – com a pandemia, no ano de 2021 e de 2022 fomos desonerados do cumprimento desses indicadores por razões evidentes. A resposta à sua pergunta é: ainda não temos os indicadores apurados, quando estiverem serão comunicados ao regulador e tornados públicos, mas continuamos tão convictos como sempre estivemos que é impossível cumprir este conjunto de indicadores.