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João Ventura Sousa foi nomeado administrador executivo dos CTT em 2019, tendo a cargo as operações de e-commerce, empresas, sustentabilidade, encomendas e logística. Licenciado em Marketing e Gestão, tem também formação na área da Liderança. Antes de entrar nos CTT dirigiu operações em áreas como a cloud e data centres na Altice.
O negócio dos CTT está em franca transformação e sobretudo nestes tempos de pandemia, em que a digitalização ganhou gás, têm surgido muitas soluções viradas para as empresas no e-commerce. O Criar Lojas Online, as feiras digitais no Dott, o Criar Campanhas, os CTT Adds, CTT Comércio Local, CTT Logística… Já está plenamente cumprida essa transformação ou há mais novidades a caminho?
Cheguei aos CTT há dois anos, e coincidiu com o contexto de pandemia, que acelerou muito o processo de transformação. Mas o trabalho está longe de estar feito. Primeiro, porque esta empresa, que tem 500 anos, tem este desafio de preparar-se para os próximos 500, sentimos essa responsabilidade na administração. Para sobreviver tanto tempo é preciso ter no ADN esta capacidade de constantemente inovar, isso nunca estará terminado. Estamos em franco crescimento nesta área, mas ainda com muito por desenvolver em Portugal – e em Espanha, onde também estamos. Digitalizar negócios, apoiar as empresas a colocarem os seus produtos e serviços online é um longo caminho. Estes dois anos foram um salto muito grande, demoraria uns cinco ou dez anos para esta aceleração de empresas e consumidores, mas há muito por fazer. Estamos muito contentes com todo o trabalho desenvolvido porque não deixamos ninguém para trás: se as grandes empresas já estavam preparadas e tinham o seu catálogo de produtos disponível online e uma base de clientes, as micro e PME e os empresários que criavam os primeiros negócios não. Então os CTT, mais que um operador logístico, desenvolveram um processo para chegar a todos os segmentos.
Muito virado para micro e PME.
Sim, começámos pelas médias: na semana em que o país fechou, lançámos uma plataforma de lojas online com custos bastante acessíveis e oferecemos as primeiras mensalidades, para elas poderem experimentar e colocar os seus produtos online. Depois, não sendo suficiente para as mais pequenas, desenvolvemos a plataforma Comércio Local, em que com a ajuda dos municípios ajudámos as pequenas a colocar a sua oferta. E tivemos pessoas que vendiam biscoitos em Viseu ou meias em Vila Nova de Gaia que passaram a vender para todo país. Depois as feiras deixaram de se realizar e nós, desafiados por uma entidade intermunicipal, fizemos a primeira feira dos queijos DOP com a nossa Dott – plataforma que partilhamos a 50% com a Sonae – e fizemos uma feira pela primeira vez online, que foi um caso de sucesso. Tivemos de pôr pastores a vender online, a aprender como pacotizavam, enviavam… muitos nem impressora tinham para imprimir etiquetas. Foi uma aventura, mas já vamos na segunda edição dessa feira e as pessoas já vendem mais online do que na loja física.
Foi também uma ajuda à economia.
Sim, quisemos posicionar-nos como empresa que além de entregas e logística tem uma oferta para todos os segmentos, independentemente da dimensão, e para toda a cadeia de valor: loja online, pagamentos, publicidade, envios, logística. E outro fenómeno que apareceu que são as devoluções – as pessoas querem ter essa confiança, se não gostarem ou a peça tiver defeito. Hoje temos essa oferta e qualquer empresa pode comprar o pacote inteiro ou por módulos, sempre com a preocupação de ser acessível, porque sabemos que muitas empresas estão com problemas de tesouraria e precisam de testar com essa confiança. A transformação é muito mais, mas este processo ajuda a trazer as empresas para outro nível e estamos felizes por sermos das principais empresas no país a apoiar a verdadeira digitalização das empresas, a ajudá-las a crescer, a transformar o negócio. Houve quem fechasse a loja e vendesse mais online e agora que fizeram o caminho e estão preparadas.
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As cartas são hoje residuais?
Sim, o tráfego de correio está a cair. As receitas valem cerca de 50% do negócio dos CTT. Esta queda acelerou em pandemia e fez que os CTT, preocupados com o futuro, acelerassem as outras unidades de negócio. Mas há muito de e-commerce, sobretudo em empresas em fase inicial, que vendem muito por Facebook ou Instagram, que é feito através de correio. E mesmo aí estamos a transformar-nos.
Com novos serviços?
Sim, em pandemia, uma das coisas que fizemos – naquela altura em que havia filas intermináveis para levantar o Cartão do Cidadão – foi, em colaboração com o Ministério da Justiça, levá-lo a casa das pessoas. O próprio negócio do correio pode ser reinventado e adaptado às necessidades modernas; não são só cartas de namorados e faturas. Temos milhares de pessoas que todos os dias entram em casa dos portugueses, não há outra empresa assim, e muitos dos carteiros, que estiveram sempre na frente de batalha, conhecem as pessoas, ajudam. Este braço armado pode desenvolver-se e o próprio negócio do correio pode reinventar-se e ser usado para e-commerce e outros serviços ao domicílio.
Em 2020, o comércio eletrónico B2C (diretamente da empresa para o cliente) cresceu 46% (para 4,4 mil milhões). Já tem números deste ano? O ritmo intensificou-se?
Continua a crescer. Nós fazemos dois grandes eventos de e-commerce por ano e notamos esse crescimento acentuado. Por dois motivos: as pessoas habituaram-se a comprar online e também há mais oferta. Daí a importância de levar as pequenas empresas a esta dimensão. Sentimos em 2021 um crescimento de pessoas a comprar mais, com mais valor, mais vezes e mais categorias: começou por livros e roupa, hoje já compram mobiliário e nós levamos e montamos, já temos essa solução. Mas ainda há caminho: Portugal e Espanha ainda são países menos desenvolvidos do que o norte da Europa.
Qual é a compra média?
O ticket médio são 56 euros, para compras de mil euros online por ano. Há caminho a fazer e isso é um desafio para todos – e nós estamos cá para ajudar.
Os CTT anunciaram nesta semana uma linha de apoio ao cliente via whatsapp. Já é possível fazer algum balanço nas encomendas de Natal?
Para se comprar mais online, é preciso confiança de que a encomenda chega a horas, portanto toda a parte de pós-venda é relevante. Nós queremos estar muito fortes no digital por isso fazia sentido ter mais do que o call centre e este whatsapp está a correr muito bem. Os canais digitais para que os clientes falem connosco crescem todas as semanas. Felizmente não cresce mais porque as reclamações também estão a cair. Mas foi muito importante termos lançado isto neste período de maior tráfego, de peak season. Fizemos investimentos avultados no tratamento e distribuição para ser uma época calma, com todas as ferramentas e esse movimento de utilização massiva foi muito importante. Estamos contentes connosco e com a resposta dos clientes.
Em 2021 foi também criada a Rede de cacifos CTT, que querem fazer chegar a mil unidades no próximo ano (são ainda 167). Estamos a falar de que valores de investimento?
Criámos uma joint-venture em que temos 66% e a YunExpress, parceiro chinês, 34% e planeamos investir 8 milhões. Para trazer aumento de consumo temos de trazer conveniência aos clientes e quando queremos entregar as encomendas nem todas as pessoas estão em casa. Hoje podem receber através da nossa rede que é a maior de pontos de entrega – cerca de 570 lojas mais 1800 pontos de venda -, mas não chega. E uma grande tendência no e-commerce são os cacifos inteligentes. Quisemos ser os primeiros, queremos ser o maior. É o nosso ADN e obrigação enquanto empresa portuguesa investir no país. Começámos pelos cacifos nos hospitais, onde há muita gente que não consegue estar em casa, depois as parcerias com municípios, onde passa muita gente, e os privados que muitas empresas passaram a dar aos colaboradores para poderem receberem a encomenda no local de trabalho.
Essa solução também tem ajudado neste período de Natal?
Tem, há muito mais pessoas a mandar encomendas para os cacifos e também os e-sellers têm logo o cacifo como opção quando se acaba a compra – pode estar no super, na empresa, no shopping… e isso ajuda a entregar com mais qualidade e a responder à sustentabilidade: se não preciso de ir a dez sítios entregar, faço menos quilómetros. Também tem esse lado. Queremos acelerar muito isto, chegando a mil cacifos em 2022.
O comércio volta a ter restrições devido à pandemia e a vossa operação foi de novo reforçada para garantir que as encomendas chegam às famílias – em pessoas, no centro logístico… Como é que os CTT respondem a este acréscimo de trabalho?
Desde o primeiro dia, nossa preocupação foi proteger as pessoas que temos na rua e temos bons indicadores do resultado, mesmo em contexto de alta de entregas. Vamos na segunda grande época de pico em pandemia e fizemos um avultado investimento para correr bem, para termos diferentes unidades abertas e dar resposta atempada aos clientes. Além dos grandes centros de distribuição de Lisboa e Porto, abrimos em Aveiro, Leiria e Palmela – são mais 20 mil m2, mais máquinas de escolha de encomendas e investimento em recursos humanos (RH) para garantir a resposta. E está a correr muito bem. O anúncio de que os saldos só podem ser online mostra o que disse: as empresas têm de estar preparadas e ter o seu negócio online. Hoje, as quase 3 mil que ajudámos já o estão e têm esse canal. Temos de continuar a ajudar para as más e as boas surpresas – como as empresas aumentarem a sua zona de atuação, o que as ajuda a crescer, ajuda a economia e até o mercado da saudade: quem é de Braga e vive em Lisboa pode comprar os seus produtos, há também esse lado.
Esse reforço de RH correu bem? Quantas pessoas foram?
Não tenho o número exato, mas na ordem das centenas, até porque foram abertos centros em zonas em que os CTT não tinham presença e que trabalham em turnos contínuos: para a encomenda chegar de manhã, alguém tem de trabalhar de noite. Temos um conjunto de pessoas fixas muito grande e depois o contexto variável consoante a procura. Não sentimos dificuldades porque planeámos muito bem os momentos de pico: equipas de CTT, operações, comerciais, técnicos. Começámos a preparar este mês em maio/junho – e os investimentos ainda antes.
No ano passado, entre a Black Friday e o Natal, os CTT transportaram 3,5 milhões de encomendas. Já há números de 2021?
O pico até começa antes, com o Singles Day, a 11 de novembro – tradição muito forte na China e que já se globalizou e chegou aqui… mas ainda não contabilizámos, porque há muitos que compram no último dia, há a tal época de saldos, que vai significar muito volume, e porque em Espanha os presentes são tradicionalmente entregues no dia de Reis. A nossa estratégia é completamente ibérica, portanto só fazemos essas contas a meio de janeiro.
Em Espanha têm 5% do mercado. Como está a correr?
Muito bem. A operação tem alguns anos e temos crescimentos bastante elevados, estamos a captar muitos clientes e tráfego e muito dele – o que é um orgulho – vem de Espanha para Portugal. É muito a marca CTT, que é credível para o cliente em Espanha, porque ele sabe que trabalhar connosco garante entregas em qualquer ponto do país graças à nossa capilaridade. Mais dia menos dia, os CTT serão uma operação ibérica. Em e-commerce faz todo o sentido e temos feito por isso, com bastante investimento em Espanha. Hoje entregamos em 24 horas em qualquer ponto da Ibéria.
Os centros operacionais vão continuar a ter investimento?
Sim, vamos avançando conforme as necessidades. O investimento que temos feito até agora é o que nos parece correto, mas esperamos que Portugal e Espanha estejam em franco crescimento no e-commerce e digital e teremos de investir mais nesse caminho. Além disso, usamos muito as boas práticas de um país para outro: vamos querer levar as lojas online para Espanha, trazer outras coisas.
Com este crescimento de encomendas, vieram também mais reclamações. Os CTT são das empresas que mais queixas geram na DECO e de acordo com a ANACOM estas cresceram 150% (12,2 mil, 80% do total no setor dos serviços postais), um quarto delas referindo problemas na entrega no domicílio. Faz sentido estes valores ainda subirem?
O número de reclamações por volume de encomendas tem-se reduzido. Havendo este franco crescimento e sendo nós líderes de mercado nas entregas, é normal aparecermos no radar, mas o ideal, o nosso sonho, é não termos nenhuma reclamação. É para isso que trabalhamos com estes investimentos, para ter as melhores condições e procedimentos com os cliente finais e os que nos contratam, termos mais ferramentas para falarem connosco. Porque muitas vezes é a carência de informação que origina a reclamação. E esse investimento estamos a fazer, bem como a ajudar as empresas, porque muitas vezes somos a cara final: se faço uma encomenda e não há stock…
O alvo é o mensageiro.
Para o bem e para o mal. Mas trabalhamos num mercado muito competitivo, contra grandes multinacionais, e a satisfação do cliente é um dos nossos eixos prioritários. O que significa muito investimento em sistemas de informação, em capacidade de produção e em informar bem os clientes. Porque já há muita gente a comprar online, mas também há mais consumidores a vir, mais produtos e isto também é um processo de aprendizagem para o público.
Os CTT estão a virar-se para o investimento, para potenciar a transformação digital também a outro nível: criaram o Fundo de investimento para apoiar PME e startups inovadoras (Fundo de Inovação CTT, com dotação de 4 milhões de euros) em setores alinhados com as prioridades de atuação dos CTT, como o e-commerce, operações & logística, comunicações, fintech, retalho e publicidade. Que saldo faz dessa aposta?
Muito positivo. Portugal é um país de inovadores, de empreendedores. As últimas crises levaram muitos jovens a virarem-se para o empreendedorismo, a criarem startups. Temos encontrado muito boas soluções e ideias e achamos que este dinheiro vai ajudar a desenvolverem-se e aos CTT a melhorar o serviço. É bom para o país.
Outra prioridade da empresa é a sustentabilidade, que é também seu pelouro. Que passos é que estão a ser dados para tornar os CTT mais circulares e mais verdes?
Do que mais me surpreendeu pela positiva nos CTT foi que a sustentabilidade está na agenda desta empresa há muitos anos. O Correio Verde, um serviço totalmente sustentável, tem uma década. Nós, sendo uma empresa de logística, fazemos muitos quilómetros por ano e temos de ter muita preocupação. E temos soluções, além do Correio Verde, como as embalagens ecológicas reutilizáveis, muita oferta ligada à sustentabilidade, investimentos em energia com essa preocupação; temos das maiores frotas elétricas e queremos crescer, porque isso significa suportar esse compromisso. E já temos serviços, por exemplo com Nespresso e IKEA, em que entregamos só com elétricos para garantir essa agenda de sustentabilidade. Faz parte dos nossos pilares, é claramente uma preocupação vamos continuar a trabalhar forte nessa agenda, que marca todas as discussões de investimento, aquisição, etc.
O PRR tem previstos apoios tanto para a transição digital como para a transição climática. Os CTT têm em vista algum projeto que possa beneficiar deste programa de recuperação?
Estamos a trabalhar com diferentes entidades nesses dois pilares, que é onde achamos que faz sentido estarmos. Ainda não fechámos nada mas estamos a trabalhar e focados em como usar esses fundos para ajudar as empresas a acelerar a digitalização, colocar produtos online e crescer nesse movimento. É o momento certo e onde estes fundos podem ser muito bem aplicados, também associando à sustentabilidade. Estamos a olhar para os dossiers e serão as duas áreas críticas nas quais vamos estar presentes.
O governo decidiu manter os CTT como prestadores do serviço postal universal por mais 7 anos e retirou à ANACOM a definição de critérios de qualidade que contestavam como “impossíveis de cumprir”. As atuais condições estabelecidas para o contrato satisfazem os CTT para arrancar a 1 de janeiro?
O processo está a seguir os trâmites normais e as novidades serão comunicadas pelos CTT e governo quando for altura.
A promessa de reabrir 33 lojas e não fechar em sedes de concelho está cumprida. Preveem abrir alguma nova ou há possibilidade de reequacionar balcões?
Esta administração prometeu reabrir as sedes de concelho, esta em Gavião foi a última, cumprimos e os munícipes estão contentes. Estar em casa dos portugueses todos os dias é muito importante para nós e qualquer movimento posterior que faça sentido vamos abraçar. Por exemplo, abrir novos centros de tratamento – que traz emprego e ajuda as empresas da região -, também é uma forma de estar próximos. Vamos olhar para a região ibérica e cresceremos no que fizer sentido enquanto estratégia da empresa.
Uma empresa concorrente, a PGM, acusou os CTT de abuso de posição dominante. Já antes a VASP tinha interposto uma ação no mesmo sentido. A liberalização dos serviços postais existe?
Existe. A minha vida tem sido sempre feita em operadores líderes de mercado e isso é algo que os concorrentes dizem… O mercado é completamente liberalizado, há um regulador, mas temos dado os passos certos para satisfazer os clientes e torna-se mais difícil atrair clientes. Para mim é sinal de estarmos a fazer um bom trabalho
Internacionalizar mais a operação é uma vontade?
Temos um grande caminho ainda em Espanha, temos 5% de mercado e muito maior ambição. Também temos Moçambique, a 50% com os Correios de Moçambique. E queremos fazer este modelo ibérico. Como qualquer empresa que quer crescer estamos sempre abertos a ideias, mas para já o que queremos é ser um grande player ibérico. Há muito a fazer nesta geografia.
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