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José Lopes completou a primeira década aos comandos da easyJet, depois de cinco anos a trabalhar na aviação do país vizinho. Lidera a operação da low cost britânica em Portugal desde 2017 e fecha 2022 com “o melhor resultado de sempre da companhia no país”. Este ano, a easyJet vai aumentar a oferta em um terço, totalizando quase 11 milhões de lugares em Portugal – um milhão e meio dos quais respeita aos 18 slots retirados à TAP. O responsável do mercado português admite os desafios dos próximos meses e garante que a tempestade na aviação ainda não passou, embora esteja confiante na estratégia afinada da empresa para seguir caminho.
Os preços das tarifas não vão aumentar, garante, apontando o dedo aos concorrentes que adotam sobretaxas de combustível como uma estratégia de marketing. O crescimento na Portela faz-se com aviões maiores e sobre o novo aeroporto recusa adicionar mais ruído enquanto não houver uma decisão, apelando ao governo que oiça as companhias aéreas no processo de discussão. À TAP deixa vários recados, assumindo frontalmente que a transportadora de bandeira é a sua maior concorrente e que quer ultrapassá-la. O apetite pela expansão é voraz e garante: “Se mais alguém perder slots estamos ali à espera para tentar obtê-los”.
A easyJet teve o melhor ano fiscal de sempre, com uma subida de 3% em Portugal. Em que regiões registaram os maiores crescimentos?
Terminámos o quarto trimestre com taxas de ocupação acima dos 90% e financeiramente foi o melhor da nossa história. Crescemos face ao ano passado, 201% em Faro, 208% em Lisboa, 90% no Funchal e 161% no Porto. Face a 2019, o Algarve ficou 19% abaixo e Lisboa a menos 4%. No Funchal e no Porto registaram-se crescimentos de 30%.
Qual é a atual quota de mercado da easyJet em Lisboa?
De acordo com a OAG [Official Aviation Guide], temos previsto para este inverno uma quota de 12%. A Portela cresce um milhão e meio de lugares e metade somos nós. No Porto passámos para 20%.
Com quem estão a concorrer em Portugal?
A easyJet foi criada para operar em aeroportos principais e estamos em concorrência mais forte com as companhias tradicionais. Em Portugal, o nosso principal concorrente é, obviamente, a TAP.
Ainda que a Ryanair tenha uma quota superior em vários aeroportos nacionais?
Ainda que a Ryanair tenha um peso maior, sim. Eles instalaram primeiro bases no Porto e em Faro e é normal haver algum avanço. Mas quando a TAP se retirou do Porto fomos nós que a substituímos. Quem está a crescer mais do que ninguém no Porto somos nós.
O objetivo é ultrapassar a TAP em todos os aeroportos – à exceção de Lisboa?
Sim. Em Lisboa será quase impossível, a não ser num cenário em que a TAP se transformasse numa ITA [Airways]. A TAP tem um espaço ocupado e só se o libertasse, numa situação catastrófica para a empresa, é que isso seria possível.
Qual é a estratégia para competir com a TAP na capital?
Aproveitar todas as oportunidades que existam para conseguir slots que outros players possam perder. Além dos três aviões que baseámos devido aos slots da TAP, já tínhamos acrescentado o sexto avião devido a um slot que os operadores de Lisboa perderam por utilização ineficiente – não sabemos quem. Na pandemia, várias companhias perderam slots e pudemos rapidamente aproveitá-los.
Querem todos os slots que estiverem disponíveis na Portela?
Sim, no Humberto Delgado e em qualquer outro aeroporto europeu congestionado. Esses slots são extremamente valiosos e se mais alguém perder slots estamos ali à espera para tentar obtê-los.
A mudança para o Terminal 1 foi vista como uma ameaça pela TAP, que acusou recentemente a ANA de favorecer a easyJet na questão das mangas?
As acusações são completamente falsas. O número de mangas e de portas que existem são limitadas e a alocação às várias companhias é baseada em critérios de eficiência global: o menor tempo de rotação e o maior número de passageiros. O principal processo de gestão do meio é a eficiência e agradeço à TAP reconhecer publicamente que somos mais eficientes. Se conseguimos rodar um avião mais rapidamente, nalguns momentos, para a mesma manga, conseguimos rodar três aviões enquanto a TAP só consegue rodar um. A TAP apresentou uma pseudo queixa – nunca foi apresentada no comité de utilizadores do aeroporto. Se virmos os números, a TAP tem mais do triplo da utilização de mangas da easyJet. Estão a queixar-se de quê? Apesar da sua falta de eficiência têm mais do triplo de mangas do que nós.
Não viram com bons olhos a nova vizinhança?
Sim. É aquela mentalidade da TAP antiga que espero que com o tempo desapareça, porque fazemos todos parte de uma comunidade aeroportuária, que tem de trabalhar em conjunto. As soluções mais eficientes beneficiam a pontualidade de todos. É a velha escola da TAP que acredita que isto é tudo deles e eles é que mandam. Compreendo que a TAP quisesse um aeroporto só para ela, mas isso não é possível.
A TAP anunciou o cancelamento de quase 400 voos até ao final do ano e na próxima semana arranca uma greve de dois dias dos tripulantes. A easyJet tem beneficiado com estes constrangimentos?
Nos números comparativos, sabemos que, em Portugal, em todas as rotas nas quais temos concorrência, a nossa penetração de mercado ao nível de passageiros é superior à nossa oferta. Os passageiros tendem a preferir voar com a easyJet. Nesta conjuntura macroeconómica, é dada preferência à companhia com melhor relação qualidade-preço e com uma qualidade de serviço que diz respeito à forma como tratamos as pessoas, ao nível de pontualidade e ao facto de não cancelarmos – só, obviamente, com fatores exógenos. Claro que depois, quando o passageiro olha para a nossa operação e para os outros, toma as suas decisões. Quando o cliente compra easyJet sabe que o produto não irá falhar.
Os 18 slots da TAP foram convertidos em 550 mil lugares no inverno. Quais são os planos para o verão?
Mais de um milhão de lugares, que ainda não colocámos à venda e que esperamos poder anunciar até ao final de dezembro – estamos no processo de transferência. Teremos mais lugares porque o verão é maior, são sete meses contra os cinco do inverno, os slots são os mesmos. O que propusemos à Comissão Europeia foi operar todos os dias, do primeiro ao último, 18 voos. Lisboa é um aeroporto congestionado e esta era uma capacidade desejada por nós há muitos anos. É uma capacidade pela qual os nossos concorrentes dariam um braço para ter. Nos aeroportos congestionados, os slots valem ouro.
Têm defendido as “tarifas competitivas”. Com a inflação cada vez mais pesada é possível manter este cenário ou ponderam vir a adotar uma sobretaxa de combustível?
A sobretaxa de combustível é enganadora e não deveria existir. Foi inventada pelas companhias tradicionais na altura em que nasceram as vendas online. Apareciam as low cost primeiro e as tradicionais no fundo da lista, com preços mais altos. Como não era obrigatória a apresentação do preço final, dividia-se o valor apresentado entre o preço mais as taxas. Para dar a volta à situação, criou-se uma pseudo taxa de combustível que, na realidade, é tarifa escondida. A tarifa que um passageiro paga é suposto cobrir todos os custos da companhia. Quando compramos pão na padaria não pagamos uma taxa de farinha. Na altura foi uma desculpa para desagregar o preço e isso nunca foi retirado. Psicologicamente, na cabeça do consumidor, quando se fala em taxa pensa de imediato que é imposto governamental e não é associado à tarifa.
As companhias aproveitam-se desta estratégia como um golpe de marketing?
Completamente. A taxa de combustível não deveria existir, deveria ser apresentado o preço ao cliente de forma transparente. Tenho de rentabilizar o meu voo sem subterfúgios. A easyJet não tem nem vai apresentar taxas de combustível. Relativamente aos preços, este ainda vai ser um ano de um forte investimento, teremos uma capacidade de 10,8 milhões de lugares em Portugal, mais 32% face a 2021. Para aumentar a oferta tenho de estimular a procura, como posso fazê-lo se desatar a aumentar preços?
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Conseguem aportar os aumentos do jet fuel sem mexer nas tarifas?
Somos uma empresa extremamente sólida financeiramente. Temos uma cobertura de 75% de hedging para este ano, 50% no próximo e 25% no seguinte. Temos hedging a nível da flutuação da moeda e apresentámos, pela primeira vez, hedge na aquisição das aeronaves do nosso plano de expansão a um valor bastante favorável.
Mas esses contratos também vão ficando mais pesados.
Claro, vão aumentando. É como quando vamos ao banco negociar o spread. Quem o fez há 10 anos hoje não negoceia igual. Mas será certamente melhor do que daqui a seis meses se as taxas de juro continuarem a subir. Para negociar bons contratos de hedging é preciso ter uma capacidade financeira forte. Estamos também aumentar a capacidade de assento de avião. Abrimos a base de Lisboa com os [Airbus] 319 e entretanto passámos para os A320 – subimos de 156 para 186 lugares. Com os novos slots estamos a trazer os A321, que correspondem a 235 lugares por avião. Aumentando o número de assentos por avião baixámos os nossos custos unitários. Faz parte de uma política de otimização, especialmente em aeroportos congestionados. Só há uma forma de crescer em aeroportos como a Portela: aumentar o tamanho do avião. O slot é o mesmo e com um avião maior conseguimos crescer.
As obras na Portela serão também um paliativo?
Pelas informações que nos foram dadas pela ANA, as obras irão essencialmente servir para que exista uma melhoria da qualidade no serviço prestado. Em Lisboa, se houver uma manhã de nevoeiro a operação ao longo do dia fica toda afetada, em efeito bola de neve, e o espaço aéreo europeu está também congestionado. Estas obras são vitais e esperemos que sejam implementadas o mais rapidamente possível. O aeroporto precisa destas melhorias para que os voos sejam mais pontuais.
Pela frente há mais um ano de discussão sobre o novo aeroporto. Que resposta espera receber do governo no final de 2023?
Que seja tomada uma decisão e que no processo sejamos também auscultados. Há muita gente a opinar sobre o novo possível aeroporto e possíveis soluções e é importante falar com os operadores. No final do dia somos nós que vamos operar nessas soluções, somos nós que investimos. Era importante as companhias aéreas serem ouvidas.
Santarém seria uma hipótese viável para a easyJet?
Neste momento, é uma perda de tempo dar opiniões. É aguardar de forma serena. Nós iremos adaptar-nos à decisão que for tomada – umas poderão ser melhores do que outras. A discussão deve ser recatada e opinaremos publicamente quando houver novamente algo concreto em cima da mesa.
Em breve irão apresentar as novas rotas para o verão. Têm planos para regressar aos Açores?
Não existem, para já, perspetivas para voltar aos Açores. Na altura [em 2015] foi a easyJet quem lutou e defendeu a liberalização do mercado. Mas as regras não eram iguais para todos e considerámos por bem sair. Estamos confortáveis com o nosso crescimento, somos a companhia que, de longe, mais cresce no país.
Ficou uma mágoa com o governo regional?
Os negócios são assim mesmo. A easyJet é uma empresa privada e tem de dar rentabilidade aos seus acionistas nos investimentos que faz. Utilizámos a capacidade alocada nos Açores para outros mercados, como a França – e foi a aposta certa porque somos o número um a voar para o país. Não mudámos uma vírgula na forma como pensávamos o destino. Há potencial, existindo as condições ideais de concorrência entre todos.
A que condições se refere?
À subsidiação. Por um lado, o sistema de incentivos dos residentes faz com que não exista concorrência de preços. Para um residente é igual comprar em qualquer companhia a qualquer preço. A easyJet é conhecida por ter melhor relação qualidade-preço e a partir do momento em que o fator preço é retirado da equação, não há concorrência. Depois, houve os subsídios dados à Ryanair para operar na ilha Terceira. Na altura foram oferecidos à easyJet, considerámos que não eram legais e por isso recusámo-los, mas os nossos concorrentes não tiveram a mesma opinião e aceitaram-nos. Esse valor financia toda a operação dos Açores; se um player recebe uns milhões que os outros não recebem, a capacidade concorrencial não é igual, afeta a base de custo da operação e permite que eles possam ser mais agressivos a nível de preço. Quando uma rota está liberalizada é porque não necessita que os players recebam apoios, se não, não pode estar liberalizada. Uma rota que precisa de apoios é serviço público.
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