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À margem de um evento privado organizado pela Google Portugal com empresas do retalho, em Lisboa, José Maria Júdice falou com o Dinheiro Vivo sobre os desafios do comércio digital para os negócios nacionais. “O grande desafio é falar de forma segmentada com mensagens relevantes para cada pessoa e o digital permite fazer isso”, aponta o industry manager. Mas há outros obstáculos que importa superar para aumentar o peso das vendas online.
Dados do Euromonitor mostram que, em Portugal, 8% das vendas do retalho estão no digital. O que está a impedir um desenvolvimento mais célere do setor?
Há várias razões, se fosse só uma seria mais simples de resolver e já estaríamos como o Reino Unido com 30% das vendas de retalho através de e-commerce. Em comparação com outros mercados temos menor penetração da internet, embora estejamos a diminuir o gap a cada ano. Já estamos bem acima dos 80% [no acesso à internet], é uma questão de tempo até chegarmos aos 90% onde os países do norte da Europa e o Reino Unido já estão há vários anos. Além disso, diria que é muito um tema de disponibilidade de catálogo e de capacidade de oferecer os produtos certos para o que as pessoas procuram. Sobretudo hoje quando, com a internet, as fronteiras se eliminam. Associado a isso estão o preço e a entrega. Por isso é que falamos tanto da exportação como uma oportunidade para as empresas portuguesas, porque não só diversifica o risco, como dá escala. Isso vai ser muito importante na negociação de condições de logística mais atrativas, no conhecimento dos mercados e na negociação com fornecedores. É um caminho que tem de se fazer.
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“O que vemos entre os nossos clientes é que conseguiram aproveitar a procura adicional da pandemia e conquistaram vários anos de digitalização no espaço de dois anos.”
A pandemia acelerou essa transformação?
Sim, acho que houve uma mudança grande. Nem todas as empresas conseguiram capturar essa oportunidade da maneira ideal, mas o que vemos entre os nossos clientes é que conseguiram aproveitar a procura adicional da pandemia e conquistaram vários anos de digitalização no espaço de dois anos. Houve uma aceleração, sem dúvida. Tínhamos uma grande diferença [em relação a outros mercados], portanto, esta aceleração não nos trouxe para o grupo da frente. Trouxe-nos para um nível melhor. Estamos melhor, mas temos ainda muito caminho pela frente.
Esse percurso está a ser trabalhado? Esperam um desenvolvimento maior nos próximos anos?
Um bom indicador é a percentagem de vendas de retalho que é gerada através de e-commerce. Em Portugal estamos a falar de 8%, o Reino Unido tem 30%. Estamos a evoluir, fizemos um caminho, mas, de acordo com este estudo do Euromonitor, a previsão para 2025 é que, se continuarmos nesta trajetória, teremos 11%. Isto é o que a Grécia tem hoje. A mensagem tem de ser de continuar nesta trajetória, mas acelerar. A menos que entendamos que o e-commerce e o digital não fazem parte do futuro do comércio. Não acho que seja o caso.
“A percentagem de vendas de retalho que é gerada através de e-commerce em Portugal é de 8%, no Reino Unido é de 30%.”
A viragem para o comércio digital é mais difícil para empresas mais tradicionais, em comparação com outras que já nasçam digitais?
Acho que têm desafios próprios. A cultura tem um papel muito grande na transformação digital de uma empresa. Claro que para uma organização que se habituou a fazer as coisas através do mercado físico e que tem relações instituídas com fornecedores e parceiros, essa mudança é desafiante não só do ponto de vista estratégico e comercial, mas também do ponto de vista relacional. As empresas tradicionais têm vindo a fazer essa alteração e temos vários exemplos entre nós. Isso é possível, acho que tem de partir de cima e de quem está no conselho de administração perceber que esta é uma prioridade. Na TAP, até há poucos anos, todas as suas vendas eram feitas através dos canais físicos e de agentes de viagens, mas soube evoluir e adaptar-se bem a essa mudança de paradigma. No retalho também temos vários exemplos. Acho que é possível. Concordo que não é fácil e que é mais desafiante.
Com a crescente presença da Amazon no mercado nacional continua a fazer sentido apostar em plataformas de e-commerce de base portuguesa?
Diria que continua a fazer todo o sentido termos plataformas de e-commerce baseadas a partir de Portugal, que explorem alguma vantagem competitiva que possam ter do ponto de vista da logística e do conhecimento do mercado, mas que não se cinjam ao mercado doméstico. Como é que eu, que vendo só em Portugal e tenho muito menos escala que uma Amazon continuo a ser relevante? Como é que cresço? Há muitas coisas a fazer, mas uma delas é, sem dúvida, diversificar o leque de mercados onde estamos presentes. A Amazon tem um papel muito interessante, vai dinamizar o e-commerce e pode ser até uma oportunidade interessante para trazer mais consumidores que outras empresas podem aproveitar para fazer crescer o seu negócio.
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“O grande desafio das empresas é falar de forma segmentada e com mensagens relevantes para cada pessoa e o digital permite fazer isso.”
A Google conduziu um estudo sobre o comportamento do consumidor português. A que conclusão chegaram?
A primeira dúvida que tínhamos era se os comportamentos de digitalização causados pela pandemia vinham ou não para ficar. E parece-nos que sim. Os dados revelam que quase 60% das pessoas planeiam consultar fontes digitais no seu processo de compra durante os próximos meses. Pretendem fazê-lo não só para comprar o produto, mas também para explorar alternativas, comparar preços e até para descobrir novos produtos. Na altura em que vivemos haverá mais incerteza. A inflação está na cabeça de todos e algumas famílias terão menor rendimento disponível, acho que muitas dessas famílias na altura de comprar alguma coisa para o seu dia-a-dia têm no digital uma ferramenta interessante para fazer esse processo. Acho que o papel das empresas é tentarem levar uma mensagem relevante a essas pessoas.
Identificaram algum setor em que esse processo de decisão, com base em pesquisa e comparação, seja mais importante ou é transversal?
É transversal. Hoje recorremos à internet para responder a dúvidas que temos sobre várias coisas, mas também a dúvidas de consumo.
Quais são os principais fatores de decisão no processo de compra?
O preço é rei, mas há pessoas que indicam a entrega gratuita como fator relevante na hora de decidir. Além disso, vemos que a sustentabilidade como fator de decisão, ou pelo menos de preocupação, não está a diminuir. Nem toda a gente valoriza a sustentabilidade da mesma forma. O grande desafio das empresas é falar de forma segmentada e com mensagens relevantes para cada pessoa e o digital permite fazer isso.
Está a chegar a melhor altura do ano para as vendas digitais. Que oportunidades têm as empresas nacionais?
Há momentos interessantes. A Black Friday e a Cyber Monday já são momentos conhecidos de todos e é interessante vermos que há outros que começam a aparecer, como o Singles Day ou o Prime Day da Amazon, que aconteceu em julho e fala-se na possibilidade de se repetir em outubro. Além disso, vamos ter o Campeonato do Mundo. As marcas vão ter, além de desafios, muitas oportunidades interessantes ao longo destes próximos três meses. É cada vez menos um dia ou uma semana e cada vez mais momentos de consumo em que as empresas têm de garantir que dizem “presente” quando o consumidor está à procura de algo.
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