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A covid deixou o mundo mais desigual e à beira duma pandemia de saúde mental. Ao Dinheiro Vivo, José Neves fala das transformações que a sua fundação quer provocar na sociedade, de forma humilde, e do papel de cada português para criar a sociedade do conhecimento.
A Fundação José Neves quer tornar Portugal numa sociedade do conhecimento em 2040. Que mudanças estruturais temos de fazer para atingir esse objetivo?
Para começar, é importante esclarecer o que é a sociedade do conhecimento. É uma sociedade em que o conhecimento do mundo exterior (ciência, economia, tecnologia) e o conhecimento do mundo interior são essenciais para os índices do desenvolvimento humano, definidos pelas Nações Unidas. É nestas áreas que queremos intervir, de forma humilde, pois somos apenas um de dez milhões. Cada português é um agente de transformação da sociedade. O segredo para a felicidade está no conhecimento dos dois mundos.
Qual entende ser o papel do Estado e dos portugueses nas mudanças? São papéis separados?
Todos temos responsabilidade de influenciar o nosso futuro. Quando, individualmente, tomamos em mão essa responsabilidade, o impacto que isso gera nas nossas vidas, nas nossas famílias e na nossa sociedade é incrível. As mudanças são feitas de muitas mudanças individuais. A responsabilidade é de cada um de nós. Depois, organizamo-nos em empresas, setor público e setor filantrópico. Todas estas vertentes da sociedade também têm a sua responsabilidade. Estamos muito felizes por lançar a aplicação 29k FJN [para apoiar a saúde mental] com várias empresas (EDP, REN, Galp, Accenture e Bial), que vão promovê-la junto dos colaboradores e promover o bem-estar psicológico. São dezenas de milhares de pessoas que, de forma integrada com os departamentos de recursos humanos, vão trabalhar as questões da saúde e do bem-estar mental, como depressão, ansiedade, stress pós-traumático (causado pela covid-19). Aí está um exemplo de responsabilidade do setor privado.
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Acredita mais numa mudança da população para o topo do que no contrário?
Com certeza. É sempre assim. As mudanças começam pelo individual e só depois se podem propagar para o coletivo. Sem uma mudança no indivíduo não pode haver uma mudança no coletivo. As próprias fundações e empresas são feitas de indivíduos. Se os indivíduos não tiverem clareza no que estão a fazer, as instituições não podem ter sucesso.
A FJN arrancou formalmente em setembro do ano passado. Que transformações o José sentiu enquanto empresário com a aposta neste projeto?
Os últimos 12 meses foram extremamente difíceis para todo o mundo. Todos sentimos o impacto da covid, uns mais diretamente do que outros. Empresas como a Farfetch – que eu giro – tiveram de se adaptar. Não foi só um ajuste às condições de mercado, foi uma adaptação da força de trabalho a nível psicológico. Só há resultados se as pessoas estiverem preparadas psicologicamente e se sentirem acompanhadas, amparadas e guiadas para conseguirem continuar a ser produtivas e a entregar as suas tarefas. Há uma preocupação muito grande das empresas em saber como está a saúde mental dos trabalhadores. Daí virão os bons ou maus resultados. Isso foi a maior transformação durante a pandemia, para todas as empresas.
Os mais ricos aumentaram as fortunas enquanto subiu o número de pobres. Que papel pode a fundação ter para reduzir esta desigualdade?
É muito importante reduzir esta e outras desigualdades. No relatório do Estado da Nação há vários casos extremos: as mulheres recebem um salário, em média, 21% menos do que os homens; metade dos adultos portugueses não terminou o ensino secundário; os nossos jovens têm dificuldades em entrar no mercado e um emprego muito inseguro – mais de 60 mil jovens perderam o trabalho no último ano. Estas realidades são alarmantes. O conhecimento e o desenvolvimento de competências podem ajudar a resolver estes problemas. Os portugueses que têm as competências certas escolhem onde querem trabalhar e obrigam as empresas a um esforço enorme para captar e reter talento.
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O presidente dos EUA apresentou uma proposta de imposto mínimo para as empresas a nível mundial. O que lhe parece?
Não estou a par da proposta e não faço comentários políticos porque não estou qualificado.
Mas as empresas não têm a responsabilidade de diminuir a desigualdade?
Sem dúvida. A título pessoal, considero que a administração Biden tem estado numa senda muito mais correta e equitativa do que a anterior gestão [Trump]. A Europa, neste aspeto, está muito mais equilibrada, sobretudo a nível fiscal. Os EUA para lá irão convergir se as próximas administrações forem democratas. As empresas têm uma responsabilidade enorme e estão a fazer muito. Quando proponho à Paula Amorim ou ao Luís Portela para promoverem a nossa aplicação, eles abraçam o projeto e ainda divulgam junto dos colaboradores. Acho isto fantástico. Há cinco ou dez anos, a maioria das empresas passaria ao lado. Não viam valor acrescentado. Hoje, os empresários estão preocupados.
Já houve muitos casos de esgotamento nas empresas.
Os próprios empresários sentem isso, como seres humanos. Não estão imunes às pressões psicológicas. É a coisa certa e racional a fazer: não há empresas de sucesso sem talento. Mas ainda há muito a fazer e como empresários temos esse sentido de responsabilidade.
Voltando à questão fiscal: se a UE determinasse um aumento de impostos de um ou dois pontos percentuais, pagaria?
Obviamente. Ou até mais. Pagaria o imposto que fosse necessário.
Em abril foi recebido pelo Presidente da República. Que temas foram abordados na audiência?
Portugal tem a possibilidade de se tornar numa sociedade do conhecimento. Somos um país pequeno, sem recursos naturais e minerais abundantes. Temos de apostar noutro modelo de desenvolvimento. Basta olhar para a Suécia, Taiwan, Coreia do Sul e Singapura, que fizeram transformações através do conhecimento. Eles exportam propriedade intelectual. Não há razão para Portugal não poder ser uma sociedade do conhecimento e ter um modelo de desenvolvimento mais sustentável, elevar o nível de desenvolvimento humano e social dos portugueses. Os países mais felizes do mundo não são os mais ricos. Claro que é necessário bom desenvolvimento económico para um ser humano ser feliz. Mas depois há várias condições sociais e pessoais para subirem os índices de felicidade.
De que precisa Portugal para ser mais feliz?
Apostar sempre no autoconhecimento, tal como se vai a um ginásio com frequência. É um trabalho individual com ferramentas como a aplicação 29k FJN.
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