//Juvencio Maetzu. “Temos maior retorno do investimento em renováveis do que em obrigações”

Juvencio Maetzu. “Temos maior retorno do investimento em renováveis do que em obrigações”

Juvencio Maeztu é o CFO e deputy CEO do Grupo Ingka, dono da cadeia Ikea, onde está desde 2001. Dentro da organização já passou por países como Índia, Espanha, Portugal, Reino Unido e Países Baixos. É o responsável pela área da sustentabilidade do grupo que, defende, deve ser acessível à maioria e não apenas um luxo para minorias.

Como é que a pandemia da covid-19 afetou a operação da Ikea?

Tem sido duro, mas tem sido duro para toda a gente. Quando começámos este processo não tínhamos um mapa para navegar, mas confiámos na nossa organização e decidimos funcionar em duas áreas ao mesmo tempo: uma foi a gestão de crise, mas a outra foi pensar no futuro. Tivemos mais de 70% das lojas em todo o mundo fechadas, mas a parte boa é que já tínhamos começado a transformação digital e isso permitiu-nos lidar com as operações de uma forma muito melhor, mas também nos permitiu apoiar os nossos fornecedores com liquidez, apoiar as comunidades onde operamos e que estavam em risco e que apoiámos com fundos adicionais de 26 milhões de euros. E apoiámos os nossos trabalhadores, porque quisemos proteger o emprego; não só financeiramente, mas com apoios à saúde mental e bem-estar e ainda apoiámos os nossos inquilinos, em algumas lojas. A filosofia foi sempre de “como podemos apoiar?”, de como podemos arregaçar as mangas e apoiar. Isso teve mais que ver com a gestão de crise, mas ao mesmo tempo dissemos que este era o momento de dar um salto em frente e de ser melhores para o futuro. A transformação digital foi a decisão certa, é mais claro do que nunca que temos de continuar e é mais claro que nunca que temos de manter a nossa estratégia de sustentabilidade. No ano passado anunciámos o investimento de 600 milhões de euros em sustentabilidade, e isso vai desde as energias renováveis, ao investimento nos nossos edifícios, ao consumo de energia e na economia circular, até às entregas. Tínhamos que crescer nisto, mas melhorar também a acessibilidade à vida em casa. Temos conhecimento, competência e soluções, a vida em casa é ainda mais importante agora, quando a mesa de jantar passa a ser a mesa de reuniões e a sala de estar passa a ser o novo parque infantil. É o momento em que temos de tornar a vida em casa melhor.

As nossas casas mudaram para sempre?

As pessoas estão mais em casa e investem mais na casa, mas a coisa mais importante é que, ao mesmo tempo que fazemos mais coisas em casa não desistimos da estética ou da funcionalidade. Queremos um compromisso, isto não é sobre ter mais coisas, mas antes ter melhores coisas; o ponto fundamental é sobre como podemos unir três lados: a vida em casa, a sustentabilidade e acessibilidade, em termos de preços. Todos querem mais vida em casa, mas depois não sabem como fazê-lo; ou até sabem, mas pensam que a sustentabilidade é cara. Não conheço ninguém que queira destruir o planeta, mas conheço muitas pessoas que não sabem como proteger o planeta, como poupar dinheiro em energia, reduzir o consumo de água, que produtos comprar para ser sustentável, como reduzir lixo. Há falta de conhecimento e entendimento e temos um grande papel nesse campo.

E como é que uma cadeia como a Ikea nos pode ajudar nisso?

Estamos a fazer um esforço nas lojas, mas também no online. Queremos falar mais com o consumidor sobre como os produtos são feitos. Temos uma meta de sermos climaticamente positivos até 2030. Em termos de materiais, queremos que 100% dos nossos materiais sejam reciclados, hoje estamos nos 60%; queremos partilhar com o cliente que os produtos que fazemos são bons para o planeta; e temos que oferecer soluções, como o buy back de móveis, para lhes darmos uma segunda vida; queremos ter um serviço de reparações em casa

Os consumidores em diferentes países têm pedido soluções diferentes de sustentabilidade?

Estamos a ver que as necessidades são as mesmas, mas que as soluções podem ser diferentes. A atenção dada à sustentabilidade está a aumentar, principalmente nas gerações mais novas. As necessidades são as mesmas, as soluções podem variar dependendo do país, da legislação local, mas não vejo grandes diferenças. A sustentabilidade é ainda mais importante quando se tem menos dinheiro, por isso penso que há quatro mitos que temos todos de combater: primeiro, as pessoas podem pensar que a sustentabilidade é um luxo para uma minoria, mas a sustentabilidade tem que ser acessível para a maioria; o segundo é que a sustentabilidade é complexa e que é para peritos. É verdade que não é um tópico de discussão simples, porque tem muitas interdependências, mas é responsabilidade nossa tornar o complexo em simples; outro mito é que a sustentabilidade é um problema para as empresas: se quiser tratar do planeta, destruo a empresa, ou se quiser tratar da empresa destruo o planeta, mas temos muitos exemplos de como um negócio bom para o planeta pode ser um bom negócio. E finalmente, o consumo em massa é uma questão em aberto. Temos que provar que uma boa produção e um bom consumo pode ser bom para a sociedade, se produzirmos de forma a respeitar o planeta, se tiramos o crescimento da pegada ecológica e criamos emprego e pagamos impostos. Há exemplos de sustentabilidade para a maioria: quando começámos com as lâmpadas LED, há cinco anos, o preço era de 10 euros. Decidimos ir em frente, deixar de vender lâmpadas incandescentes e hoje vendemos lâmpadas LED por um euro e isso poupa 80% da energia. Estamos a investir nas renováveis, investimos 2,5 mil milhões até agora e decidimos acrescentar mais quatro mil milhões nos próximos anos. O parque eólico que temos no norte de Portugal, em Pisco, já esta a produzir a energia equivalente à de 30 lojas, ou mais de 40 mil casas. Temos mais retorno do investimento em renováveis do que em obrigações. Outro exemplo, é o nosso plano com as famosas almôndegas, que têm aumentado as vendas em muitos países, mas conseguimos agora ter uma pegada ecológica menor em 96% em relação às almôndegas tradicionais. Nós, as empresas, temos uma grande responsabilidade em reduzir o consumo de carne.

Falámos há pouco de legislação, os governos e organizações internacionais deviam fazer alguma coisa diferente?

Vejo um copo meio cheio e meio vazio, de uma forma geral. O copo meio cheio é que os governos em quase todo o mundo estão a tomar medidas e muitos estão a penalizar atividades não sustentáveis; no lado do copo vazio, devíamos passar das penalizações a maus comportamentos para os incentivos aos bons comportamentos. Em vez de pôr taxas nas coisas más, como arranjamos programas para incentivar os bons comportamentos? O que queremos é acelerar a transição e se nos focarmos apenas na taxação, isso também pode levar a preços mais altos, por isso temos que encontrar formas de acelerar esta transição.