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As empresas familiares são, em geral, discretas. Ainda que os media amplifiquem conflitos e dramas das famílias, dando assim uma ideia, ainda que superficial, dos mundos privados dos donos das empresas. Com frequência, as empresas familiares dão nas vistas por razões menos felizes, cumprindo o destino trágico do ditado “pais galegos, filhos barões, netos ladrões”, ou conforme diz o provérbio chinês “do arrozal para o arrozal em três gerações”.
Já as empresas cujo capital se encontra disperso por uma comunidade anónima de acionistas, por oposição, sofrem maior pressão para apresentar resultados no curto-prazo, satisfazer acionistas, distribuir dividendos que as tornem atraentes aos olhos dos investidores. E os próprios gestores podem cair na tentação de privilegiar os projetos que lhes permitam atingir os objetivos anuais e respetivos bónus, focando-se em investimentos de curto-prazo que podem, em último caso, afetar a sobrevivência a longo-prazo da organização.
O controlo familiar pode, por isso, trazer múltiplas vantagens, nomeadamente o reinvestimento dos lucros de forma responsável, privilegiando o capital próprio à dívida, a transmissão dos valores da família, enquanto entidades com elevada responsabilidade social, entre outras. A maioria das pequenas e médias empresas é familiar e muitas destas conseguem ter sucesso de forma discreta, aplicando ao seu negócio uma abordagem altamente eficiente e que difere da forma burocrática adotada pelas grandes empresas cotadas em bolsa, cujo capital é público. São chamadas hidden champions (campeãs escondias) uma vez que, apesar de bem-sucedidas, têm líderes muito discretos e não procuram publicidade.
Estas empresas são lucrativas, fazem produtos únicos que inspiram a lealdade dos seus clientes e a liderança do mercado onde operam. Investem e reinvestem em inovação e desenvolvimento e expandem-se para o mercado global com os seus produtos, com foco muito claro naquilo que é central à sua atividade. Este é o caso de famílias que não são disfuncionais, mas sim adaptativas.
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Os seus princípios inspiram produtos e marcas. Focam-se no alinhamento entre os seus valores culturais, propósito e sustentabilidade de longo-prazo, privilegiando a proximidade a clientes e fornecedores. Deste modo, criam uma forte e dedicada cultura na organização, promovendo capacidade de tomar decisões rapidamente e adaptar-se em tempo útil.
Em Portugal existem vários casos de líderes mundiais no seu mercado, mas desconhecidos do público. A Filkemp é um deles. Líder mundial na produção de fios técnicos para a indústria do papel e de filtração industrial, é um produtor de referência no mercado da pesca desportiva e profissional, bandas transportadoras, cordas de ténis, cabos de amarração, agricultura e mais recentemente filamentos para impressão 3D. Vende para mais de 40 países e distingue-se pelo seu histórico de qualidade, inovação e competitividade.
Campeões ocultos
Criada em 1969 como uma unidade de negócios do Grupo Hoechst em Portugal, foi em 1998 adquirida ao grupo alemão e renomeada de Filkemp. O seu acionista maioritário, Wolfgang Kemper, tinha na altura quase 66 anos e teve a visão estratégica necessária para se rodear de jovens. Não só conseguiu escolher bem as pessoas, como também teve a capacidade de as reter…
Com mais de 180 colaboradores, a crise de 2011 não passou ao lado da companhia, que se viu obrigada a sacrificar vários postos de trabalho para garantir a sobrevivência da organização. Ao contrário de outras empresas familiares, que aparentam ser um “clube fechado”, a Filkemp privilegia a transparência, acredita na partilha de informação dentro da organização, na lealdade e confiança, na colaboração e no respeito pelos outros. Em conformidade, os despedimentos necessários tiveram a promessa de que se a empresa voltasse a crescer aquelas pessoas seriam chamadas de volta – e assim aconteceu. Quase todos regressaram, exceto os que já tinham seguido caminhos alternativos.
Estes hidden champions são particularmente interessantes de analisar do ponto de vista académico, uma vez que são organizações normalmente fora do radar das universidades e dos meios de comunicação generalistas, por agirem em setores “desconhecidos” – fora das áreas da consultoria, retalho, tecnologia, etc. Relativamente pequenas e sem pagar valores exorbitantes aos gestores, são normalmente empresas familiares e como tal tendencialmente discretas. Ainda assim, o seu interesse para a investigação é enorme uma vez que são entidades que desenvolveram características únicas: têm por um lado a capacidade de reconhecer janelas de oportunidade que mais ninguém vê e por outro a coragem e a vontade de tomar decisões rápidas e fazer as mudanças necessárias.
Como dizia Sartre, “para saber quanto vale a vida, é preciso arriscá-la de vez em quando.”
*PhD candidate & teaching assistant NOVA SBE
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