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Os operadores Meo, NOS, Vodafone e a Accenture sabiam que o projeto de publicidade direcionada nas gravações automáticas no serviço de televisão paga levantava dúvidas junto da Autoridade da Concorrência (AdC) e que, muito provavelmente, este regulador abriria um processo contraordenacional contra as quatro empresas, uma vez que, nas reuniões entre as empresas de telecomunicações e a equipa de Margarida Matos Rosa, a AdC avisou para a “elevada probabilidade” de surgir uma acusação de violação das regras da concorrência. As quatro empresas, contudo, decidiram avançar em parceria para a exploração de publicidade em televisão não-linear, sem rever os moldes do projeto apresentado à AdC.
A AdC acabou por emitir uma nota de ilicitude a 15 de dezembro, acusando as telecom e a consultora (esta por suporte tecnológico e operacional) de restringirem a concorrência ao combinarem entre si a inserção de 30 segundos de publicidade como condição de acesso dos respetivos clientes às gravações automáticas dos diferentes canais de televisão. Os operadores e a consultora rejeitaram desde logo a acusação, anunciando que iam contestar as alegações daquela autoridade. A Meo e a NOS alegaram mesmo que a AdC conhecia “detalhadamente” o projeto e que não tinha levantado objeções, antes da sua implementação. Versão diferente tem a entidade liderada por Margarida Matos Rosa, que desmente categoricamente as alegações dos operadores.
Ao Dinheiro Vivo, fonte oficial da Autoridade da Concorrência confirma que existiram reuniões com a Meo, NOS e Vodafone, entre abril de 2019 e fevereiro de 2020, a pedido dos operadores. Muito antes do serviço em causa ter sido lançado. A mesma fonte conta que as três empresas apresentaram “traços gerais” de um projeto de parceria, cuja informação prestada tinha “limitações substanciais para efeitos de uma apreciação” do regulador. Não terá sido mais do que “uma mera manifestação de intenções”, pois o projeto dado a conhecer à AdC só “apresentava o ponto de vista dos operadores”.
Mesmo assim, revela fonte oficial da AdC, o regulador para a concorrência alertou os players que “a parceria a implementar suscitava preocupações graves à luz da legislação em vigor, em matéria de defesa e promoção da concorrência”, e que, “caso os operadores avançassem com o projeto nos moldes apresentados, existia uma elevada probabilidade de ser instaurado um processo contraordenacional por práticas restritivas”.
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Foi precisamente isso que veio a acontecer, na sequência de uma notícia do Expresso em agosto de 2020. O semanário revelou que as gravações automáticas na pay-tv da Meo, NOS e Vodafone, passariam a ter 30 segundos de publicidade como condição de acesso ao serviço (apenas disponível para os clientes que têm pay-tv com boxes). Este serviço é fornecido pela Accenture aos operadores, tem a designação de Playce e está em vigor desde 17 de agosto de 2020.
Concertação nos preços?
De acordo com a fonte oficial da AdC, entre a última reunião dos operadores com o regulador para a concorrência e a data do anúncio da implementação do projeto, nenhuma das telecoms fez “chegar ao conhecimento da AdC qualquer informação sobre este tema, tendo decidido pela efetiva implementação do projeto, sem qualquer comunicação prévia desse facto à AdC, não obstante as preocupações graves de cariz concorrencial que lhes haviam sido manifestadas”.
Para a AdC os factos forneciam “indícios de que os operadores tinham implementado um acordo restritivo da concorrência, em violação da legislação em vigor” – os preços da publicidade também poderão ter sido acordados entre os operadores. Por isso, logo em agosto de 2020, a Concorrência abriu um processo contraordenacional. Em novembro desse ano, a AdC efetuou operações de busca e apreensão, para obtenção de prova dos comportamentos em causa. A investigação resultou na formulação da nota de ilicitude (acusação) conhecida no passado dia 15 de dezembro.
A AdC argumenta que identificou um “acordo anticoncorrencial” que desincentivava os consumidores a mudar de operador, mesmo que estivessem insatisfeitos com as alterações introduzidas. Acresce que o propósito das telecom foi “preservar a estrutura de mercado relativamente estável e equilibrada, da qual os operadores beneficiam, uma vez que o mesmo minimiza a diferenciação nas ofertas de serviços de televisão por subscrição, em termos de preço ou outras condições de transação, em benefício dos operadores e em detrimento dos consumidores”.
“Relativamente à comercialização de espaço publicitário junto de anunciantes e agências, constatou-se que o acordo resultou na eliminação da concorrência entre os operadores, materializada numa uniformização das condições em que essa comercialização se poderia verificar, incluindo ao nível de preço, descontos e outras condições de comercialização relevantes para as entidades que adquirem espaço publicitário”, acrescenta a nota de ilicitude da AdC.
Processo ainda vai a meio
A nota de ilicitude não determina que a investigação da AdC tenha chegado ao fim. O processo ainda vai a meio. Nesta fase – feitas as primeiras investigações e conhecida a acusação -, as empresas visadas vão poder exercer o direito de audição e de defesa, relativamente à infração que lhes é imputada e à sanção ou sanções em que poderão incorrer.
Tal como o Dinheiro Vivo noticiou, na altura, as quatro empresas anunciaram que vão contestar a acusação. Meo e NOS insistem que a AdC estava a par de tudo, enquanto a Vodafone apenas fez saber que estava a analisar o processo, mas deverá seguir a mesma posição que os outros players. Já a Accenture considera ter sido apanhada a jeito: “A Accenture forneceu serviços tecnológicos às empresas para o lançamento do novo serviço. Cooperámos com as autoridades no âmbito da investigação, mas negamos qualquer irregularidade e vamos defender veementemente a nossa posição”, fez saber a empresa logo após a divulgação da acusação da Autoridade da Concorrência.
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