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Se tem um smartphone do trabalho muito provavelmente o telemóvel ou é Samsung ou é Apple, uma vez que a esmagadora maioria das empresas optou pelas duas marcas, em 2021. No último ano, o segmento empresarial foi o principal motor do mercado português de smartphones, com as referidas marcas a dominarem também no consumo de produtos de gama alta, cada vez mais procurados pelos portugueses. Em termos gerais, salta à vista a erosão da Huawei e a confirmação da ascensão da Xiaomi.
“O ano de 2021 correu muito bem para a maioria das marcas”, afirma ao Dinheiro Vivo (DV) o vice-presidente da consultora IDC com a pasta de Data e Analytics, Francisco Jerónimo. Segundo dados da IDC, o mercado nacional de telemóveis cresceu 8,7%, verificando-se um total de 2,607 milhões de smartphones vendidos em Portugal. Ou seja, o mercado não só recuperou da quebra em 2020 como superou 2019 em número de unidades vendidas (ver infografia).
O desempenho poderia ter sido melhor, se “algumas marcas tivessem tido capacidade de entrega em Portugal”, ressalva Francisco Jerónimo. No geral do ano, as vendas ficaram 60 milhões aquém do último ano anterior à pandemia (830 milhões em 2021 vs 890 milhões em 2019).
Todas áreas do mercado mobile cresceram, mas foi o segmento empresarial a crescer “a uma velocidade muito superior”. Segundo Francisco Jerónimo, se em 2020 a procura por smartphones retraiu-se porque, devido ao trabalho remoto, a procura dos consumidores e empresas recaiu sobre os computadores, em 2021 “o ambiente mudou”, sobretudo para as empresas. A adoção de modelos híbridos de trabalho “obrigou as empresas a capacitarem os funcionários também com os terminais móveis necessários para trabalharem a partir de casa”. E foi assim que o segmento empresarial se evidenciou.
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O desempenho das empresas na procura de novas máquinas não só impulsionou o mercado como um todo, como também ajudou duas marcas em particular. “É que 87% das vendas empresariais corresponderam a produtos da Samsung e da Apple”, revela o responsável da IDC, notando que a hegemonia da marca sul-coreana representa “quase 60% do mercado de smartphones” no segmento empresarial. Esta área do universo mobile nacional “está basicamente concentrada” na Samsung e Apple, pois “são as marcas cuja perceção de segurança é muito superior” às restantes concorrentes, que aqui têm “representações muito pequenas”.
A par das empresas, também o segmento do consumo atravessou uma fase em que os consumidores procuraram renovar as máquinas que detêm. Neste ponto, Francisco Jerónimo conta que num “mercado bastante maduro e muito recetivo a marcas novas e à experimentação, como é o português, embora seja suscetível aos preços”, os consumidores procuraram produtos de gama alta. O especialista nota que a procura por telemóveis de gama média (entre 120 e 600 euros) caiu “fortemente”, ao passo que “claramente” houve um crescimento “acentuado” nos topos de gama.
“Para se ter uma ideia, em 2021, as vendas de smartphones entre os 800 e os mil euros [gama alta] cresceram 36%. Dos mil até aos 1400 euros cresceram 43% e as vendas dos telemóveis de valores superiores cresceram mais de 1000%”, revela, notando que nas gamas altas o domínio também é das marcas Samsung e Apple. No extremo oposto, “as gamas baixas cresceram 12%”.
A ascensão da Xiaomi
Observando todo o mercado nacional, no conjunto de todos os segmentos, a Samsung continua a liderar com 37,7% de quota. José Correia, diretor de produto mobile da Samsung Ibéria, explica que o ano correu bem à fabricante. E acredita que 2022 não será diferente, “muito alavancado pela adoção do 5G”. José Correia estima para 2022 “um crescimento no mercado total entre 7 a 8%”, revelando que a Samsung está a apostar sobretudo nos produtos premium, calculando poder crescer “entre 15% a 20%”.
Para Francisco Jerónimo, tendo em conta a evolução da concorrência, só faltará perceber se a estratégia da marca passará por quer liderar em número de unidades vendidas ou em número de receita gerada com as vendas.
Todavia, entre as marcas, o destaque de 2021 bem que poderá ser a Xiaomi. No final de 2020, tinha uma quota de apenas 7,4%, ao passo que no final de 2021 a marca já representava 20,7% do mercado – a quota cresceu 13,3 pontos percentuais em doze meses. “Terminar o ano como a segunda marca de smartphones mais vendida no país, é, sem dúvida, um resultado excelente”, afirma Tiago Flores, country director da Xiaomi Portugal, chamando a atenção do DV para o trabalho de consolidação feito num só ano.
A consolidação da Xiaomi no segundo posto faz da marca challenger dos próximos tempos, perante a longevidade da Samsung na liderança do mercado.
Francisco Jerónimo da IDC explica que a Xiaomi “soube aproveitar” a erosão da Huawei – que após sucessivas perdas de terreno passou a dar prioridade a outros produtos. Ao “apresentar produtos de média gama com especificações avançadas” e instalar uma equipa própria no país, trabalhando os canais de venda, a Xiaomi está a conseguir colher frutos.
“Esse trabalho permitiu-nos duplicar o portfolio disponível da Xiaomi nas lojas e quadruplicar o número de unidades vendidas na categoria de smartphones comparando com 2020”, resume, por sua vez, Tiago Flores. Ao todo, a Xiaomi vendeu mais de 540 mil unidades em 2021.
Questionado sobre se a Xiaomi poderá vir a ameaçar a liderança da Samsung – tal como a Huawei chegou a fazer em tempos -, o responsável da IDC responde que “sim e não”. Isto é, “se continuar a crescer a esta velocidade a Xiaomi vai claramente ultrapassar a Samsung”, mas é preciso perceber qual a estratégia da marca. A Xiaomi “cresce em número de vendas, mas o valor dessas vendas é muito mais baixo” e a quota é “praticamente metade da da Samsung”.
A Samsung, que está presente em todas as gamas, “tem uma capacidade financeira e uma agressividade nos canais de venda que muitas outras marcas não têm” e, por isso, tem sempre uma grande capacidade de resposta quando a concorrência cresce.
“Mas não sei até que ponto a Samsung tem interesse em ganhar a guerra das unidade ou ganhar a guerra do valor. Entre vender dez por mil euros ou vender dez por cem é uma questão de estratégia”, interroga-se.
Nesse ponto, o gestor da Xiaomi Portugal garante que a marca vai começar a trabalhar o segmento premium, em 2022. Falta perceber como reagirá a Samsung – e também a Apple.
Apple mantém-se sólida
O terceiro lugar do ranking nacional das marcas mais vendidas, em Portugal, é da Apple. A relevância da marca é sólida, mantendo a aposta contínua nas gamas mais altas. Ainda que a quota total do mercado possa ter deslizado face a 2020, a fabricante norte-americana detém uns sólidos 14,6% (mais de 380 mil unidades vendidas) do universo mobile português. Francisco Jerónimo não prevê que marcas como a Xiaomi, TCL ou Oppo sejam capazes de “destronar” o papel da Apple.
A quarta posição é da TCL, que fechou 2021 com uma quota de 9,9%. No início de 2021, chegou a vender mais unidades que a Xiaomi – e a lutar para ficar com o espaço que era da Huawei -, mas não conseguiu manter o ritmo. O vice-presidente da IDC diz que a TCL, que inclui a marca Alcatel, é um dos casos daquelas marcas que não conseguiram melhores números pela falta de capacidade na entrega dos dispositivos aos canais de venda. Ainda assim, Patrícia Cavalheiro Dias, country manager da TCL em Portugal, assegura que a marca tem crescido “de forma sustentável”, reforçando laços com operadores e retalhistas.
“Na área mobile, a TCL foi uma das marcas a apresentar crescimento year on year, mesmo considerando a entrada de novas marcas concorrentes e do seu posicionamento mais agressivo, assim como a mudança de estratégia de algumas marcas líderes face aos segmentos de entrada de gama neste mercado”, argumenta a gestora.
Através da Alcatel, a TCL pode afirmar que está no mercado português há mais de duas décadas. Ainda assim, Patrícia Carvalheiro Dias afirma que 2021 – tendo em conta os desafios ainda sentidos devido à pandemia – foi um ano de “construção”.
Não obstante, a TCL olha para os resultados alcançados como uma mostra da “capacidade de se adaptar continuamente às várias condicionantes do mercado tecnológico face a outros concorrentes que ao longo dos anos foram desistindo do mesmo”. A responsável da marca chinesa referir-se-á ao desgaste da Huawei no universo dos smartphones e ao facto de ter estado a lutar, no último ano, ao espaço deixado vago.
De acordo com Francisco Jerónimo, a marca pode tentar procurar atingir o patamar que a Xiaomi atingiu. No entanto, não só precisará de apresentar produtos de média gama com especificidades avançadas como terá de garantir capacidade de entrega junto dos canais de venda.
Os dados da IDC dão conta ainda da afirmação da Oppo entre as marcas mais vendidas. “A Oppo tem tido crescimentos muito acelerados, praticamente continua a duplicar as vendas trimestre após trimestre”, nota Francisco Jerónimo.
A Oppo entrou no mercado português em 2020, pouco antes de a pandemia surgir, e desde então tem sido notório o esforço para se afirmar. A partir de Espanha, a marca tem trabalhado os canais de venda em Portugal, apostando em campanhas de comunicação agressivas. Em um ano conseguiu ganhar um lugar entre as cinco marcas de referência. Segundo Jerónimo, só não terá conseguido fazer melhor porque a concorrência está instalada em solo nacional há mais tempo e, por isso, os canais de venda não estão tão bem trabalhados.
O destino da Huawei
Feito a leitura das cinco principais marcas, falta perceber qual a posição da marca. No final de 2020, em plena pandemia, a Huawei partilhava com a Samsung 60% de todo o mercado de smartphones em Portugal. O que aconteceu em apenas um ano? Além do desgaste provocado pela campanha do antigo presidente dos EUA, Donald Trump, para fragilizar a marca, a Huawei deu vários passos atrás para repensar o que fazer nesta área. Devido a restrições internacionais, deixou de recorrer ao Google Mobile Service, deixando de lado o sistema Android e apostou num ecossistema de serviços e aplicações, bem como num sistema operativo próprio – HarmonyOS.
Fonte oficial da Huawei explica ao DV que aceitação foi boa pelos consumidores, no entanto, isso não se traduziu em vendas, em território nacional face à concorrência que tem acesso ao sistema da Google.
Para Francisco Jerónimo, da IDC, “muito dificilmente” a Huawei vai “retomar a posição que tinha”. O especialista no mercado mobile diz mesmo que os smartphones “não são uma área estratégica, neste momento”. Por isso, “provavelmente as vendas vão continuar a cair e esta área tornar-se-á num segmento nicho”.
“Não há uma grande perspetiva que nos próximos dois anos, pelo menos, isso mude”, aposta o vice-presidente da IDC.
Opinião diferente tem a marca, naturalmente. A mesma fonte oficial da Huawei Portugal lembra o “historial de inovação em smartphones” da marca, bem como a existência de flagships por cá. “Portugal é um dos países mais relevantes na Europa Ocidental para a Huawei”, defende.
“Continuamos totalmente empenhados em alcançar uma posição de destaque na indústria nos smartphones. Além disso, todos os dias trazemos novas aplicações para a nossa loja AppGallery, que já é a terceira maior loja a nível mundial. Aliás, em Portugal, 90% das aplicações mais utilizadas pelos utilizadores já fazem parte da AppGallery. Estamos otimistas e confiantes quanto ao futuro e vamos continuar a apostar em novos serviços e produtos inovadores”, enaltece.
E 2022, como será o desenho do mercado?
Para 2022, o especialista da IDC antevê que o mercado nacional de telemóveis desacelere. Contando uma taxa de penetração “acima dos 85%”, o especialista aposta que o ciclo de renovação das máquinas ficou feito em 2021, o que revela a “volatilidade” do mercado de smartphones.
“O segmento empresarial vai continuar a crescer, mas o segmento de consumo vai desacelerar. As pessoas já renovaram os seus aparelhos e, agora, vão esperar dois ou três anos”, defende, apontando que 2022 marcará o regresso “ao que era o percurso normal do crescimento do mercado”.
O responsável da IDC nota também um decréscimo nas vendas das máquinas de média gama – ainda que seja um fator de crescimento no caso da Xiaomi – poderá estar a ser provocado pela venda de telemóveis recondicionados, embora os aparelhos em segunda mão “não estejam disponíveis em todos os canais de venda”.
“O que o mercado dos recondicionadas está a fazer, essencialmente, é que o preço médio venha a crescer. Ou seja, quem quer comprar um smartphone melhor por pouco dinheiro talvez pondere comprar um recondicionado um pouco mais caro do que um novo barato”, explica. Isto poderá acrescentar outras variações no desempenho do mercado como um todo, futuramente.
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