//Mercadona. “Potencial game changer do mercado nacional”

Mercadona. “Potencial game changer do mercado nacional”

Há um antes e um depois da chegada da Mercadona a Portugal. O gigantismo do operador espanhol é um “potencial game changer’ do retalho alimentar em Portugal, com a pressão a fazer-se sentir em toda a cadeia de valor: dos operadores aos fornecedores, acredita Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca.

Que ondas de mudança vai provocar a entrada da cadeia de supermercados no país? Quais os operadores mais ameaçados? Iremos assistir a uma guerra das promoções? Pedro Pimentel faz a análise.

A Mercadona abre a 2 de julho a primeira loja no mercado português. Tem planos de nos próximos 7 a 8 anos abrir até 200 supermercados. Que impacto considera que a entrada deste novo player pode vir a ter no retalho alimentar nacional?

Até por alguma cristalização que se verificou nos últimos anos no mercado de retalho nacional – onde a última movimentação relevante data de 2007, com a compra dos supermercados PLUS, da germânica Tengelmann, pela Jerónimo Martins – há uma natural expectativa relacionada com a entrada da Mercadona em Portugal. Expectativa acrescida pela constatação da importância, dimensão e poder de mercado daquele distribuidor espanhol no país vizinho e que assume ainda maior relevância quando se antecipa e se verifica já a reação dos principais retalhistas a operar em Portugal, o que converte a Mercadona num potencial ‘game changer’ do mercado nacional.

Se pensarmos que estamos perante um mercado de soma zero, em que alguma evolução positiva em valor é compensada por um ligeiro decréscimo dos volumes, em que a pressão demográfica é negativa e que o impacto positivo introduzido – a partir de 2012/2013 – pelo turismo tenderá a ser atenuado nos próximos anos, com a desaceleração da respetiva curva de incremento, percebemos também que a entrada de um novo operador, com aspirações rápidas de crescimento, se fará sempre à custa da participação de mercado dos restantes retalhistas e não pela via de ganhos resultantes do crescimento do próprio mercado.

Assim, a entrada de um novo operador num mercado estagnado irá funcionar como um fator adicional de pressão sobre todos os restantes operadores, sejam eles retalhistas, cada um pretendendo ganhar ou, pelo menos, não perder a sua fatia do bolo total, seja entre fornecedores que, infelizmente, serão empurrados no sentido de vender os seus produtos em condições ainda mais desfavoráveis.

Os próximos meses serão, pois, muito interessantes para perceber qual a estratégia que a Mercadona finalmente adotará, perceber a reação dos seus principais competidores e perceber qual o impacto sobre o tecido de fornecedores. Impacto e tensões que, esperamos, mereçam o devido acompanhamento por parte das autoridades competentes.

Qual a cadeia que considera poderá ter a sua posição mais ameaçada?

A entrada da Mercadona num mercado com as circunstâncias atuais irá, sem dúvida, afetar todos os operadores, independentemente da sua localização ou dimensão. Sendo que as primeiras aberturas têm localizações muito concretas, as lojas (e operadores) que se localizem em áreas próximas serão, muito provavelmente, as primeiras a sentir o correspondente efeito, mas à medida que a rede de lojas se for alargando esse impacto será tendencialmente mais transversal.

Porém, é natural pensar que as cadeias de maior dimensão – até pelo plano já anunciado de aberturas – poderão ser aquelas que terão mais a perder. Não esqueçamos que os seis mais importantes operadores do Retalho – Sonae, Jerónimo Martins, Lidl, Intermarché, Auchan e Minipreço – adicionados, representam praticamente 85% do mercado de retalho alimentar nacional.

Dado o modelo de negócio da Mercadona: supermercados de entre 1500 e 1800 m2 e com uma forte presença dos produtos das suas próprias marcas (em Espanha, as marcas ‘brancas’ representam quase 70% das suas vendas totais), e a sua localização: na malha urbana ou junto dos principais centros populacionais, diria que Auchan (pelo elevado peso do modelo hiper) e Intermarché (pela forte presença fora da malha urbana) poderão sentir um pouco menos de pressão que as restantes. No caso do Minipreço, as dificuldades que o Grupo atravessa são, de per si, motivo de preocupação suficiente e a entrada da Mercadona pode ser apenas mais um fator de pressão.

As cadeias que ocupam o top 3 do retalho nacional – Modelo Continente (Sonae), Pingo Doce (JM) e Lidl – irão sentir, por certo, essa entrada, muito embora cada uma delas, de diferentes formas, tenha antecipado e se tenha preparado para este momento. Julgo, no entanto, que pela tipologia de lojas, pelo formato do modelo de negócio e de organização logística, pelo peso das suas marcas próprias no total de vendas e pelo facto de, estando atualmente na posição 3 do ranking, ser o primeiro alvo relevante a ultrapassar, o Lidl será muito provavelmente o operador que concorrerá mais diretamente com a Mercadona, mas terá sido também, de todos os operadores do nosso mercado, aquele que mais e melhor se preparou para esta entrada.

A cadeia aposta sobretudo no produto de marca própria. As concorrentes irão colocar um maior peso na oferta nas marcas de distribuição? Estas vão voltar a crescer face às de fabricante?

Essa aposta da Mercadona é notória e é uma das traves mestras do seu modelo de negócio. Em Espanha, os fornecedores são muito vocais nas suas críticas quer ao reduzido espaço de prateleira que a cadeia valenciana disponibiliza para os seus produtos, quer na dificuldade de fazer chegar produtos inovadores aos seus lineares.

Durante anos, uma parcela importante dos seus produtos de marca própria provinha de um conjunto selecionado de fornecedores – os chamados interprovedores – com os quais mantinha uma relação de forte proximidade e que fornecia à Mercadona um estatuto diferenciado a esse nível. Contudo, esse modelo de aprovisionamento está a sofrer fortes alterações.

Os competidores no mercado português identificaram essa aposta como um dos pontos fortes do modelo do retalhista espanhol e, obviamente, agiram – em maior ou menor grau – em conformidade, com renovações de gama, inúmeros lançamentos, entradas em novas famílias de produtos, mudanças de packaging e de imagem, introdução de diferentes posicionamentos, criação de marcas distintas dos da marca do retalhista, etc.

Julgo mesmo que a competição entre as marcas de distribuidor dos vários operadores será, muito provavelmente, algo que marcará a atuação e a comunicação dos retalhistas nos próximos anos, pois esse ângulo é visto como muito importante na diferenciação dos operadores e na sua relação (e capacidade de fidelização) com o consumidor.

Apesar do trabalho já realizado, os dados de mercado não mostram, até esta altura, um reganhar de quota das marcas de distribuidor face às de fabricante, como se previa. Mas não será surpreendente que tal venha a ocorrer nos próximos meses.

As promoções já representam cerca de 50% das vendas. Considera que o ambiente promocional do sector vai aumentar?
Esse é provavelmente o aspeto mais discutido associado à entrada da Mercadona no mercado português. O mercado espanhol, de forma muito diferente da do mercado português, apresenta uma dinâmica promocional relativamente limitada e para isso contribui, em muito, a estratégia de preços da cadeia liderada por Juan Roig, que aposta no chamado modelo de ‘every day low price’.

Não podemos esquecer que a entrada no mercado português corresponde à primeira verdadeira ‘aventura’ externa da Mercadona que, até aqui, limitou as operações ao mercado espanhol onde é, desde há anos, líder destacado e incontestado. Isso significa, ao mesmo tempo, que o teste ao modelo fora de Espanha não está feito.

Ao longo deste três anos de profusa comunicação, os responsáveis da Mercadona repetiram incessantemente que a não realização de promoções era um aspeto-chave da sua estratégia, mas também não se cansaram de repetir a frase de que a Mercadona em Portugal será portuguesa.

Diria que me parece muito pouco provável uma alteração radical da estratégia promocional dos mais importantes operadores (Modelo Continente ou Pingo Doce, por exemplo) por puro seguidismo à eventual linha de conduta dos espanhóis, como me parece igualmente improvável que a Mercadona adote uma política promocional forte, nas antípodas da sua estratégia no vizinho mercado espanhol.

Poderá mesmo existir, pelo menos nos primeiros meses, algum reforço da dinâmica promocional dos operadores mais relevantes, para se mostrarem ‘mais baratos’ que os seus novos concorrentes.
No médio-longo prazo é difícil antecipar o que se verificará, sendo que os ajustamentos mútuos certamente ocorrerão e que dificilmente o consumidor se verá confrontado com preços médios mais elevados do que os atuais.

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