“Os acionistas da EDP precisam de conversar consigo. Se precisar de mim para dar aí alguns entendimentos estou disponível.” Há uns anos, Eduardo Catroga, então presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, foi apanhado pelas televisões a oferecer-se como mediador a António Costa.
O antigo ministro das Finanças de Cavaco Silva e um dos negociadores do PSD no programa de ajuda externa continua naquele órgão da EDP, representando a China Three Gorges. Esse conselho é presidido agora por Luís Amado, antigo ministro de um governo socialista. Não são casos únicos: das 18 cotadas do PSI 20, metade tem pelo menos um antigo político em administrações. Alguns acumulam cargos em mais do que uma empresa. O grupo EDP e a Mota-Engil são as que têm mais ex-políticos nas administrações.
Mas o que torna ex-governantes num ativo apetecível? Otávio Viana diz que “cada caso é um caso e é importante salientar que estes administradores são eleitos pelos acionistas”. O presidente da Associação de Investidores ATM considera que “se há antigos políticos em cotadas isso pode dever-se a duas razões: por competência ou por capacidade de lóbi”.
Se há antigos políticos em cotadas isso pode dever-se a duas razões: por competência ou por capacidade de lóbi.
O levantamento feito pelo Dinheiro Vivo encontrou 16 antigos governantes em empresas do PSI 20: não inclui ainda Adolfo Mesquita Nunes, antigo secretário de Estado do Turismo, que vai assumir um cargo na Galp. A esmagadora maioria tem apenas funções não executivas. Susana Coroado, vice-presidente da associação cívica Transparência e Integridade, explica que “os ex-governantes podem trazer expertise em determinadas áreas, o que é normal, ou informação privilegiada sobre os setores que tutelaram, o que já pode ser mais preocupante”. A autora do livro O Grande Lóbi considera no entanto que “em geral é mais uma questão de influência junto dos decisores políticos, até porque os lugares que ocupam são não executivos, ou seja, não têm poder de gestão”.
É mais uma questão de influência junto dos decisores políticos, até porque os lugares que ocupam são não executivos, ou seja, não têm poder de gestão.
António Gomes Mota, presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) e chairman dos CTT, detalha que “a natureza da função de administrador não executivo é a de não ser a tempo inteiro, desde logo porque não está envolvido na gestão do dia-a-dia, mas também por ter uma remuneração bem menor do que teria se fosse administrador executivo”.
Quanto ganham?
Há uma grande diferença entre o que ganham os executivos e os não executivos. Há três antigos governantes com funções executivas: António Mexia, CEO da EDP, foi ministro das Obras Públicas e Transportes no governo de Santana Lopes. Antes disso, tinha sido já presidente executivo da Galp. Em 2018, ganhou, ilíquidos, 2,2 milhões de euros.
Luís Palha da Silva, que foi secretário de Estado do Comércio no início da década de 1990, é o líder da Pharol. Conta no currículo com passagem por várias empresas, tendo sido presidente executivo da Jerónimo Martins. Em 2018 teve um vencimento de 343 mil euros. Já Carlos Costa Pina, antigo secretário de Estado do Tesouro e das Finanças do governo de José Sócrates, é administrador executivo da Galp. Teve um pacote remuneratório de 705 mil euros no ano passado.
Na maioria dos casos de ex-governantes em empresas, as remunerações são mais baixas. Dos cargos não executivos ocupados por antigos políticos, em média, a remuneração foi de 88,7 mil euros ilíquidos no ano passado, segundo cálculos baseados em dados dos relatórios de governo das sociedades das cotadas. Mas não trabalham em exclusivo para essas empresas, acumulando com funções noutras entidades.
O trabalho desses não executivos é estarem presentes em algumas reuniões. No caso da EDP, por exemplo, o Conselho Geral e de Supervisão (CGS) teve 11 reuniões em 2018. Os ex-governantes com assento nesse órgão ganharam entre 64 mil euros e 405 mil euros, caso do presidente Luís Amado. O número de reuniões varia. A Mota-Engil, por exemplo, teve mais de 50. Já a Jerónimo Martins teve apenas seis.
Francisco Seixas da Costa é simultaneamente administrador não executivo da dona do Pingo Doce, da EDP Renováveis e da Mota-Engil. Passou quatro décadas em cargos diplomáticos e foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus nos governos de Guterres.
Os administradores executivos recebem, em regra, senhas de presença, pela sua participação em reuniões, que podem ser espaçadas em meses. Trata-se de um pagamento pela ocupação de tempo, que também leva em conta o trabalho prévio de estudo de documentos e dossiês.
Ao Dinheiro Vivo explica: “Nas empresas onde hoje trabalho, todas com uma componente internacional muito maior do que a sua operação em Portugal, o que sempre me foi pedido foi o meu conselho perante opções estratégicas, em geral, de investimento ou desinvestimento, numa análise geopolítica dos potenciais riscos das suas operações.” Sobre a remuneração, Seixas da Costa explica que “os administradores não executivos recebem, em regra, senhas de presença, pela sua participação em reuniões, que podem ser espaçadas meses entre si. Trata-se de um pagamento pela ocupação de tempo, que também leva em conta o trabalho prévio de estudo de documentos e dossiês”.
A EDP e a Mota-Engil
O grupo EDP e a Mota-Engil são as cotadas com mais antigos governantes nas suas administrações. Além de António Mexia, a elétrica tem no CGS seis antigos responsáveis políticos (Luís Amado, Celeste Cardona, Braga de Macedo, Augusto Mateus, Vasco Rocha Vieira e Eduardo Catroga). Na Renováveis estão António Nogueira Leite e Seixas da Costa. Contas feitas, o grupo EDP pagou mais de um milhão a antigos governantes, excluindo o salário de Mexia.
A Mota-Engil tem entre os seus administradores não executivos Jorge Coelho, Luís Valente Oliveira, Lobo Xavier e Seixas da Costa. E contou ainda com Paulo Portas como consultor. O antigo embaixador diz “não fazer a mais pequena ideia” das razões para estas empresas terem mais antigos governantes. “Não me parece que isso tenha algum significado”, adianta.
Para se garantir um determinado posicionamento junto de executivos a empresa pode necessitar de pessoas que tenham influência política.
Já Otávio Viana diz que nos casos de empresas com maior proporção de ex-governantes “poderá ser por causa do lóbi”. “Para se garantir um determinado posicionamento junto de executivos a empresa pode necessitar de pessoas que tenham influência política.” Reconhece que “pode ser uma zona cinzenta e razão de crítica do ponto de vista ético, mas é positivo do ponto de vista da empresa e nessa perspetiva são ativos”. Susana Coroado explica esse fator com empresas mais dependentes do Estado para ganhar contratos e garantir rendas.
A maioria das pessoas que exercem cargos não executivos são figuras bem reconhecidas na sua área de atividade profissional.
No entanto, Seixas da Costa afirma que “se privilegia, em regra, o preconceito de que o administrador não executivo, particularmente quando teve experiência política, é automaticamente suspeito de poder fazer tráfico de influências”. E rejeita essa ideia defendendo que a “maioria das pessoas que exercem cargos não executivos são figuras bem reconhecidas na sua área de atividade profissional”.
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