203 trabalhadores do serviço aeroportuário de bagagens não receberam prémio anual por causa da sua filiação sindical. Lesados poderão cobrar indemnizações por prejuízos sofridos.
O Ministério Público acusa a Groundforce de discriminação e violação da autonomia sindical por ter decidido que o pagamento dos prémios anuais de 2017 seria feito unicamente aos trabalhadores sem sindicato ou aos afectos às duas estruturas que, em novembro, tinham concordado com a atualização das tabelas salariais propostas pela empresa. De fora do bónus de meio salário ficaram 203 trabalhadores que agora poderão tentar obter uma indemnização por prejuízos sofridos, revela o despacho de acusação a que o Dinheiro Vivo teve acesso. O processo, que segue agora para julgamento, tem como arguidos a Groundforce, empresa de tratamento de bagagens nos aeroportos nacionais, e Paulo Leite, o CEO (Chief Executive Officer) que enviou o email a sugerir o pagamento diferenciado consoante a filiação sindical.
O MP entende que a proposta feita aos trabalhadores constituiu uma limitação do exercício do direito sindical, beneficiando uns em vez de outros, tendo contribuído “para que diversos trabalhadores se desfiliassem das respetivas associações sindicais”, o que promoveu “o enfraquecimento destas”, mesmo sabendo os arguidos “que o exercício da contratação coletiva é um direito que compete às associações sindicais e somente a elas”.
O despacho assume ainda que Paulo Leite “atuou sempre por si e no seu próprio interesse e no interesse por conta da sociedade arguida”, a Groundforce, “sabendo que as condutas assumidas eram proibidas e puníveis por lei”.
O processo foi enviado para o Ministério Público em abril de 2018 pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), após uma queixa por parte dos sindicatos que ficaram fora do acordo – Sindicato dos Técnicos de Handling e Aeroportos (STHA), Sindicato dos Quadros da Aviação Comercial (SQAC), Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Aviação Civil (SINTAC) e Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins (SIMA).
Também a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) já tinha considerado existir uma violação do Código do Trabalho, nomeadamente dos artigos 405º e 406º, agora provados também pelo MP. Ou seja, do artigo que diz respeito à autonomia e independência das estruturas de representação coletiva dos trabalhadores e que proíbe o empregador de “intervir na organização e gestão sindical” bem como “impedir ou dificultar o exercício dos seus direitos”; e do artigo que determina como “proibido e considerado nulo” o acordo ou ato que vise “despedir, transferir ou, por qualquer modo, prejudicar o trabalhador devido ao exercício dos direitos relativos à participação em estruturas de representação coletiva ou à sua filiação ou não filiação sindical”.
A carta que iniciou a discórdia remonta a 30 novembro de 2017. Mas o processo começou antes, em abril, quando os sindicatos retomaram a negociação das tabelas salariais. Depois de vários meses de negociação, apenas o SITAVA e o STTAMP aceitaram a proposta da empresa, que sugeria um aumento de 7,6% nos ordenados para os trabalhadores na categoria de iniciados e de 1% para os restantes trabalhadores. Por considerarem que o aumento de maior monta seria apenas dirigido a novos funcionários – não existiam trabalhadores na categoria de iniciados – reduzindo a força de trabalho a uma valorização salarial de 1%, quando não havia aumentos desde 2008, STHA, SQAC, SINTAC e SIMA não assinaram.
A 30 de novembro surgiria a carta que os sindicatos admitiram ser “uma negra página na história”. Paulo Leite, que havia subido a CEO da empresa em julho desse ano, depois de ter ocupado o cargo de COO (Chief Operational Officer), enviou uma mensagem aos trabalhadores onde garantia que o bónus de meio salário seria pago “a todos os trabalhadores que até à data de 11 de dezembro se encontrem filiados num dos sindicatos subscritores do acordo e a todos os trabalhadores sem filiação conhecida”.
Vários trabalhadores, à data, optaram por deixar as suas organizações sindicais para poder receber o prémio prometido pela empresa.
Além deste processo correm ainda outros dois em paralelo: um, no DIAP, a respeito de uma situação semelhante, em que os trabalhadores dos quatro sindicatos afectados em 2017 voltaram a ser preteridos num pagamento de retroativos, um ano depois; e um outro que corre no Tribunal da Relação e que tem a ver com a forma como as tabelas salariais foram atualizadas.
Contactada, a Groundforce não respondeu antes do fecho desta edição.
Já André Teives, presidente do STHA e porta-voz dos sindicatos (SIMA, SINTAC, SQAC e STHA) lembra que “desde a primeira hora que sabíamos das implicações destas atitudes e, horas depois do anúncio discriminatório feito por e-mail a todos os trabalhadores da empresa, emitimos um comunicado denunciando e concluindo o que estava em causa”. O responsável assume que “não é fácil aguardar 18 meses debaixo de um ataque, sem precedentes, aos princípios constitucionais mais básicos”, especialmente numa empresa que ainda tem capitais públicos através da participação da TAP. “Envergonha-nos a todos”, diz André Teives, contactado pelo Dinheiro Vivo.
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