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A indústria da música mudou de forma dramática nos últimos anos e os pontos focais foram transferidos para plataformas de streaming e redes sociais. É aí que os utilizadores descobrem o que há de novo e o que querem ouvir – e ver ao vivo. Mas com toda a exposição que estas plataformas trouxeram a artistas que antes precisariam de uma máquina gigantesca de marketing por trás para chegarem à sua audiência, há um problema que não está resolvido: como monetizar esse novo acesso.
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“O mais desafio, que me faz sentir mais incapaz de resolver, é o dos modelos de licenciamento e a monetização – ou a falta deles – em plataformas como TikTok, Facebook e outras alternativas”, afirmou Kristin Graziani, presidente da editora independente Stem. A responsável falava na keynote de abertura da conferência anual Musexpo, que decorre em Los Angeles com organização da A&R Worldwide.
“Estamos todos mais ou menos a ser lixados nisso, e não me parece que alguém tenha uma grande solução para o resolver.”
Como colocar mais dinheiro nas mãos dos artistas é uma das principais dores de cabeça numa indústria que viu as receitas cair drasticamente porque o modelo de negócio passou de vendas para streaming, merchandising e concertos ao vivo. E mesmo aqui depende de mercado para mercado. A Índia, por exemplo, tem uma falta de infraestruturas para concertos tão grande que não consegue organizar performances para audiências de mais de cinco mil pessoas. A Tailândia tem uma questão semelhante, e ambos os mercados apresentam um padrão de streaming basicamente dependente de anúncios, com muito poucos subscritores dos serviços como Spotify e Apple Music.
“Não estamos imunes à inflação”, declarou Karl Kongkham, diretor geral da Warner Music na Tailândia. Estamos a ver as receitas a caírem este ano”, continuou, explicando que o mercado depende de anúncios e se houver menos investimento o negócio recua. “Temos de trabalhar com os artistas para encontrar novos fluxos de rendimento”, considerou.
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Todas estas peças em movimento geraram alterações dramáticas na forma como as grandes editoras encaram a descoberta e desenvolvimento de talento.
“As grandes editoras decidiram que não estão no negócio de assinarem contratos com artistas em início de carreira”, disse Phil Quartararo, presidente do The Hello Group. “É um desafio porque desenvolver jovens artistas foi o motivo pelo qual entrámos nesta indústria.” Mas é também uma oportunidade, porque os jovens artistas já sabem que terão de fazer o trabalho para lançarem a sua carreira e não vão ser afunilados pelo mecanismo de uma grande editora, que pode secar a sua criatividade ou levá-la em direções opostas. O grande problema é, novamente, a monetização: “quando o artista ganha e quanto guarda para si.”
A todos estes desafios adiciona-se uma componente relativamente nova, a ascensão da Inteligência Artificial generativa, capaz de criar sons e músicas com apenas alguns pedidos.
“Adoro o mundo da IA, é fascinante, mas receio que a IA se vai alimentar da criatividade que já existe no mundo hoje. A IA não está a criar novo conteúdo, está a usar o melhor do que está disponível e a dar-vos um produto final”, apontou Vikram Mehra, diretor-geral da Saregama Music na Índia.
Na próxima década, sugeriu o executivo, uma editora pode preferir usar um sistema generativo em vez de andar a descobrir artistas e investir no seu desenvolvimento. “No final, é a criatividade que vai sofrer”, vaticinou. A arte usada para treinar os modelos não é compensada, e as facilidades prometidas pelos modelos generativos podem criar uma crise de criatividade no longo prazo.
“A IA cria com base no que foi feito no passado”, disse. “Dentro de 100 anos, corremos o risco de ser privados de toda e qualquer coisa que seja nova.”
Um outro ponto de discussão foi o encurtar dos sucessos e das carreiras. Há cada vez mais músicas que atingem o topo e se tornam “hits”, mas duram pouco nos tops e não necessariamente impulsionam carreiras de sucesso para os seus autores.
“A curva de sucessos foi severamente comprimida”, afirmou Phil Quartararo. “É por isso que não estamos a ver canções de sucesso a converterem-se em carreiras de sucesso.”
Do lado positivo, Kristin Graziani disse que o mercado financeiro está finalmente a encarar a música como uma classe de ativos relativamente estável. “Quando nos lançámos, era muito difícil para um distribuidor independente pôr as mãos em capital para desenvolver artistas, e assistimos a uma mudança”, disse a executiva. “Ainda há uma diferença maciça no tamanho dos cheques que uma grande editora e uma indie conseguem passar, mas vemos essa lacuna a estreitar-se”, continuou, “porque estes players financeiros estão a dizer que querem pôr mais dinheiro nas mãos dos artistas.”
É sem dúvida um momento de transformação na indústria, e a Musexpo serve não só de termómetro do que se está a passar mas também de mesa de negociações e investimentos. Foi por isso que o músico português Noble e a sua editora Metrosonic Records viajaram até Los Angeles para participar na Musexpo.
Noble fez duas atuações associadas à conferência, uma das quais um showcase com banda completa para uma audiência virada para a indústria. O músico está a usar esta participação como rampa de lançamento para o seu projeto de internacionalização nos Estados Unidos.
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