Partilhareste artigo
A pandemia não parou a abertura de lojas, mas “alterou, está a alterar e irá ainda introduzir mudanças significativas no padrão do consumo das famílias portuguesas”, afirma Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca. A associação que representa os produtos de marca antecipa que o ambiente promocional se venha a adensar, numa altura em que o rendimento das famílias está em queda, e a economia sofre o impacto da quebra abrupta do turismo, atividade com enorme peso no PIB nacional.
“Vamos assistir a uma luta entre modelos de negócio: físico vs online, convencional vs discount, o que – não espantará – conduzirá a uma redução de sortido na maior parte das insígnias e ao reforço do peso e importância das marcas de distribuidor, o que finalmente deverá conduzir a um reforço da concentração e à redução da elasticidade do mercado”, diz o Pedro Pimentel.
Apesar da pandemia o número de lojas físicas continuou a aumentar, mais 5% face a setembro de há um ano. Como comenta esta situação, dado o cenário de fortes restrições que, até no mercado alimentar, se tem assistido?
Subscrever newsletter
O plano de expansão das várias cadeias estava programado e em curso antes do início da pandemia e muitos desses investimentos, depois de iniciados, têm dificuldades e limitações em relação a uma eventual paralisação ou suspensão. Por outro lado, as novas lojas e as remodelações programadas estavam enquadradas nos referidos planos de expansão e visavam, na grande maioria dos casos, ocupar áreas geográficas onde as insígnias estariam menos bem representadas, mas também permitir uma maior proximidade ao consumidor e proporcionar-lhe uma melhor experiência de compra.
E se isso teria razão de ser na normalidade pré-pandemia, ganhou força adicional no contexto atual, em que o consumidor quer sentir a loja como um lugar confortável e onde corre o mínimo de riscos, ao optar cada vez mais por fazer a suas compras num único local e não reparti-las por diferentes espaços comerciais, e em que a proximidade adquiriu ainda maior valor.
O retalho alimentar releva o maior dinamismo, são 134 das 197 novas lojas.
O retalho alimentar, pela função que desempenha, mostrou-se como um dos setores mais resilientes à crise e porque, como ainda há poucos dias os dados da SIBS mostravam, mais de metade das compras realizadas em lojas físicas pelas famílias portuguesas, foram efetuadas em farmácias e nos espaços do retalho alimentar.
Com o rendimento das famílias a encurtar, com o crescimento das compras online, considera que é um fenómeno a manter-se ou as cadeias vão retrair investimento?
A redução do poder de compra das famílias irá, sem dúvida, impactar a estratégia e os planos de expansão das diferentes insígnias, mas nesta fase – presumo – outros valores como a mobilidade, o trabalho à distância ou a própria evolução da pandemia (e, por exemplo, os receios associados às aglomerações de pessoas) podem condicionar, de forma ainda mais forte, essas estratégias e planos.
Lojas de grande dimensão ou localizadas em zonas de serviços, por exemplo, poderão perder preponderância, enquanto os espaços situados nas zonas habitacionais ou, inclusive, fora dos maiores aglomerados urbanos tendem a ganhar importância.
Antes da pandemia assistíamos ao fenómeno de lojas alimentares urbanas – para servir consumidores em trânsito e turismo – que, com o covil-19 (e dada a limitação de número de pessoas por metro quadrado) terão potencialmente sido mais afetadas nas vendas. O que sente que a pandemia poderá vir a mudar nas decisões de conceito de loja a abrir no futuro? Ou é uma questão de esperar que a tempestade pandémica passe e é ‘business as usual’?
O quadro de evolução da pandemia mantém, à data de hoje, uma enorme dificuldade de antecipação mesmo no curto-médio prazo. E há incógnitas que permanecerão mesmo para lá do fim da crise sanitária. Dois exemplos: o turismo de massas voltará a ser uma realidade e regressará a níveis de 2018/2019? o trabalho à distância tornar-se-á uma realidade estrutural para muitas funções e empresas?
Desta forma, as lojas alimentares terão dinâmicas distintas em função da sua inserção na própria malha urbana e considerarão, por certo, fatores como a centralidade, a mobilidade ou o papel que vinham desempenhando no abastecimento do próprio canal HoReCa.
Julgo, pois, que se irão disseminar conceitos de lojas bastante distintos, na dimensão, no sortido e no tipo de serviço ao consumidor, em função da respetiva localização.
Vamos encerrar o ano em curso com as vendas online de “produtos-de-supermercado” a representarem – ainda – menos de cinco euros em cada 100, um valor ainda relativamente reduzido, mas que faz pensar que o incremento de vendas continuará nos anos mais próximos
No alimentar o online tinha um peso residual. A pandemia foi o empurrão externo que levou as marcas a apostar? O que já pesa ou pode vir a pesar nos resultados das cadeias?
A transformação digital era já uma realidade pré-pandemia e afetava todas as áreas da economia e das nossas vidas pessoais. A crise veio acelerá-la em todos os quadrantes e todos os vetores. E isso foi especialmente verdade na área alimentar. A Deloitte referia há semanas num webinar organizado pela Centromarca que, no universo do grande consumo, a aceleração digital verificada nos primeiros três meses da pandemia tinha sido equivalente à que seria expectável para os próximos cinco anos. A curva de crescimento tem obviamente tendência a desacelerar com o decorrer do tempo, mas a transformação é inexorável e incontornável, sendo que 2020 fechará com um aumento do peso do digital nas vendas do universo do grande consumo em Portugal entre duas vezes e meia e três vezes o peso que tinha no final de 2019. E este rácio de aumento não é muito diferente do de muitos outros países europeus.
Apesar disso, vamos encerrar o ano em curso com as vendas online de “produtos-de-supermercado” a representarem – ainda – menos de cinco euros em cada 100, um valor ainda relativamente reduzido, mas que faz pensar que o incremento de vendas continuará nos anos mais próximos.
As razões para pensar assim são muitas: novos compradores (inclusive em escalões etários e zonas geográficas improváveis), maior frequência de compra para antigos e novos compradores, alargamento da cesta de compra a novas categorias de produtos, mas também o aparecimento de novos operadores digitais e a ampliação à venda online de retalhistas convencionais.
Um dado interessante: antes da pandemia, mais de 90% das compras FMCG online eram realizadas nos retalhistas convencionais (nomeadamente Sonae, Auchan e El Corte Inglés), enquanto atualmente – com um bolo que vale quase o triplo – essa percentagem baixou para pouco mais de 80%. Ou seja, quase 20% das compras online de supermercado das famílias portuguesas são realizadas em operadores 100% digitais (casos, por exemplo, do Mercadão, do MercaChefe ou do 360Hyper).
Há algum case study que considere particularmente bem sucedido?
Penso que o tempo decorrido e a evolução muito rápida que todo o contexto está a sofrer fazem com que seja ainda um pouco prematuro perceber os exemplos mais bem sucedidos, aqueles que têm consistência suficiente para ultrapassar a conjuntura atual e fazer uma separação entre o trigo e o joio.
Vê mais iniciativas como a da Sociedade Central de Cervejas ou a Unilever-Fima – com lojas próprias – em plataformas de entrega ou marketplace a avançaram para vendas diretas ao consumidor?
A pandemia teve um efeito devastador no canal HoReCa e os fabricantes mais expostos a esse canal – bebidas, cafés, gelados, snacks, etc. – sofreram um forte impacto nas suas vendas, tendo tentado canais alternativos de contacto com o consumidor, seja pela via das lojas online próprias ou instaladas em marketplaces, seja pela via da utilização dos operadores de entregas (por exemplo: Uber Eats ou Glovo). Este tipo de experiências pode ter relevância como complemento ou substituto do consumo fora-de-casa, mas não é propriamente uma forma de contornar o espaço que essas mesmas marcas ocupam na moderna distribuição.
Há outras marcas, de outras categorias (a cosmética é um bom exemplo) que encontram no canal online – com lojas próprias ou através de outros operadores – um espaço cada vez mais relevante de comercialização dos seus produtos, mas também de aproximação e contacto com o consumidor. Em todo o caso, parece um pouco cedo para perceber – em especial na alimentação, bebidas e outros produtos bastante massificados – se estas iniciativas, ultrapassada a crise sanitária, se manterão como ponto de contacto e de construção de reputação das marcas ou se alcançarão uma verdadeira dimensão comercial.
As vendas em promoção na Europa atingiram a sua maior quota de 2020 em outubro passado, um pouco acima dos 18%. No entanto, em Portugal, e no mesmo período, as vendas de produtos em promoção ultrapassaram os 50% das vendas totais
Promoções e produtos de marca própria têm vindo a ganhar peso. De que modo a pandemia pode/tem alterado os padrões de consumo dos consumidores nacionais?
A pandemia alterou, está a alterar e irá ainda introduzir mudanças significativas no padrão do consumo das famílias portuguesas.
A implosão do turismo e a fortíssima erosão do Canal HoReCa, juntamente com as implicações da crise sócio-económica que se está já a viver (com aumento dos níveis de desemprego e quebra do rendimento disponível de muitas famílias), irão implicar a diminuição do poder de compra e a diminuição efetiva do número de compradores (recorde-se que o número de turistas que nos visitavam correspondiam a cerca de 3% da população residente e com um poder de compra substancialmente superior).
Não é, pois, difícil de prever que se gere uma guerra de preços entre retalhistas, com uma aposta ainda maior no fenómeno promocional. Um à parte: uma informação avançada esta semana pela Nielsen indicava que as vendas em promoção na Europa atingiram a sua maior quota de 2020 em outubro passado, um pouco acima dos 18%. No entanto, em Portugal, e no mesmo período, as vendas de produtos em promoção ultrapassaram os 50% das vendas totais.
Vamos igualmente assistir a uma luta entre modelos de negócio: físico vs online, convencional vs discount, o que – não espantará – conduzirá a uma redução de sortido na maior parte das insígnias e ao reforço do peso e importância das marcas de distribuidor, o que finalmente deverá conduzir a um reforço da concentração e à redução da elasticidade do mercado.
Apenas com muita criatividade e consolidação de laços de proximidade com o consumidor as marcas poderão ultrapassar esta crise profunda e repentina
E como estão as marcas de fabricante a reagir a esta mudança de padrão? Há uma maior pressão promocional? Em que categorias estão a apostar?
As marcas antecipam alguns impactos da crise, mesmo reconhecendo que para muitas categorias de produto a crise não foi totalmente madrasta. De uma forma mais transversal, o universo FMCG atravessa um percurso nestas crises que, normalmente se desenvolve em quatro fases. Desde logo um primeiro momento em que o consumo se transfere de fora para dentro de casa, mas em que as vendas – no seu conjunto – acabam por não ser demasiado penalizadas. A que se segue um primeiro impacto das dificuldades económicas, motivando os consumidores a reduzir o custo com as compras que fazem, apostando no ainda maior aproveitamento das promoções ou na compra de produtos da mesma categoria, mas de patamar de preço inferior. Mais à frente, quando a crise se tornar mais penosa, o consumo diminuirá ainda mais em valor, por exemplo com a aquisição de produtos substitutos, e mesmo em volume, com a redução das quantidades adquiridas. Finalmente, quando se começarem a sentir os primeiros sinais de recuperação económica, o universo FMCG terá que esperar ainda largos meses para sentir o seu efeito.
O grande consumo é, normalmente, bastante resiliente e resistente ao primeiro impacto das crises, mas depois demora mais a redescolar, sendo a sua curva menos descendente mas mais prolongada que a de outros setores económicos. Esta crise, no entanto, tem uma génese diferente, contornos diferentes e, acima de tudo, um maior grau de imprevisibilidade e um efeito realmente global, não deixando nenhum bloco económico imune. Por essas razões, e mesmo no seio do grande consumo, os efeitos são profundamente assimétricos e mais associados à função dos produtos nas nossas rotinas diárias do que propriamente (pelo menos, para já) à maior ou menor disponibilidade financeira dos consumidores.
Em todo o caso, apenas com muita criatividade e consolidação de laços de proximidade com o consumidor as marcas poderão ultrapassar esta crise profunda e repentina. Marcas que são companheiros de viagem, marcas que estão presentes nos bons e nos maus momentos, mas também marcas que não abdicam de valores fundamentais como a comunicação e a inovação.
Tal como já referi, as guerras de preços e a escalada promocional não tardam, mas as marcas que se afirmarem apenas pelo fator preço poderão sobreviver no imediato, mas não resistirão ao arrastar da crise.
Deixe um comentário